Privatização não é inevitável, é opção política
Os maiores encargos das empresas públicas são juros bancários
Intervindo numa sessão pública realizada na Junta de Freguesia do Feijó, em Almada, dedicada à defesa dos transportes públicos, o Secretário-geral do PCP denunciou o favorecimento dos grupos privados do sector dos transportes de passageiros. Para Jerónimo de Sousa, a verdade é que, ao contrário do que o Governo quer fazer crer, «não são os défices de exploração os responsáveis pelo aumento da dívida das empresas públicas de transportes».
Estas resultam, sim, dos «desvios das verbas das empresas públicas a favor dos privados» e das políticas de investimento em infra-estruturas seguidas nos últimos anos. O próprio Governo PSD/CDS teve já que reconhecer que essa dívida foi criada, em primeiro lugar, pelos investimentos públicos que os anteriores governos desorçamentaram e que estrangularam as empresas pela «gigantesca dívida que o Estado para elas transferiu». Muitos destes investimentos não tinham a «necessária cabimentação orçamental», o que obrigou as empresas a endividarem-se à Banca.
Foi o que aconteceu com a construção do Metro do Porto, a expansão do Metro de Lisboa e toda a modernização da infra-estrutura ferroviária nacional nos últimos vinte anos, recordou o dirigente do PCP. Tratou-se de investimento público «garantido com o recurso ao financiamento por parte das empresas públicas».
Assim sendo, acrescentou o dirigente do PCP, esta dívida, que é pública, só não é saneada pelo Governo por uma razão: este «não querer abdicar de um instrumento de propaganda contra o carácter público dos transportes públicos, martelando sistematicamente a opinião pública com os crescentes (e artificiais) prejuízos das empresas públicas». Foi este o «aparente paradoxo dos últimos vinte anos», acrescentou Jerónimo de Sousa: «quando o investimento era público, o Estado subfinanciava-o; quando o investimento era privado, o Estado sobrefinanciava-o.»
Mas a situação das empresas públicas tem, para o dirigente do PCP, uma outra causa: o «esbulho de dezenas de milhões de euros» de que foram alvo nos últimos anos. Só no que respeita à distribuição das receitas do passe intermodal, as empresas públicas perderam em 2011 quatro milhões de euros, desviados para os operadores privados.
Governo sempre contra os trabalhadores
Para Jerónimo de Sousa, a serem cumpridos os compromissos assumidos com a troika estrangeira, o actual sistema de transportes públicos corre o risco de «implodir». Assim, o que se exige é uma rutpura com a política de favorecimento dos grupos económicos, libertando as empresas públicas do estrangulamento das suas dívidas à banca. Isto seria possível nomeadamente com a renegociação dos contratos e a garantia da sustentabilidade financeira das empresas através de «justas e atempadas indemnizações compensatórias».
Defendendo uma «ampla revisão» do Plano Estratégico de Transportes, Jerónimo de Sousa acrescentou que tal processo deveria contar com a participação dos trabalhadores, que «sabem que há muito por onde melhorar na gestão das empresas públicas». Foram eles que denunciaram a «sangria por via da negociata das “sucatas”»; o nepotismo instalado nas contratações externas; os processos de inflacionamento dos custos das obras realizadas; as contratações de pessoal para dar emprego a clientelas; ou os estudos, assessorias e frotas automóveis de luxo. Fizeram também muitas propostas que poderiam ter sido tomadas, acrescentou o dirigente do PCP, acusando o Governo de não ter querido discuti-las.
A opção do Governo, afirmou ainda Jerónimo de Sousa, tem sido precisamente a oposta, agindo «contra os trabalhadores, fruto de uma opção de classe bem vincada». Os processos de reestruturação das empresas, que foram realizados de «costas voltadas» para trabalhadores, tinham objectivos bem definidos a priori: despedir, reduzir salários e direitos.
Perde o povo e o País
Na sessão pública de sábado, foi denunciada a intenção do Governo de privatizar o sector dos transportes. Para o Secretário-geral do Partido, é à luz desta intenção que devem ser entendidas as medidas que o Governo tem vindo a aplicar, bem como as que estão previstas no PET.
Tudo isto é feito à custa das populações, com o brutal aumento dos transportes e com as novas limitações à mobilidade, e dos trabalhadores, por via do aumento da exploração – sublinhou Jerónimo de Sousa. Mas é o próprio País a pagar por estas opções, acrescentou o dirigente do PCP, denunciando a submissão deste sector estratégico essencial para o funcionamento da economia e do desenvolvimento nacional aos «estritos interesses e lógica dos grupos capitalistas».
Para Jerónimo de Sousa, «por cada utente que opta por abandonar o transporte individual e utilizar os transportes públicos, ganha o País na redução da importação de combustível, ganha o País no ambiente e ordenamento urbano, ganha o País no equilíbrio das contas das empresas públicas». Mas como não ganham as multinacionais o Governo opta por fazer o contrário.
Lembrando que no «curto espaço de pouco mais de 12 meses» as populações foram confrontadas com aumentos brutais do preço dos transportes públicos, Jerónimo de Sousa acrescentou que tais aumentos foram acompanhados por «significativas reduções» no serviço prestado. A luta dos trabalhadores e da população evitou reduções maiores, valorizou, mas as que estão previstas merecem o repúdio e o protesto populares.
Negócios vergonhosos
A empresa que, em Almada e na Península de Setúbal, resultou da privatização da Rodoviária Nacional – a Transportes Sul do Tejo – recebe indemnizações compensatórias do Estado. Apesar disso, reduz a oferta, mesmo nas chamadas horas de ponta, e corta carreiras para diversas e grandes áreas residenciais. Trata-se de uma empresa que está integrada no sistema de passe social intermodal, mas que pratica preços muito elevados nos bilhetes.
No que respeita à ferrovia, lembrou-se que a CP foi proibida de concorrer ao eixo Norte-Sul (a travessia ferroviária pela ponte 25 de Abril) que foi concessionado à Fertagus, que pertence ao grupo Barraqueiro. Mas todo o investimento das infra-estruturas para que possa operar (linhas, estações, catenária, sinalização e material circulante) foi assumido pela CP, pela Refer ou pelo Orçamento do Estado. Mas apesar de não ter realizado qualquer investimento, a Fertagus pratica preços que são quase o dobro dos da CP para percursos semelhantes, não aceita o passe social e tem recebido milhões de euros em indemnizações compensatórias.
Também em relação ao Metro Sul do Tejo (cujo capital é repartido por Barraqueiro, Mota-Engil, Siemens e outros) o Estado fez o investimento e assume o pagamento entre o número estimado de passageiros no contrato de concessão, 85 mil/dia e os efectivamente transportados – neste momento 30 a 35 mil/dia. Ou seja, o Estado assume todo o défice de exploração. Apesar disto, a empresa está fora do sistema do passe social e pretende acabar com uma das linhas existentes.