Entrevista a Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

A alternativa nascerá da luta de massas

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Inês Seixas

No início de um ano que se prevê dramático para a maioria dos portugueses e que certamente ficará marcado por poderosas lutas dos trabalhadores e de outras camadas populares, Jerónimo de Sousa manifestou ao Avante! a sua convicção de que até o que parece inamovível e eterno pode ser transformado. Reconhecendo que a alternativa pela qual os comunistas se batem «não está ali ao virar da esquina», o Secretário-geral do PCP garante que a luta de massas pode criar condições para profundas transformações. A permanência ou a saída do euro, a campanha de recrutamento em curso e o XIX Congresso do Partido também estiveram presentes nesta entrevista, conduzida por Anabela Fino e Gustavo Carneiro. 

Tendo em conta que vamos produzir menos riqueza, as consequências serão o aumento das dificuldades, das falências, do encerramento de empresas e do desemprego. As últimas estatísticas demonstram já a verdade desta afirmação

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Em 2012 entrarão em vigor, na sua máxima expressão, as medidas inscritas no Memorando assinado pela troika nacional (PS/PSD/CDS) com a troika estrangeira, que o PCP designa desde a primeira hora de pacto de agressão. Quais as consequências que são de esperar do aprofundamento da política que está a ser seguida?

 

Estas medidas, a serem efectivadas, irão traduzir-se em mais recessão, mais endividamento, mais desemprego e mais injustiças. Ao contrário do que o Governo afirma e anuncia, o País ficará pior em 2012 para ficar ainda pior em 2013, caso prossiga a efectivação do pacto de agressão. É nesse sentido que consideramos que derrotar esse pacto constitui um imperativo nacional.

 

Quando dizes que o País ficará pior, o que queres dizer com isso? A recessão está aí, o desemprego não pára de aumentar, não há medidas orientadas para o crescimento económico. Sendo assim, ficar pior como?

 

Vai ficar pior precisamente por esta visão de cortes, sacrifícios e austeridade, de recusa no investimento para criar mais riqueza, numa perspectiva de crescimento económico e desenvolvimento. Tendo em conta que vamos produzir menos riqueza, as consequências serão o aumento das dificuldades, das falências, do encerramento de empresas e do desemprego. As últimas estatísticas demonstram já a verdade desta afirmação.

Também os cortes nos serviços públicos e o aumento brutal do custo de vida que vão recair sobre o povo português levam à contracção do mercado interno. E esta é uma lei económica simples: se as pessoas tiverem menos capacidade de poder de compra, as empresas vendem menos, sobretudo as que vivem do mercado interno. E há ainda esta ofensiva contra os trabalhadores, em torno dos objectivos que estão previstos nas alterações à legislação laboral.

 

O Governo justifica todas estas medidas com a necessidade de reduzir o défice e pagar a dívida. No caso específico das leis laborais, como se relacionam com a dívida e o défice?

 

Não têm nada a ver com o défice nem com a dívida, e muito menos resolvem os problemas da competitividade e da produtividade da economia nacional, que passam menos pelo factor trabalho do que pelo factor capital. Estas alterações propostas à legislação laboral, também previstas no pacto de agressão, revelam de forma crua a natureza de classe deste Governo e o seu objectivo de aumento da exploração dos trabalhadores.

A proposta de aumento do horário, sendo a mais iníqua, não pode ser desinserida de outras que estão em cima da mesa e que visam o embaratecimento e a facilitação dos despedimentos, o ataque às férias, feriados e horas extra e as tentativas de reduzir e até eliminar a contratação colectiva. De forma muito sintética, podemos dizer que o Governo quer pôr os trabalhadores a trabalhar mais, a receber menos e com menos direitos.

Sobre o aumento do horário de trabalho, chamo a atenção para o facto de o Governo começar a hesitar e as confederações patronais a fazerem contas. Já pensam em deixar cair a meia hora e tentar conseguir o mesmo objectivo por outras vias, designadamente alargar o trabalho não pago. Longe de descansar, a confirmar-se o recuo podemos afirmar que tal recuo resulta da luta, em particular da greve geral. O patronato percebeu que ia comprar uma guerra nas empresas e locais de trabalho que duraria meses e anos até à reposição do horário sem perda de salário.

A luta tem de continuar! A manifestação convocada pela CGTP-IN para 11 de Fevereiro para o Terreiro do Paço assume uma importância extraordinária, porque apesar do perigo continuar latente é possível alcançar vitórias. Por vezes, resistir é já vencer.

 

Há aqui uma contradição em que seria bom reflectir. Os economistas e conselheiros do Governo sabem que estas medidas têm um carácter recessivo, no entanto tomam-nas. Como se justifica a insistência nestas soluções?

 

Justifica-se pela natureza de classe desta política. A direita e o capital nunca se conformaram com as parcelas de domínio perdido, com os direitos conquistados pelos trabalhadores, e consideram ser este o momento para fazer um ajuste de contas com Abril, com aquilo que foi transformação e conquista, e desencadearam esta ofensiva. Em rigor, não se trata de uma mera ofensiva, pois, num exercício de memória, constatamos que ao longo destes trinta anos, ofensiva sempre houve, com sucessivos pacotes laborais justificados com o mesmo discurso da competitividade e da produtividade, da flexibilização. Estas são propostas velhas, com mais de trinta anos.

Mas há que sublinhar a diferença: pela sua dimensão e diversidade e profundidade, é uma ofensiva diferente, porque é mais grave. Como digo, num quadro de desemprego, de injustiças e de acentuação do fosso entre os que mais têm e mais podem e os que menos têm e menos podem, esta questão tem a ver com a natureza deste Governo e com a natureza da política que pratica, ainda por cima enquadrado no pacto de agressão que entretanto foi aprovado pelo PS, PSD e CDS.

 

Como disseste, ofensiva sempre houve e muitas das medidas constantes no pacto de agressão estavam já previstas no PEC 4. Para quê, então, chamar a troika?

 

No quadro desta crise financeira, em que era preciso pôr os povos a pagar os desmandos do capital financeiro, as forças do capital e as forças internacionais (FMI e UE) sentiram necessidade de vir impor ao povo português as medidas draconianas que o pacto de agressão comporta. Hoje, questiona-se muito se, tendo em conta o pacto, fizemos bem em votar contra o PEC 4.

Isto pressupõe uma primeira observação: o PEC 1, o PEC 2, o PEC 3 e o PEC 4 constituíam, pelo seu conteúdo e objectivos, a aplicação prática e concreta do que viria a ser o pacto de agressão. Em segundo lugar, foi o governo do PS, já auto-demitido, que chamou a troika externa e que integrou, com o PSD e com o CDS, a troika interna de que resultou o pacto de agressão. Isto permite uma conclusão óbvia: o PS, no governo ou fora dele, esteve e está com o pacto de agressão e com esta política de direita, como foi demonstrado com os PEC que apresentou ao povo português.

Quanto ao posicionamento do Partido, no momento em que o PCP aceitasse este pacto de agressão estaria a renegar o seu compromisso com os trabalhadores e com o povo português. Por isso votou contra e por isso recusou qualquer negociação com uma entidade ilegítima. E por isso lutamos hoje contra essa matriz de onde emana esta ofensiva sem precedentes a que o povo português está sujeito.

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PCP foi o primeiro a propor esta solução

Renegociar a dívida antes que seja tarde

 

Durante muito tempo o PCP foi uma voz isolada na denúncia das trágicas consequências para Portugal da aplicação das medidas da troika, mas hoje multiplicam-se as vozes dos mais diversos quadrantes que reconhecem que esta política está a levar o País para o abismo. Quer isto dizer que estão criadas as condições para renegociar a dívida e mudar de política? E em que condições se deverá fazer a renegociação?

 

Em primeiro lugar, a realidade está a impor-se. A violenta ofensiva ideológica em torno das inevitabilidades, do tem que ser, do não há saída, da ideia de que ficamos pior agora para ficar melhor depois, levou muita gente a considerar o pacto de agressão uma espécie de «mal necessário». Tendo em conta a realidade, a evolução da economia portuguesa e a situação dramática em que se encontram hoje muitos portugueses, sobretudo os trabalhadores e os reformados, mas também muitas camadas médias, são muitos os que começam a descobrir a razão que assistia e assiste ao PCP e a identificação com a análise que fazemos.

Se estivemos aparentemente isolados, conjunturalmente isolados, hoje começam a surgir muitas vozes a acompanhar-nos, designadamente em torno da renegociação da dívida. Há, hoje, a consciência de que tendo em conta a recessão económica, esta dívida não será pagável.

No que respeita à nossa proposta de renegociação da dívida, que avançámos em Abril do ano passado, consideramo-la indissociável das nossas propostas de defesa do nosso aparelho produtivo e de valorização da produção nacional, do aumento dos salários, pensões e reformas, da afirmação da nossa soberania. Não dissociamos esta nossa proposta destas questões mais de fundo.

Defendemos que a iniciativa de renegociar a dívida deve partir das instituições do País na base de duas questões: uma é a separação do que é a dívida legítima do que é a dívida ilegítima…

 

E o que é dívida ilegítima?

 

É a que resulta da especulação, da agiotagem a que o nosso País esteve sujeito durante muito tempo.

Outra vertente da nossa proposta é a renegociação de prazos, montantes e juros, de forma a permitir que o País tenha condições de apostar e investir no crescimento e no desenvolvimento económico. E há outra questão que não se pode esquecer: esta é uma proposta urgente que pode deixar de ser eficaz quando a situação estiver mais degradada.

Partindo do posicionamento de devedor, o País deve estar em condições de discutir com os credores aquilo que considera legítimo. A não ser assim, corre-se o risco da imposição draconiana das condições de pagamento por parte dos credores, o que teria consequências ainda imprevisíveis para o nosso País.

Assim, repito, é uma proposta que não pode ser desinserida de outras propostas que fazemos de defesa e valorização das condições de vida dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas, dos pequenos e médios empresários e agricultores, da questão crucial da valorização do nosso aparelho produtivo e da produção nacional. Criando desta forma as condições para evitar o garrote que, de outra forma, mais tarde ou mais cedo, acontecerá, tendo em conta o nível dos juros. Como é sabido, a tal «ajuda» da troika estrangeira representa o pagamento de mais de 30 mil milhões de euros de juros para um empréstimo de 78 mil milhões.

 

Ou seja, a renegociação que o PCP defende não é a mesma que propõem outros, nem a que foi feita há uns meses à dívida grega…

 

Essa é a questão central. Nesse caso, no caso da Grécia, não estamos a falar de uma renegociação mas de uma imposição. E aquilo que nos inquieta é que em Portugal, por este caminho, irá inevitavelmente acontecer o mesmo. Do ponto de vista da afirmação da nossa soberania e do ponto de vista do interesse nacional, teria toda a importância que se renegociasse a dívida em condições que permitissem desapertar o nó com que estamos a ser sufocados.

 

Mas isso não implica que as autoridades nacionais reconheçam a impossibilidade efectiva de pagar esta dívida?

 

Penso que lá no fundo todos eles têm essa consciência. Mas não o afirmam devido à sua submissão ao pacto de agressão e às orientações que são emanadas pela troika estrangeira. Substituem o interesse nacional pela submissão a essa troika, com consequências dramáticas para o País. Quando, lá mais para a frente (e espero que isto não aconteça) dissermos que não podemos pagar, isto pode significar mais alienação da nossa soberania, mais dificuldades, mais dependência externa e o País a andar para trás. Não só em 2013 e 2014, mas durante muitos e muitos anos.

 

Quando o PCP apresentou essa proposta, uma das exigências base era o conhecimento pormenorizado da dívida, da sua parte legítima e da sua parte ilegítima. Foi prestado algum esclarecimento por parte do Governo?

 

Claro que não, porque obviamente o Governo não quer fazer essa destrinça porque assinou de cruz aquilo que são as concepções e as perspectivas do capital financeiro e da troika. E não é apenas pela falta de fibra patriótica, mas pela sua cumplicidade e submissão às orientações do grande capital e das instituições da União Europeia, particularmente do seu directório.

 

Mas essa cedência do Governo não foi só às instâncias internacionais, já que o pedido de entrada da troika foi precedido das declarações dos banqueiros a exigir essa solução…

 

É importante fazer essa lembrança, pois no momento em que os banqueiros começaram a ter problemas de liquidez e de tesouraria viram a necessidade de convocar essa troika, a pensar não no interesse nacional mas nas suas dificuldades. E tiveram eco, pois no quadro dessa «ajuda» a fatia de leão vai precisamente para o capital financeiro: uma tranche de 12 mil milhões e mais 35 mil milhões de garantias bancárias.

É uma «ajuda» que é direccionada para os responsáveis principais da crise e que vai ser paga pelo povo e pelos trabalhadores. Essa é que é a questão central.

É uma mentira tremenda dizer que os sacrifícios estão a ser repartidos equitativamente e que a austeridade é para todos. Não é verdade. O capital financeiro continua de vento em popa e os grandes grupos económicos continuam a ser privilegiados. E a factura está a ser paga fundamentalmente pelos trabalhadores e pelo povo.

 

O Governo já reconheceu que a situação económica em 2012 se vai agravar e independentemente de o ministro dizer que não serão precisas mais medidas de «austeridade», torna-se inevitável pensar se não serão tomadas novas medidas. É um ciclo vicioso: recessão justifica novas medidas que trazem, por sua vez, mais recessão?

 

Não é de fiar aquilo que o Governo diz, que não serão precisas novas medidas de «austeridade». É evidente que procurarão, pela via das privatizações ou da venda de património público – como se esta fosse uma questão menor – encontrar algum «tapa buracos».

Na opinião do PCP, o povo português não pode estar descansado nem fiar-se nas palavras de quem hoje diz uma coisa e amanhã, em nome do agravamento da situação, encontrará sempre como solução ir buscar aos mesmos do costume. Não somos nós que o dizemos, a própria Comissão Europeia reconhece que nos últimos tempos quem pagou a factura foram os mais pobres, que perderam sete por cento dos seus rendimentos. Os mais ricos perderam apenas três por cento.

O Governo procurará sempre penalizar os mesmos do costume, os trabalhadores, os reformados, aqueles que vivem das suas pequenas empresas. Fundamentalmente, são esses que vão pagar novas medidas de austeridade.

 

Além de que três por cento para os mais ricos não é o mesmo do que sete por cento para os mais pobres…

 

É uma percentagem, uma estatística. Para um trabalhador com salário mínimo nacional perder sete por cento do seu salário tem um peso que não é comparável ao facto de o Amorim, por exemplo, perder três por cento das suas fortunas fabulosas.

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Permanecer ou sair do euro?

Há que fazer as contas ao que Portugal perdeu

 

 

O PCP foi contra a adesão de Portugal à moeda única, mas hoje são muitos os economistas, e não só, a reconhecer as consequências negativas da adesão e alguns inclusivamente a defender a saída de Portugal do euro. A saída do euro, e da própria União Europeia, é uma hipótese a ponderar?

 

Em primeiro lugar, a vida confirmou não só a nossa denúncia como os nossos alertas e a nossa análise em relação às consequências da adesão do País à moeda única e da própria integração europeia. Quanto à nossa saída ou à nossa permanência, o posicionamento do Partido relativamente a isto decorre de decisões congressuais e o XIX Congresso irá com certeza avaliar e decidir também sobre estas questões.

A crise do capitalismo e da União Europeia, as consequências para o nosso País deste processo de integração, o grau de destruição do nosso aparelho produtivo, o conteúdo dos sucessivos tratados e as decisões do directório de potências no sentido da ingerência, da alienação da nossa soberania, são processos que ainda não estão acabados. Daí que estas sejam questões que exigem muita reflexão. Mais do que uma resposta seca a uma pergunta sintética, como foi feita, há que medir todas as consequências.

 

Todos esses tratados e decisões de que falaste, prejudicaram países como Portugal em benefício das grandes potências...

 

O sentimento que tenho é que a União Europeia, particularmente países como a Alemanha ou a própria França, comeram-nos a carne e agora não estão dispostos a roer-nos os ossos. Particularmente tendo em conta o elevado grau de destruição da nossa agricultura, das nossas pescas, da nossa indústria, nomeadamente da indústria pesada, que permitiu que a nossa produção nacional fosse substituída por importações. E isso fez-se em benefício da Alemanha, fundamentalmente.

Assim, a questão da saída ou não do euro e da própria União Europeia não deve ser um acto súbito, mas também aqui o nosso País deve colocar-se na posição de credor, pois – mesmo não esquecendo a responsabilidade dos sucessivos governos de direita – a moeda única foi um desastre para o nosso País. O aprofundamento da discussão na fase de preparação do Congresso terá certamente em conta estas duas questões.

 

Uma cadeia comercial, para promover os seus produtos, voltou a fazer a comparação dos preços em escudos, pois é sabido que com a mudança para o euro os preços aumentaram brutalmente. Pensas que existe uma sensibilidade para um regresso ao escudo, ou ao poder de compra do escudo?

 

É evidente que com a integração no euro, Portugal perdeu a flexibilidade monetária e, em muitas circunstâncias, ficou de mãos atadas. Num quadro de desenvolvimento desigual, nomeadamente comparando com países de grande capacidade produtiva, as perdas dessa integração foram muitas. Suavizadas, na altura, com os subsídios comunitários que vieram para cá. Não para todos, mas para as mãos de alguns.

Isto levou a esta concepção terrível: que Portugal não precisava de produzir, não precisava de agricultura, de pescas ou de indústria porque estava na União Europeia. Lembro-me de Cavaco Silva, na altura primeiro-ministro, a dizer que não era preciso que o País produzisse aço porque aqui ao lado, em Espanha, isso era feito.

Daí esse sentimento que muitas vezes surge, mesmo por parte de pessoas que não dominam as políticas monetárias e cambiais, mas que olham para a realidade e percebem que a integração no euro foi uma corda na qual nos quiseram enforcar. Neste sentido, a questão da saída do euro (ou da expulsão, como hoje já está colocado) não pode ser um acto de aceitação passiva. O nosso País deve procurar que tanto numa eventual saída como na permanência sejam feitas as contas àquilo que Portugal como país sofreu com as imposições que vinham juntamente com a adesão ao euro.

 

Antes da entrada da troika, muita gente dizia que não havia alternativa, porque Portugal recebeu, ao longo dos anos, imensos fundos comunitários. Mas o Partido afirmou, por outro lado, que quem pagou foi Portugal e que muitos dos fundos vieram condicionados à não produção…

 

Daí que do ponto de vista nacional tenhamos que nos colocar como credores. Temos que olhar para a realidade: quem ganhou com o euro foi fundamentalmente a Alemanha e de certa forma a França e quem perdeu foram países como Portugal e Grécia e a moeda de troca foi muito elevada.

Tivemos que abdicar da criação de riqueza para aceitar os tais subsídios e apoios que, na sua maioria, foram direccionados para não produzir, para abater a nossa pesca, a nossa marinha mercante, a nossa indústria pesada, a nossa siderurgia, a nossa indústria naval, para abater a produção da nossa agricultura. Essa foi a moeda de troca.

É este o posicionamento que devemos assumir e não uma posição de miserabilismo, de mão estendida.

 

Num discurso em Lisboa, no âmbito das legislativas, afirmaste que «não é possível promover e avançar com um projecto democrático, patriótico, de desenvolvimento económico e de progresso e de justiça social sem que este esteja alicerçado no pleno exercício da soberania nacional». Ora, a resposta das grandes potências da UE à chamada Crise da Zona Euro está a ser, para além do agravamento da exploração e do saque a povos e países, o reforço do federalismo e do poder do directório das grandes potências. Que possibilidades há, neste contexto, de Portugal recuperar a sua soberania?

 

Não me anima o optimismo histórico nem acho que esta expressão singela que vou referir responda à pergunta. Mas a soberania será recuperada quando o povo português quiser, como aconteceu sempre ao longo da sua história quase milenária.

Do nosso ponto de vista, não há realidades imutáveis e quando evocamos o papel que o povo português pode ter na recuperação dessas parcelas de soberania perdidas, consideramos que a melhor contribuição que podemos dar para alterar esta realidade é travar a luta popular no plano nacional. O que não é contraditório, antes pelo contrário, com a nossa acção, cooperação e luta internacionalista.

Ao longo da nossa história, várias vezes perdemos a nossa soberania, várias vezes ela foi alienada, e nunca foram as classes dominantes que a recuperaram. Foi sempre o povo, com a sua luta, que a recuperou.

Apesar das sombras negras que pairam sobre a nossa soberania, tendo em conta a correlação de forças, o peso da ideologia dominante e os objectivos que animam a União Europeia, nós acreditamos que a luta patriótica tem uma dimensão insubstituível na recuperação dessas parcelas que hoje estão a ser perdidas. Difícil? Sim, sem dúvida. Mas o mundo move-se. Por vezes o Partido parece isolado, mas nós acreditamos que muita gente, muitos democratas, muitos patriotas, comungam destas preocupações e que, mais cedo ou mais tarde, virão a essa luta patriótica.

 

Sabemos que não é isto que queres dizer, mas quando afirmas que isto mudará quando o povo quiser pode inferir-se que isto está como está porque o povo não quer...

Não será então de dizer que a situação mudará quando o povo puder?

 

É evidente que quando digo «quando o povo quiser», quero dizer quando o povo tomar consciência da importância deste objectivo de defesa da nossa soberania. O nosso Partido tem uma proposta, mas obviamente não se substitui ao povo português na concretização dessa mesma proposta.

Estamos num momento muito violento ao nível da ofensiva ideológica, em que em nome do federalismo, da tal Europa «comum» e «solidária», existem enormes obstáculos à compreensão e à consciência da importância desta luta. Por isso, quando o povo puder o povo vai querer reassumir o direito inalienável à construção do seu devir colectivo.

Esta perspectiva parece, hoje, estar bastante ensombrada e parece que estamos isolados nesta batalha, mas a tendência que estamos a verificar é que esta proposta está a ser compreendida e alargada a muitos portugueses.

 

Ao longo da nossa história perdemos várias vezes a nossa soberania e foi sempre graças à luta popular que a reconquistámos. Por outro lado, forças que foram aliadas nessa luta não hesitaram em trair, depois, as expectativas populares, como voltou a suceder após o 25 de Abril. Isto não coloca uma imensa responsabilidade ao Partido?

 

Ao longo da história remamos muitas vezes numa tempestade com forças que, quando chegam ao cais, acabam por trair. Mas de qualquer forma, nós consideramos que é fundamental, neste contexto e com esta correlação de forças, que mais gente caminhe connosco, que marche connosco, mesmo sabendo que no objectivo final teremos o passo trocado.

Do que se trata, com este apelo que lançamos aos democratas e aos patriotas nesta conjuntura concreta é, através de alianças sociais, de identificação e comunhão de objectivos, conseguirmos travar este caminho para o desastre que está em curso. Nós continuamos a considerar que a definição de alianças sociais é uma questão que está colocada na ordem do dia e que sempre integrou as perspectivas do nosso Partido nos seus 90 anos de história.

 

Já que falámos do reforço do federalismo e do directório das grandes potências, vale a pena lembrar que temos dois países da União Europeia, Itália e Grécia, com governos que não resultaram de eleições e soube-se há dias que a chanceler alemã ligou ao presidente italiano para demitir Berlusconi…

 

Isso demonstra que para o capital as eleições e os seus resultados são bons quando servem os seus objectivos. E isto envolve questões de democracia, mesmo de uma democracia burguesa. O que estamos a verificar é que o capital, quando os seus partidos políticos não lhes servem, procura soluções antidemocráticas, ou pelo menos não sufragados pelos povos.

A principal ilação que podemos tirar é que o capital, para conseguir os seus objectivos, não olha a meios e tem das eleições uma visão utilitária e instrumental. Ou seja, se servir, serve, se não servir impõe-se outras soluções, como as que foram impostas na Grécia e na Itália.

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O que parece eterno pode ser transformado

 

 

O Partido tem vindo a apelar à luta popular contra o pacto de agressão e a trabalhar para desenvolver um «vasto movimento popular que congregue todas as camadas antimonopolistas, todos os democratas e patriotas» para este objectivo. É esta a perspectiva que o PCP aponta aos trabalhadores e ao povo?

 

Uma primeira reflexão: é natural que haja quem, partindo da realidade e das complexidades actuais, tenha a tendência para subestimar as potencialidades e sobrestimar as dificuldades, ficando bloqueado pela ideia de que não há alternativas ou tentando fugas para a frente.

Nós consideramos que será a luta dos trabalhadores, em convergência com as massas populares e com outros sectores e camadas antimonopolistas, a criar as condições para a ruptura com esta política de direita e que será dessa ruptura que resultará uma política alternativa, patriótica e de esquerda, e uma alternativa política capaz de a concretizar.

A nossa proposta não é esquemática nem datada, na medida em que estamos perante um processo sócio-político vivo, em que a consciência, a criatividade e a combatividade das massas será sempre o factor decisivo e determinante. Para um comunista, o mais importante agora é lutar para derrotar o violento pacto de agressão, tendo sempre presente que tal luta é inseparável da exigência de uma política patriótica e de esquerda e do cumprimento do programa do PCP de uma democracia avançada e do nosso projecto de construção do socialismo em Portugal.

 

Quando se apela aos «democratas» e aos «patriotas», isso significa um apelo à unidade com o PS?

 

Em relação às forças que possam compor e criar as condições para essa alternativa política, nós defendemos o desenvolvimento da luta social, a convergência de amplas camadas sociais, com os trabalhadores a serem o motor dessa mesma luta.

Quanto às forças políticas, que podemos dizer? Que hoje o PS está profundamente comprometido com a política de direita e com o pacto de agressão. Mas isto invalida que muitos democratas e patriotas, votantes no PS, se ponham à margem desta luta, tendo em conta que estão a sofrer na pele esta ofensiva? Nós consideramos que não.

Mas relativamente à direcção do PS, está comprometida, por opção, com este pacto de agressão como esteve comprometida com o Orçamento do Estado de onde emanam estas medidas, não está virada para essa ruptura e para essa mudança, para essa política patriótica e de esquerda que propomos.

 

Que camadas antimonopolistas são essas de que falas?

 

Nós pensamos que os trabalhadores, os reformados e pensionistas e sectores da pequena e até da média burguesia, que estão a sofrer nas suas vidas as consequências deste pacto de agressão, podem convergir nos objectivos de exigência de derrota do pacto e de ruptura com esta política. Esta convergência é o primeiro chão e alicerce onde se pode ancorar a perspectiva de uma política alternativa.

 

Mas há sectores mais adiantados do que outros. Os trabalhadores realizaram no ano passado uma imensa greve geral, os agricultores também têm lutado muito, mas os micro, pequenos e médios empresários, por exemplo, estão mais atrasados. Não seria preciso que todas estas camadas e sectores intensificassem a sua luta?

 

Por isso referi a complexidade da situação que vivemos. A elevação da consciência não é um acto mecânico nem um acto súbito. Dá-se a partir da realidade concreta, dos problemas concretos das pessoas, da situação em que se encontram. Por exemplo, a partir da ruína do seu pequeno negócio, da perda do emprego ou da reforma que foi desvalorizada, do aumento insuportável do custo de vida.

São esses factores concretos que levam a que se perceba melhor a nossa proposta e que permite que mais gente seja ganha para esta luta convergente que nós defendemos. Existem graus diferenciados dessa participação e dessa consciência, mas aqui está um desafio que está colocado ao Partido.

 

Centremo-nos agora na «política patriótica e de esquerda» que o PCP defende. Qual o seu conteúdo?

 

O primeiro conteúdo, como disse – e insisto – é que sem ruptura não há mudança política no sentido que apontamos. A primeira questão é, portanto, a nossa luta pela ruptura com este caminho para o desastre.

Quanto aos objectivos desta política patriótica e de esquerda, é fundamental em primeiro lugar que o nosso País se direccione para o crescimento e para o desenvolvimento, com a devida valorização do nosso aparelho produtivo e da nossa produção nacional, da potenciação das riquezas nacionais aos diversos níveis. É que, e ao contrário do que muita gente afirma, Portugal não é um país pobre. Tem potencialidades e recursos imensos que podem ser direccionados para a satisfação das necessidades do povo e do País.

E depois, tem que ser uma política que aposte na valorização dos salários, reformas e pensões e dos direitos dos trabalhadores, que tenha em conta os serviços públicos para o bem-estar das populações, que se direccione para que o Estado volte ao comando de empresas básicas e estratégicas, que afirme claramente um Portugal independente e soberano, que coopere com todos os povos e países do mundo.

Esta é a base onde assentamos a nossa proposta de uma política patriótica e de esquerda.

 

Como é que esta proposta se insere nos objectivos mais gerais do Partido, de uma democracia avançada e do socialismo?

 

Os comunistas portugueses sempre ligaram as suas tarefas imediatas aos seus objectivos programáticos e, definindo com rigor em cada momento histórico a etapa da revolução, nunca separaram de modo esquemático e dogmático as tarefas de cada uma das etapas das seguintes. Assim aconteceu no programa da Revolução Democrática e Nacional e assim acontece no actual programa de uma Democracia Avançada. Dizem os nossos Estatutos, e cito, que «a luta em defesa das conquistas da revolução de Abril, pela concretização dos seus valores e pela democracia avançada, é parte constitutiva da luta pelo socialismo».

Ou seja, a luta que travamos hoje contra o pacto de agressão, por uma política patriótica e de esquerda, por um Portugal com futuro, insere-se num processo e nas etapas a percorrer para alcançar o nosso objectivo supremo de construção do socialismo em Portugal.

 

Em que condições é que se poderia formar um governo capaz de levar à prática uma política patriótica e de esquerda?

 

Se perguntarem se hoje isso é possível, tendo em conta a actual correlação de forças e a arrumação das forças políticas e sociais, obviamente que é certo que esta nossa proposta não está ali ao virar da esquina. Mas, repito, o mundo não é imutável e aquilo que parece eterno e inamovível pode ser transformado, tendo em conta que estamos num processo histórico e vivo.

Nós acreditamos que esta perspectiva e este caminho podem ser concretizados. Mas é um processo, não é para Janeiro de 2012. Esta é a demonstração de que temos um caminho, um caminho que falta percorrer e que, diria mesmo, falta construir. Mas que vamos construir.

 

É possível, num regime capitalista, um governo que não seja um servidor, de facto, dos interesses do capitalismo?

 

Não devemos pressupor que um processo de transformação, um processo revolucionário, só tem êxito se for de construção do socialismo. Sem perder de vista o objectivo, a questão das etapas está colocada. Não colocamos uma «Muralha da China» em relação à revolução socialista, mas consideramos que o mais difícil é construir e percorrer este caminho e o mais fácil é nós os três aqui decidirmos que isto só lá vai com o socialismo e ponto final parágrafo.

Para lá chegar, nós temos que ter, e temos isso inscrito no nosso Programa, esta perspectiva de construção, muito complexa e muito difícil.

 

Há a experiência de governos ditos de esquerda, em que participavam inclusivamente partidos comunistas, em que os resultados foram desastrosos…

 

Sim, porque obviamente esses governos, traindo os seus anúncios e princípios, renderam-se completamente ao capitalismo. Foi um elemento de avaliação histórica e política o comportamento dos partidos socialistas e social-democratas, particularmente na Europa, em que todos claudicaram, arrastando neste processo alguns partidos comunistas que não se conseguiram libertar desse caminho de conciliação e colaboracionismo com os objectivos do capitalismo.

 

Na sua última reunião, o Comité Central do Partido chamou a atenção para a actualidade da luta por «profundas transformações antimonopolistas, pelo socialismo». O que falta para que estejam criadas as condições para estas transformações?

 

Esse é o grande desafio que está colocado. Há quem ache exagerado, mas não é, quando colocamos o desenvolvimento da luta de massas como o factor determinante que pode ajudar à criação de condições para os objectivos que nos propomos. Bem podemos participar valorativamente no quadro institucional, bem podemos fazer reflexão em tese sobre estas magnas questões, que aquilo que é fundamental é o desenvolvimento, a intensificação e a multiplicação da luta de massas.

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O Partido tem um prestígio imenso

 

O reforço da organização e intervenção do Partido é sempre apontado, a par da intensificação da luta de massas, como condição necessária para promover as profundas transformações que se impõem. Por que é tão importante neste tempo em que vivemos um Partido Comunista forte, combativo e influente?

 

Nós poderíamos dizer que ao longo desta história de 90 anos do nosso Partido, ele sempre foi preciso para os trabalhadores e para o povo português. Mas hoje, tendo em conta a ofensiva, o posicionamento e natureza dos partidos da direita e o comprometimento do PS com essa mesma ofensiva, os trabalhadores e o povo português precisam mais do que nunca de um partido comunista, deste Partido, mais forte e mais influente.

Podemos dizer que ao longo de mais de 30 anos de ofensiva de direita, os trabalhadores sabem bem o que perderam. Mas felizmente nunca saberão o que não perderam graças à luta deste Partido.

Sendo o PCP uma força insubstituível no combate e na proposta, nós consideramos que é muito importante este reforço. Não tanto no sentido de ter mais um deputado ou mais um município, mas de ter um Partido à altura dos desafios que estão colocados.

 

Os tempos que vivemos são favoráveis a esse reforço?

 

Ando pelo país fora e vejo que o nosso Partido tem um prestígio imenso. Embora com um problema: por razões de preconceito, de pressão ideológica, ainda há muita gente que não acredita que o PCP é a verdadeira alternativa. Estimulam-nos muito a que continuemos a nossa luta, esquecendo-se que não os substituímos na luta que têm que travar – connosco, evidentemente…

E é neste quadro concreto, não numa visão meramente eleitoralista mas política, de defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, que nós fazemos este apelo ao reforço do nosso Partido, ao reforço da sua influência política, social e também eleitoral.

 

É já possível fazer um balanço da campanha Avante! Por um PCP mais forte?

 

A acção Avante! Por um PCP mais forte, que decorreu do Congresso, tem vindo a confirmar o reforço do Partido no seu conceito integrado de reforço da organização e da intervenção. Mas permanecem atrasos e dificuldades, em áreas da nossa organização nas empresas e locais de trabalho, embora tenham sido dados passos muito grandes, ou na divulgação da nossa imprensa.

Continua a ser crucial reforçar o Partido nas empresas e locais de trabalho, a responsabilização de novos quadros e o recrutamento de novos militantes. Num balanço muito provisório, podemos dizer que demos passos adiante significativos, mas temos condições para recuperar desses atrasos e dessas dificuldades.

 

Na última reunião do CC, foi lançada uma nova campanha de adesão ao Partido. Sendo o reforço do colectivo partidário um objectivo permanente da actividade do Partido, e tendo presente o princípio de que não é do Partido quem quer mas quem reúne as condições para tal, o que se pretende concretamente ao enfatizar esta questão?

 

Esta campanha de recrutamento está a ser feita junto de homens, mulheres e jovens que reúnem condições essenciais para serem membros do Partido. Mas não basta recrutar, consideramos tão importante como o recrutamento a integração desses novos militantes.

Por vezes encontramos pessoas que se inscrevem no Partido mas que depois não são inseridas na organização. E é uma perda para o Partido, pois acaba por haver desmotivação, já que as expectativas criadas não são correspondidas. Ninguém é comunista antes de o ser, mas os novos militantes vêm com muita vontade de participar, de intervir, e em alguns casos regista-se dificuldades para os integrar.

Nas condições que estamos a viver, o recrutamento é um elemento que corresponde àquilo que estamos a sentir. Muitas pessoas até estão na expectativa que nós as contactemos. E nós não devemos ficar à espera, sentados… Temos que nos dirigir às pessoas para que integrem o nosso colectivo partidário.

 

Outra campanha que o PCP tem ainda em curso é a de Um Dia de Salário para o Partido. Que importância têm campanhas destas para o Partido?

 

A ofensiva anticomunista também passa pela tentativa de criar dificuldades financeiras ao nosso Partido, quer através de multas sistemáticas como das dificuldades impostas à realização da Festa do Avante!. A questão de fundo, e que a vida está a confirmar, é a necessidade de não estarmos dependentes das verbas estatais, mas do esforço dos nossos militantes e das nossas organizações.

E isto não é uma questão meramente financeira. É uma questão política, porque tem a ver com a nossa independência. Nós consideramo-nos um partido independente do capital e do Estado e não podemos estar condicionados a essa armadilha que pode constituir, a curto ou médio prazo, a dependência de subvenções de processos eleitorais.

E neste sentido, esta campanha do Dia de Salário, num quadro mais difícil para os trabalhadores, de maiores dificuldades económicas dos nossos militantes e amigos, mais importância política assume. Quando fazemos o apelo à participação nesta campanha, fazemo-lo sabendo que isto custa mais aos nossos militantes. Mas, também aqui, o que está em causa é termos um Partido em condições de responder a todas as circunstâncias que se colocam no presente e se podem vir a colocar num futuro próximo.

 

Com a possibilidade de extinção de freguesias e concelhos, prevista no Documento Verde da Administração Local, e eventual redução do número de deputados, está ameaçada esta importante componente do financiamento do Partido...

 

Sem dúvida, e eles vão pensando nisso também com esse objectivo. Os partidos do capital nunca terão dificuldades financeiras porque estarão sempre protegidos, mas nós, que não temos isso, não podemos viver dessas verbas.

Felizmente que esses exemplo que deste ainda não ocorrem, mas devemos estar preparados para cortes, para pressões maiores em termos das contas do Partido. Não estamos a discutir o deve e o haver, estamos a discutir o papel maior ou menor que o Partido pode ter numa situação de maior ou menor dificuldade financeira.

 

Também na luta ideológica os meios com que nos deparamos são incomparavelmente inferiores aos dos nossos adversários. Que podemos fazer para contornar ou minimizar esta realidade?

 

Em primeiro lugar, não devemos abdicar da pressão para que os comunistas participem em debates e entrevistas e para que as suas iniciativas tenham cobertura por parte da comunicação social. Não nos devemos conformar só porque a comunicação social está na mão do grande capital. Devemos persistir, tendo em conta o que o Partido representa, para termos aí uma participação.

Mas consideramos também que a formação dos militantes é uma questão importantíssima. Temos tomado medidas para reforçar a participação em cursos de formação, alargando-os às organizações regionais.

Uma outra linha é a valorização da nossa imprensa. O Avante!e o Militante. O Avante! informa aquilo que mais nenhum órgão de comunicação revela. Qualquer ideia de que os novos meios informáticos dispensam a leitura do Avante! é profundamente errada. O Avante! é uma referência, um meio de informação, esclarecimento e mobilização para a luta que eu considero indispensável para a nossa acção e para a nossa intervenção.

Mas o combate ideológico também se faz em torno das coisas concretas e dos problemas concretos, como os objectivos do aumento da exploração, das privatizações, da defesa da soberania. Por aqui também passa o nosso combate ideológico.

 

XIX Congresso marcado
para 30 de Novembro e 1 e 2 de Dezembro

Não podemos secundarizar a preparação do Congresso

 

Está marcado para o final do ano o XIX Congresso do PCP. Que desafios se colocarão a este Congresso?

 

O Comité Central vai reunir brevemente para calendarizar e definir os objectivos do Congresso, mas posso adiantar que será um Congresso que, nas suas fases de preparação, discussão e realização, não suspenderá as tarefas e lutas que estão em curso. Ou seja, não fechamos para Congresso mas também não podemos subestimar ou secundarizar a preparação e a discussão congressual e o envolvimento do nosso colectivo partidário.

O Congresso terá que contar com um grande envolvimento do nosso colectivo partidário e tem que ser bem preparado e bem discutido, num momento em que a luta estará muito acesa, na medida em que nesse final de 2012 já muitas das sequelas da aplicação do pacto de agressão serão visíveis com toda a gravidade na nossa realidade política, económica e social.

 

Não podes adiantar nada, mesmo antes de o Comité Central reunir?

 

O Secretário-geral integra o nosso colectivo partidário e a sua direcção. A preparação do Congresso está ainda no início, mesmo em termos de proposta dos organismos executivos, e o poder de decisão cabe ao Comité Central, pelo que o adiantamento de qualquer matéria seria precipitado. Deve ser o Comité Central a decidir e a anunciar.

 

Sim, mas os temas da União Europeia, do euro, por exemplo, não estarão em destaque?

 

Aí nem sequer é preciso especular. Face aos desenvolvimentos da situação, da crise do capitalismo, das consequências da integração na União Europeia e da moeda única, estou em crer que o Comité Central e o nosso colectivo partidário terão isto em conta na sua discussão.

 

E a situação que estamos a viver a nível mundial, vai estar em debate? Podemos estar à beira de um conflito de grandes proporções...

 

Sem dúvida que a ponderação da situação internacional constitui um património do nosso Partido e dos nossos congressos, que vamos manter e até acentuar. Particularmente tendo em conta a crise do capitalismo, que não é conjuntural mas sistémica, e o carácter agressivo do imperialismo, que se move com objectivos belicistas e intervencionistas em várias zonas do mundo – e chamo a atenção para o Médio Oriente, para a Síria e o Irão.

Uma coisa posso garantir sem precipitar nenhuma inconfidência: a situação internacional vai continuar a ser um património ímpar deste Partido Comunista Português, nas suas análises e perspectivas.