Os catrogas
O nome de Eduardo Catroga, doutor e professor, gestor e ex-ministro, já era mais ou menos conhecido do comum das gentes; desde há alguns dias, porém, passou a andar nas bocas do mundo, digamos assim, e portanto nas bocas da televisão e dos seus espectadores. O fenómeno começara algumas semanas antes, quando o doutor Catroga, com uma desenvoltura vocabular provavelmente enraizada nos seus raros méritos, se resolveu a usar perante as câmaras palavra ou palavras mais frequentes na boca das classes baixas ou, pelo menos, na intimidade de conversas privadas. De qualquer modo, a coisa passou e foi digerida pelos que perante ela se haviam surpreendido. Mas o doutor voltou à ribalta da opinião pública, se é que a opinião pública tem ribalta, quando foi escolhido para o lugar de topo da EDP após a transfusão de sangue chinês por ela recebido: Catroga passou então, cumulativamente com os vários títulos que já o adornavam, a ser «chairman», o que obviamente é outra e melhor loiça por várias razões evidentes ou intuíveis e sobretudo por ser lugar remunerado a nível raramente ou nunca antes atingido entre nós para funções idênticas ou equiparáveis, o que mais se nota em tempo de vacas magras, como é de uso dizer-se, embora já se soubesse que as tais vacas não emagrecem igualmente para todos. Para mais espanto, acresce que Catroga já auferia reformas que é escasso caracterizar como interessantes e que, portanto, tudo somado atinge um valor sem dúvida naturalmente invejável, pese embora à circunstância de a inveja ser um pecado mortal, o sétimo do catálogo se a memória não me atraiçoa. Lá dizem as Escrituras: «Não tentarás ao Senhor teu Deus». Arrecadando tantos milhares de euros, o doutor Eduardo Catroga tentou ao Senhor induzindo em pecado muitos dos seus concidadãos, mesmo para lá dos milhares a quem já falta o dinheiro para se alimentarem convenientemente e aos seus familiares. Assim, parece chegado o tempo de rogar para que o senhor professor não seja punido quando, chegado o momento além-tumular, tiver de prestar contas.
Uma inquietante questão
É certo que, como é sabido, mais milhar de euros menos milhar de euros há por aí muitos catrogas, o que aliás justifica que o apelido do senhor professor tenha adquirido outras capacidades gramaticais, tal como sucedeu às palavras «pires» ou «possidónio». Mas o que se vem passando com o Catroga Eduardo não se fica pelo já aqui referido. De facto aconteceu que, confrontado com a celeuma que o consolidado das suas várias remunerações suscitou, o senhor professor respondeu que tanto melhor para o Estado, isto é, para a sociedade portuguesa em geral, presume-se que para a redução do défice, pois quanto mais ele ganhe maior será o imposto que vai pagar. Não parecendo que o senhor professor o tenha dito como laracha, há que admitir que nos toma a todos por parvos. Infelizmente, porém, há ainda uma outra eventualidade a considerar: a de, à força de tanta sabedoria e tanto talento, o senhor professor estar doente ou cansado ou perturbado ou coisa assim, e perante esta hipótese pessimista mas não de todo absurda emerge uma inquietante questão. É que, como é público, o professor Catroga foi figura central e inevitavelmente influente nas negociações havidas há um pouco mais de seis meses com a chamada troika. De onde a dúvida: como estariam então a cabecinha, o bom senso e até a capacidade de expressão verbal do senhor professor? Sabe-se, isso sim, que dessas tais negociações não saiu nada de bom. Também se vai sabendo que o dr. Passos Coelho ambicionou por essa altura entregar a Catroga, tido como seu guru para a Economia e as Finanças, uma destas pastas, risco de que nos salvou talvez a providência celeste ou, quem sabe?, porventura já então o magnetismo que se desprende da condição de «chairman» de uma EDP e das vantagens anexas. Mas, perante o que do senhor professor se vai ouvindo e sabendo, a dúvida persiste: nos idos de Junho de 2011, como estaria ele? É que nessa sua concreta e aliás passageira intervenção é que Eduardo Catroga se distingue dos outros catrogas que de então para cá parece terem crescido em número. Embora sempre os tenha havido neste país que lhes é tão propício. Até um dia, naturalmente.