Um grande negócio para a banca

Fundos de pensões dos bancários na roleta

Eugénio Rosa

Dois exemplos paradigmáticos e recentes que mostram que a mensagem de competência do ministro das Finanças, que os media afectos ao Governo assim como os seus defensores neles têm procurado fazer passar junto da opinião pública, não corresponde à verdade, são os casos do BPN e a transferência dos fundos de pensões da banca que garantem o pagamento de pensões aos reformados da banca.

Activos dos fundos de pensões dos bancários desaparecem na transferência para o Estado, a Segurança Social não recebe nada, e os reformados da banca ficam sem qualquer garantia real do pagamento das suas pensões

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No caso da venda do BPN a Américo Amorim e aos angolanos do BIC, basta lembrar que aquele banco foi vendido por 40 milhões euros, tendo o Estado ficado responsável pela sua recapitalização em cerca de 500 milhões de euros antes da sua entrega, por metade dos seus trabalhadores e com todos os activos tóxicos do BPN avaliados em 3000 milhões de euros. Não resta dúvida que foi um bom negócio para os accionistas do BIC.

Em relação à transferência dos fundos de pensões da banca, e mesmo antes da analisar de uma forma mais profunda este negócio – o que será feito seguidamente – interessa recordar um episódio que revela bem a incompetência técnica do actual ministro das Finanças e a forma fácil como cede em relação aos interesses dos grupos económicos. No negócio dos fundos dos bancários, Vítor Gaspar já tinha aceite que a banca entregasse como activos títulos da dívida pública a preços nominais, que são muitos inferiores aos preços actuais de mercado. Isto permitiria aos bancos comprar no mercado títulos a um preço muito inferior ao preço que ia entregar ao Estado embolsando, desta forma, fácil e rapidamente centenas de milhões de euros de lucros à custa do erário público. E esta negociata só não foi para a frente porque a Direcção Geral da Concorrência da União Europeia se opôs. Mas logo a seguir Vítor Gaspar e os banqueiros engendraram uma solução visando satisfazer os interesses da banca como iremos mostrar.

 

O grande negócio da banca que transferiu
as responsabilidades para o Estado

 

O Governo colocou em discussão pública, através da separata n.º 5 do Boletim do Trabalho e Emprego de 9.12.2011, disponível para todos no sítio http://bte.gep.mtss.gov.pt/, o projecto de decreto-lei que procede à transferência das responsabilidades referentes aos trabalhadores reformados da banca e dos activos que garantem o pagamento dessas responsabilidades.

E contrariamente ao que sucedeu com a transferência dos fundos de pensões da Portugal Telecom e da Marconi, em que, de acordo com o n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei 140-B/2010 que regulou essas transferências, os respectivos activos (numerário e títulos de dívida pública portuguesa) foram transferidos para a CGA e constituído um fundo autónomo para garantir o pagamento das pensões, em relação aos reformados da banca o projecto de decreto-lei deste Governo nada diz sobre o que acontecerá aos respectivos activos (6000 milhões de euros), nomeadamente que entidade do Estado ficará responsável pela gestão e rentabilização desses activos. Está-se perante uma grave omissão e uma falta de transparência que não devia deixar tranquilo nem os reformados da banca, nem os trabalhadores nem os respectivos sindicatos, nem os contribuintes.

Efectivamente, o art.º 1.º do projecto dispõe que o património dos fundos de pensões da banca será transferido para o Estado; e o n.º 1 do art.º 5.º reafirma a transferência dessa titularidade para o Estado, mas nenhuma destas normas específica que entidade do Estado ficará responsável por esses activos. Apenas o n.º 7 do art.º 6.º do projecto estabelece que «as operações de transferência dos activos dos fundos de pensões são coordenadas pelo Instituto de Gestão de Tesouraria e de Crédito Público», no entanto não esclarece se tais activos ficarão ou não na posse deste Instituto, e para que fins poderão ser utilizados. Tudo continua envolvido num denso nevoeiro pouco transparente, o que só pode ser interpretado como a intenção deliberada de se pretender ocultar o que se tenciona fazer com esses activos.

Por outro lado, o n.º 1 do art.º 3.º do projecto dispõe que a responsabilidade pelas pensões a pagamento é assumida pela Segurança Social; e o n.º 4 do mesmo art.º 3.º estabelece que o Estado é responsável pelo financiamento das pensões, devendo transferir para a Segurança Social uma dotação especifica. E o art.º 8.º do projecto de decreto-lei estabelece que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) transfere para as instituições de crédito os montantes correspondentes às pensões devidas (n.º 3); e que o Instituto de Gestão da Tesouraria do Crédito Público (IGTCP) transfere antecipadamente para o IGFSS as importâncias que este terá de

transferir para as instituições de crédito para estas poderem pagar as pensões aos reformados da banca. No entanto, se tal transferência não tiver lugar, quem será responsável pelo seu pagamento, de acordo com o projecto de decreto-lei do Governo, é a Segurança Social, o que criaria gravíssimos problemas a esta, podendo pôr em perigo mesmo o pagamento das pensões dos reformados da banca e de muitos outros reformados, pois esta não recebe quaisquer activos dos fundos de pensões dos bancários. O próprio Memorando de Políticas Económicas e Financeiras revisto em 9 de Dezembro de 2011 refere, no ponto 20, pág. 9, que apenas «o remanescente da transferência dos fundos será colocado numa conta bloqueada até 3.ª revisão» do Memorando. No entanto, mesmo este remanescente, segundo o ponto 4, pág. 4 do Memorando revisto, poderá ser também utilizado para pagar dívidas atrasadas dos Hospitais, da Administração Local e Regional, o que confirma o desaparecimento de uma parte significativa dos fundos de pensões dos reformados da banca que serão utilizados com outros fins que não o pagamento de pensões aos reformados da banca.

Para além disso, continua-se a não se esclarecer, mesmo no caso em que a transferência de fundos do IGTCP ocorra, se é financiada pelos activos dos fundos de pensões transferidos da banca. No projecto de decreto-lei do Governo esses activos «evaporam-se» parecendo não restar nada para garantir o pagamento dessas pensões a não ser impostos cobrados aos contribuintes. E tudo isto ainda se torna mais preocupante face às declarações públicas do próprio 1.º ministro que afirmou que uma parcela (mais de 2000 milhões de euros) dos fundos de pensões dos bancárias seriam utilizados para pagar dívidas à mesma banca. Como se sabe, as dificuldades financeiras crescentes do Estado têm sido utilizadas para retirar direitos aos reformados, o que antes se prometia repetidamente não fazer. A garantia mais importante do pagamento das pensões dos reformados da banca são os activos dos fundos de pensões e a responsabilidade da banca em os reforçar em caso de insuficiência, que desaparece.

Desta forma, desaparece qualquer garantia real, tudo dependendo do respeito por uma lei que poder ser facilmente mudada como a experiência já provou cabalmente.

 

FEBASE não esclareceu destino dos activos

 

No projecto de acordo tripartido entre o governo, banqueiros e os sindicatos bancários da FEBASE - Federação do Sector Financeiro, também nada é esclarecido sobre o destino dos activos que garantem o pagamento das pensões aos reformados da banca, apenas existindo a declaração de que a responsabilidade é assumida pela Segurança Social referente a pensões cujos activos não recebe, e que «a Segurança Social assegura a entrega às instituições de crédito dos montantes das prestações por si devidas». Portanto, a Segurança Social não recebe quaisquer activos que garantam o pagamento das pensões dos reformados da banca, tudo vai depender do Governo respeitar a lei, transferindo antecipadamente para a Segurança Social as quantias necessárias para pagar as pensões, pois os activos que garantiam esse pagamento não se sabe onde estão, e se restará alguma coisa deles. O Acordo tripartido nada esclarece, sendo omisso sobre esta importante questão, parecendo que não constitui preocupação dos signatários pois nem é abordada.

 

Ministro das Finanças não defende
interesse público e submete-se à banca

 

Segundo a alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º do projecto de decreto-lei serão as próprias instituições financeiras que irão «proceder a um apuramento provisório das responsabilidades, reportado a 31 de Dezembro de 2011, e comunicam esse valor ao Ministério das Finanças»; portanto, o Governo abdica na própria lei em defender o interesse público e os interesses dos reformados da banca. E segundo a alínea b) do mesmo artigo será uma «entidade independente» (?) que irá «determinar o valor definitivo». E só se existir uma diferença superior a 0,5% entre o valor calculado pela banca e o valor determinado por esta dita entidade independente é que o valor final será fixado, segundo o n.º 3 do art.º 6.º do projecto de decreto-lei, por outra «entidade independente» escolhida por acordo entre o Ministério das Finanças e banca. Em resumo, o ministro das Finanças abdica totalmente da defesa do interesse público, entregando essa responsabilidade à própria banca (parte interessada) e a duas entidades ditas independentes. Os principais interessados, que são os reformados da banca, são totalmente marginalizados perante o silêncio comprometedor dos sindicatos da FEBASE.

Mas a incompetência deste Governo e deste ministro das Finanças na defesa do interesse público não fica por aqui. Também são fixados pressupostos no próprio projecto de decreto lei para o cálculo das responsabilidades da banca altamente favoráveis a esta. E esses pressupostos são a Tábua de mortalidade para os homens, que constituem a esmagadora maioria dos reformados da banca, TV 73/77-1, e uma taxa de desconto de 4%. A tábua de mortalidade 73/77-1 dá uma esperança de vida aos 65, para homens e mulheres, de 18,19, rondando a do homens apenas cerca de 16,4 anos; portanto, se os trabalhadores bancários reformados viverem em média mais de 16,4 anos depois de 65 anos, as responsabilidades que daí resultarão não serão consideradas na determinação do valor dos activos. Para além disso, o Governo aceitou que a taxa de desconto considerada no cálculo das responsabilidades seja de 4%, que é um valor muito elevado tendo em conta a rentabilidade média obtida actualmente por aplicações financeiras. Na Alemanha, a taxa normalmente considerada é apenas 2,5% que, se fosse adoptada em Portugal, obrigaria os banqueiros a entregar activos num valor muito superior aos 6000 milhões de euros que têm sido referidos. Em 2010, de acordo com os Relatórios e Contas dos bancos, a rentabilidade dos activos dos fundos de pensões do BES foi de 2,17%, e da CGD foi 1,93%. E se o «Pacto orçamental» imposto pela Alemanha e aceite submissamente pelo Governo de Passos Coelho vingar, a recessão económica será mais profunda e prolongada e certamente a rentabilidade dos activos será certamente inferior a 4%, e os activos transferidos não serão suficientes para pagar a totalidades das pensões dos reformados da banca enquanto viverem.

 

Governo resolve problemas da banca
à custa dos activos dos fundos
de pensões dos bancários

 

Um outro aspecto que não está devidamente salvaguardo no projecto de decreto-lei do Governo, e que poderá pôr também em perigo o pagamento futuro das pensões dos reformados da banca, é a composição e natureza dos activos transferidos que, apesar de serem insuficientes devido ao deficiente cálculo das responsabilidades pelas razões referidas anteriormente, mesmo insuficientes poderão estar associados a riscos elevados. E isto porque o projecto de lei deste Governo dispõe no n.º 4 do art.º 6.º que eles «podem ser constituídos por numerários e títulos da dívida pública», portanto não obrigando que o sejam. Para se poder ver a diferença, recorde-se que o n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei 140-B/2010, que regulou a transferência dos fundos de pensões da Portugal Telecom e da Marconi, dispunha textualmente o seguinte: «Como compensação pela transmissão de responsabilidades, são transferidos para a CGA, em numerário ou em títulos de dívida pública portuguesa». A indefinição do projecto de decreto-lei do Governo de Passos Coelho não é casual, e tem certamente propósitos que o Governo e a banca têm procurado ocultar à opinião publica. Passos Coelho já afirmou publicamente que é intenção do seu Governo utilizar uma parte dos activos dos fundos de pensões dos bancários para pagar dívidas à banca. E parece que o esquema engendrado pelo Ministério das Finanças e pelos banqueiros é o seguinte: o Governo emite dívida pública com a qual paga dívidas à banca, e a banca pega nesta mesma dívida e entrega-a ao Estado como activos dos fundos de pensões dos bancários.

Seria bom que esta operação, em que foram totalmente marginalizados os principais interessados (os reformados da banca), fosse cabalmente esclarecida pelo Governo, confirmando-a ou não e, em caso negativo, qual o esquema utilizado, bem como as suas consequências e riscos, nomeadamente a que preços é feita. E isto porque o próprio projecto de decreto-lei do Governo estabelece que os títulos da dívida pública portuguesa são «valorizados pelo respectivo valor de mercado» (n.º 4 do art.º 6.º). Será aquela «solução criativa» uma forma de fugir a esta disposição e também à decisão da Direcção Geral da Concorrência da UE e satisfazer as exigências dos banqueiros? É outra questão que o Governo deve esclarecer.

 

Pagamento de dívidas à banca com
o fundo de pensões não aumenta
financiamento à economia e das famílias

 

Uma das razões apresentadas por Passos Coelho para utilizar os activos dos fundos de pensões dos bancários para pagar dívidas à banca é que isso iria aumentar a capacidade desta para financiar a economia. Também isto não é verdade. O que vai permitir é que a banca reduza o seu «rácio de transformação» (Créditos a dividir pelos Depósitos), ou seja, «desalavancar», que é uma das imposições da troika. Contrariamente ao que afirmou irresponsavelmente o funcionário do FMI, Paul Thomsen, em declarações feitas a órgãos de informação, um dos problemas mais graves que enfrentam actualmente as empresas em Portugal, consequência da má gestão da banca a operar em Portugal e da política imposta pela troika, é a falta de financiamento da economia. A própria AIP fala em perigo de implosão nas empresas, incluindo as que exportam, por falta financiamento (Diário de Notícias, 19.12.2011). O Governo, ao entregar sem condições uma parte dos fundos pensões à banca, está a permitir que esta resolva os seus problemas e não o grave problemas de financiamento da economia. E é isso certamente o que vai acontecer.

Para finalizar, interessa referir a concessão de uma outra benesse à banca constante do projecto de decreto-lei do Governo. Assim, o art.º 9.º do projecto de decreto-lei permite à banca deduzir nos lucros futuros, reduzindo assim ainda mais os impostos que terá de pagar, durante um período superior a 15 anos, «os gastos e variações patrimoniais negativas registadas em consequência da transferência de responsabilidades com pensões do sector bancário para a Segurança Social», o que poderá atingir 4000 milhões de euros, devido ao elevado subfinanciamento em que se encontravam os fundos de pensões da banca o que, a confirmar-se, significará que a banca pague a menos mais de 1000 milhões de euros de IRC e derrama.

Não resta dúvida de que este «negócio» foi altamente vantajoso para a banca que, desta forma, ficou sem quaisquer responsabilidades pelo pagamento de pensões a quase 30 000 reformados da banca, com excepção da actualização das pensões no futuro, cujo pagamento das diferenças continuará a ser da responsabilidade dos bancos.



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