- Nº 1997 (2012/03/8)
Comentário

Orçamento da UE: Que papel, que objectivos?

Europa

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O orçamento comunitário, para o bem e para o mal, é sem dúvida um importante instrumento do processo de integração que é a União Europeia.

Os «fundos comunitários» foram e são, no nosso país, uma das faces mais visíveis da CEE/UE, seja pela quantidade de investimentos e de infra-estruturas que ajudaram a financiar, algumas de indiscutível importância, seja pela propaganda que sempre lhes esteve associada. Entretanto, as outras faces, crescentemente visíveis, do processo de integração – como os crónicos e crescentes défices produtivos, a desarticulação e desmantelamento do aparelho produtivo na agricultura, nas pescas, na indústria, a par de outras alterações de peso na economia nacional – ajudam-nos a relativizar a importância dos fundos comunitários e a perceber melhor o seu papel.

A integração económica de tipo capitalista, em que economias de dimensão e grau de desenvolvimento muito diversos entram em confronto directo num «mercado único» livre e desregulado, leva tendencialmente à divergência dessas economias. Ou seja, as fortes ficam mais fortes e as fracas ficam mais fracas.

«Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que oprime e a lei que liberta», dizia o frade dominicano Lacordaire (1802-1861), uma máxima que bem pode sintetizar o caminho seguido pela CEE/UE, indissociável da sua natureza (de classe) e dos seus objectivos: alargar e consolidar as relações de produção capitalistas na Europa; alargar mercados para os grupos económicos das principais potências; pôr em competição a força de trabalho de diferentes proveniências, visando a sua desvalorização geral.

Outros objectivos e princípios que, ao longo do tempo, foram sendo reivindicados pela CEE/UE e mesmo inscritos nos seus tratados – como o objectivo da coesão económica e social – sempre foram subordinados ao sacrossanto princípio da «livre concorrência no mercado único» e secundarizados, quer nos meios que lhe foram atribuídos, quer pelas políticas que criaram um quadro macroeconómico profundamente desfavorável à efectivação dessa mesma coesão. O artigo 174.° do Tratado de Funcionamento da UE (relativo à coesão económica, social e territorial), afirma que a UE «procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas». Mas as crescentes assimetrias no seio da UE, seja entre países seja dentro de cada país, aí estão, fazendo da propalada «coesão» não mais do que letra morta nos tratados.

O orçamento comunitário deveria, à partida, ser um dos instrumentos de promoção da convergência no seio da UE. Ou, no mínimo, um instrumento que travasse uma divergência maior das economias, no quadro da integração capitalista descrita. Baseado numa contribuição proporcional de cada Estado-membro, consoante a sua riqueza, deveria assegurar uma redistribuição da riqueza entre estados-membros, alocando mais recursos aos mais necessitados e dirigindo esses recursos, preferencialmente, para o apoio ao respectivo sistema produtivo, à sua modernização e desenvolvimento relativo.

Mas não apenas o orçamento tem sido muito insuficiente (não ultrapassando 1% do Rendimento Nacional Bruto comunitário), como as suas prioridades estão longe, muito longe, de assegurarem a prometida coesão. É paradigmático que após o alargamento a 12 novos países (em 2004 e 2007), com níveis de desenvolvimento relativo abaixo da média da UE, os fundos estruturais – por excelência, a parte do orçamento destinada à convergência – tenham passado de 0,41 por cento para 0,37 por cento do RNB comunitário. Ou seja, em termos relativos, foram cortados quando mais necessários eram. Por outro lado, o orçamento sempre foi condicionado à implementação das agendas neoliberais da UE (dos pacotes Delors à Estratégia UE 2020, passando pela Agenda 2000 e pela Estratégia de Lisboa), agendas onde pontificam as liberalizações e desregulações dos mercados (incluindo do mercado de trabalho) e a privatização de diversos sectores económicos, assim limitando os estados-membros na aplicação dos fundos e consolidando a dinâmica de divergência que sempre acabou por prevalecer.

Esta dinâmica reflecte-se também no facto de uma parte importante dos fundos comunitários que entraram em Portugal ter acabado por sair para outros países, sob a forma de importação de bens e serviços no «mercado único».

Sobre este pano de fundo, encontra-se actualmente em discussão o pacote financeiro que irá determinar os orçamentos da UE entre 2014 e 2020. Voltaremos, por isso, a este assunto.

João Ferreira