O império contra-ataca
No passado domingo aconteceu na Rússia aquela eleição presidencial cujo resultado estava desde há muito previsto: Vladimir Putin seria eleito com maioria absoluta, o que naturalmente se confirmou. O Ocidente euroatlântico não gostou, o seu candidato não era Putin mas sim um milionário de apelido Prokhorov, Mikhail de nome próprio tal como Gorbatchov, que não conseguiu mais, coitado, do que uma votação miserável. Mas o que é curioso é que a generalidade dos media capitalistas, agora tristes perante a eleição de Putin, desde há muito mantêm o líder russo sob cerrado fogo mediático, como se desconfiassem de que o KGB ainda está vivo e de que Vladimir continua a ter nele superiores funções de chefia. Trata-se, ao que tudo indica, de uma variante degenerada e muito atrasada no tempo do anticomunismo pré-primário que vê fantasmas ameaçadores em tudo quanto é lado e que, quando não os vê, inventa-os, que também para isso é pago. De qualquer modo, parece que a prevista vitória de Putin sempre teria para tal gente o travo de uma derrota e, pior do que isso, algum sintoma de saudade por parte do povo russo relativamente aos anos em que a então União Soviética era uma superpotência. Com razão ou sem ela, suspeito de que pode ter sido por isso que para segunda-feira, isto é, para apenas vinte e quatro horas sobre as eleições que Putin venceria, o canal História já programara dois documentários daqueles que arrasam a memória de Estaline: «O Último Complô de Estaline» (transmitido duas vezes no mesmo dia) e «Estaline e a Caricatura». Como reforço, digamos assim, ainda transmitiu um outro documentário, esse sobre a História dos Estados Unidos da América e a sua intervenção na Segunda Guerra Mundial, não vá alguém lembrar-se excessivamente de que os soviéticos derrotaram Hitler em Estalinegrado no ano de 43, isto é, bem antes do desembarque ocidental na Normandia, e de que foram soldados comandados à distância por Estaline que entraram em Berlim e que libertaram os prisioneiros encerrados na quase totalidade dos campos de extermínio nazis.
No ar que se respira
É claro que estas duas colunas não têm nada de substancial a ver com o filme de George Lucas a que descaradamente se foi pilhar o título, talvez na convicção de que o cinema norte-americano pode ter utilidades inesperadas para além da promoção do american way of life e dos seus mitos nos quatro cantos do mundo. Em todo o caso, é adequado admitir que a vitória de Putin, a que se adicionou o resultado pelintra do milionário Prokhorov, terá sido sentida como derrota pelo «Grande Império Democrático Euroatlântico» e seus fiéis adeptos, e que desse desagradável sabor tenha resultado um desejo de contra-ataque, ainda que mínimo. E como havia de ser? Haveria decerto diversas opções, e nem está fora de questão que venha a surgir uma grande variedade delas, mas é claro que uma descarga de tele-artilharia sobre a teimosa memória de Estaline vem sempre a calhar e dá algum reconforto a quem a dispara. Por outro lado, o destaque que se dá aqui ao canal História e aos programas por ele transmitidos na segunda-feira não corresponde de modo nenhum à suspeita de que se trate de um canal que sirva de ponta-de-lança, que de resto seria apenas mais uma, da gigantesca panóplia de propaganda USA & Associados. Entendamo-nos: não é preciso tanto para que um órgão de informação, no caso de tele-informação, ocupe um lugar na permanente cruzada anticomunista, e portanto ainda incansavelmente anti-soviética e anti-Estaline não obstante todos os óbitos havidos e confirmados: um pouco por todo o lado, o anticomunismo é como que uma espécie de gás misturado no ar que se respira e que, naturalmente, produz consequências. Uma delas é a reedição constante de libelos acusatórios contra José Estaline pelas responsabilidades que lhe são imputadas. É fácil, barato, dá dividendos. E, à falta de melhor, serve menos mal como contra-ataque quando um sujeito chamado Putin, que não é suficientemente simpático aos olhos do libérrimo Ocidente, se atreve a esmagar nas urnas o candidato da nossa simpatia.