A crise capitalista e a luta por uma alternativa
Na semana em que a Comissão Europeia reconheceu, nas suas previsões de Outono, a iminência de uma recessão generalizada na União Europeia, o PCP realizou um debate, dia 11, no Porto, no âmbito do grupo que integra no Parlamento Europeu, Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL), sobre a Crise na União Europeia e em Portugal e a luta por uma alternativa. Para além de Ângelo Alves, Jaime Toga e João Frazão (membros da Comissão Política do PCP), participaram os deputados ao Parlamento Europeu: Ilda Figueiredo e João Ferreira (PCP), Sabine Losing (Die Linke – Alemanha), Vangelis Katsiavas (Partido Comunista da Grécia), Jacky Hénin (Partido Comunista Francês) e Charalambos Polycarpou (AKEL – Chipre). Na sala, representantes de sindicatos e organizações representativas dos trabalhadores assistiram às várias intervenções que traçaram o diagnóstico da situação política e económica actual na UE, descrevendo as evidentes e profundas contradições do processo de integração capitalista europeia, e a forma como a Europa e o mundo, a braços com uma crise económica e social de dimensão histórica, estão a conduzir uma violenta ofensiva contra os direitos sociais e laborais e a soberania dos povos.
«Estamos a viver numa autêntica panela de pressão, onde é difícil prever, com um certo grau de precisão, o que irá acontecer a curto ou a médio prazo», afirmou Ilda Figueiredo a propósito da situação actual na União Europeia, onde as «contradições tenderão a agravar-se com o aprofundamento da crise e o alastrar das tensões sociais».
Reflectindo sobre as causas dos problemas com que o nosso País está confrontado, a deputada do PCP no Parlamento Europeu remontou ao início do processo contra-revolucionário, quando se inverteu o caminho de progresso e desenvolvimento aberto pelas transformações políticas, económicas e sociais operadas na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974.
Com o alcance da liberdade e da democracia, a nossa economia frágil, referiu a deputada, começou «a ser alterada com base nas conquistas da revolução de Abril, com as nacionalizações de sectores estratégicos e básicos, as mudanças na distribuição da terra que tinham possibilitado uma maior produção agrícola, mais emprego e maior desenvolvimento rural, com os direitos sociais e laborais, incluindo o SNS, a Educação pública, a Segurança Social universal e pública, o poder local democrático, os direitos dos trabalhadores e a participação das populações».
Desfeitas as ilusões criadas pela ideologia dominante, de que «a adesão de Portugal à CEE, depois ao euro (…) significaria obter um nível de vida idêntico ao dos países mais desenvolvidos», os trabalhadores sofrem na pele os efeitos de uma crise sem precedentes. «Claro que Portugal não deveria ter entrado para a zona euro» mas agora, considerou Ilda Figueiredo, «o problema não se resolve com a mera saída do euro. A ruptura e a mudança têm de ser muito mais profundas, para apostar no aumento da produção, no controlo público dos sectores estratégicos, na defesa e promoção dos serviços públicos, na criação de emprego estável, numa repartição e partilha justas dos rendimentos e no progresso social».
Ruína económica
Há muito que se fazem sentir na economia nacional as devastadoras consequências das políticas europeias, as quais, aliás, foram previstas pelo PCP antes da adesão à CEE. Na agricultura, como lembrou João Frazão, membro da Comissão Política do PCP, o cenário é desolador: «Entre 1989 e 2006 desapareceram 250 mil explorações. Estamos a falar de 30 explorações por dia!». Assim se explica que «mais de 70 por cento do que os portugueses comem seja comprado no estrangeiro».
Mas muitas outras áreas de actividade económica têm sido atingidas pelas políticas comunitárias. Por exemplo, nas pescas, como salientou Valdemar Madureira, membro da Direcção da Organização Regional do Porto do PCP, «Portugal, não obstante possuir a maior zona económica exclusiva da Europa, importa mais de 60 por cento do peixe que consome. Não é de estranhar que tal aconteça, tal foi o fartar de incentivos ao abate de embarcações. Hoje, importamos peixe mas exportamos pescadores.»
Na indústria, Carlos Almeida, membro da Direcção da Organização Regional de Braga do PCP, recordou o passado do distrito de Braga como «importante pólo industrial no país, assentando a sua produção, no essencial, nas indústrias têxteis, vestuário, calçado, componentes eléctricos, construção e metalúrgica. Hoje, depois de anos sucessivos de políticas ruinosas, resta muito pouco deste importante tecido industrial, e nas empresas que ficaram os níveis de produção foram reduzidos substancialmente, desencadeando processos de despedimento colectivo sucessivos».
Entretanto, a par do processo de restauração monopolista, foi sendo «alterada para pior a legislação laboral, foi-se alargando a precarização dos vínculos laborais, inicialmente para os mais jovens, mas rapidamente a foram alargando a todos os trabalhadores», assinalou João Torres, membro do Executivo da CGTP-IN. «Hoje», acrescentou, «o patronato sente as costas seguras e recusa-se a negociar com os sindicatos. (…) Os trabalhadores portugueses não têm por onde escolher. Só a luta organizada travará e inverterá este rumo suicida para o qual nos estão a empurrar».
Democracia em perigo
Para além das catastróficas consequências económicas e sociais, como assinalou João Ferreira, deputado do PCP no Parlamento Europeu, a actual crise do capitalismo comporta «perigos evidentes para a democracia». E recordou o recente «acto de ingerência directa, sem precedentes», protagonizado pela Alemanha e França, que levou «à desconvocação do referendo anunciado pelo primeiro-ministro Papandreou e influenciam (poderemos mesmo dizer, sem exagero, determinam) a composição de um futuro governo. Na Itália é Berlusconi quem também se prepara para sair de cena, segundo vai titulando a comunicação social, afastado pelos mercados.»
O deputado chamou ainda a atenção para «o notável grau de coincidência entre as propostas do grande patronato europeu, emanadas a partir das suas organizações representativas, e as orientações políticas das instituições e dos governos da UE. As primeiras, quase sempre precedendo as segundas. Atente-se, por exemplo, nas orientações-chave da BusinessEurope sobre o mercado de trabalho para aí encontrarmos muito do que consta da chamada Estratégia UE 2020 ou do Pacto para o Euro Mais. Entre muitos outros exemplos, é o caso da desarticulação da contratação colectiva e dos sistemas de segurança social.»
Recusando o discurso das «inevitabilidades», Jaime Toga, membro da Comissão Política do PCP, reafirmou que a alternativa existe. Para a concretizar é preciso «desenvolver e fortalecer um amplo movimento unitário, envolvendo personalidades de diversos sectores, agregando a convergência e dinamizando a acção geral e específica para a rejeição do pacto de agressão, por uma política patriótica e de esquerda para um Portugal com futuro.» Este é «um passo indispensável na construção da democracia avançada e do socialismo.»
Menos salários, mais impostos, piores serviços
Numa altura em que a propaganda do Governo insiste nos «sacrifícios todos», o economista Pedro Carvalho demonstrou, no debate no Porto, que a carga fiscal recai cada vez mais sobre o trabalho.
Os trabalhadores e pensionistas «financiam directa ou indirectamente quase quatro quintos do Orçamento do Estado», enquanto o contributo dos rendimentos sobre os capitais é cada vez menor. «O peso do IRC, que recai sobretudo sobre as empresas, representava só 15 por cento da receita fiscal total em 2011 e representará 14 por cento em 2012.»
A injustiça da política fiscal é acentuada pelo peso cada vez maior dos impostos indirectos no total da receita fiscal (57% em 2011), nomeadamente o dos impostos sobre o consumo, como o IVA que em 2011 representava já 38 por cento do total da receita fiscal e em 2012 representará 42 por cento.
Exemplo particularmente elucidativo é «a redução drástica dos bens e serviços abrangidos pela taxa reduzida e pela taxa intermédia do IVA, com o objectivo de arrecadar mais de 2 mil milhões de euros de receitas fiscais, ou seja, cinco vezes mais do que o previsto no programa da troika, representando 71 por cento do esforço da parte da receita para a redução do défice público».
Em simultâneo, notou Pedro Carvalho, «a proposta de Orçamento avança com medidas para uma redução de cerca de 10,4 mil milhões de euros no défice público, dos quais 44 por cento (quase 4,6 mil milhões de euros) à conta de reduções nos salários dos trabalhadores do sector público e nas pensões. Mas o esforço pedido ao capital é de apenas dois por cento (190 milhões de euros), podendo atingir um máximo de cinco por cento (…) A escolha do Governo e do PS que viabiliza este orçamento é clara.»
Noutro plano, prossegue o economista, «a proposta de Orçamento do Estado para 2012, para além de prever um aumento da receita fiscal de 7,6 por cento face à registada em 2010, prevê também uma redução de quase 20 por cento nas despesas com o pessoal, de quase seis por cento nas prestação sociais, de 42 por cento no investimento público e de 55 por cento nas restantes despesas de capital.
E lembrando que «o volume global de investimento em Portugal em 2012 estará ao nível de 1991/1993, um recuo de duas décadas», Pedro Carvalho frisou que o próximo orçamento representa «mais impostos, menos bens e serviços públicos, pior política fiscal».
O desmantelamento da educação
A Educação e Ensino é um dos sectores mais flagelados pelas políticas orçamentais de vários governos. Segundo afirmou Rogério Reis, membro do Comité Central do PCP, «no subsistema de ensino público básico e secundário, só nos últimos anos foram, por razões puramente economicistas, abatidas 3801 escolas. De um universo de 180 mil professores dos ensinos Básico e Secundário, foram eliminados 30 mil postos de trabalho, sendo só este ano 12 500 os professores que ficaram sem trabalho, e sendo previsível que para o próximo ano esse valor seja acrescido de mais 20 mil».
«Mas, nesta década, assistiu-se para além disso ao congelamento dos montantes de financiamento do Ensino Superior público, durante os primeiros anos, e a reduções da ordem do 12 por cento anuais desde 2005.
«Nos últimos cinco anos, os cortes de financiamento às universidades somados aos cortes de salários dos seu docentes e à diminuição generalizada dos seus quadros, corresponde a um corte absoluto de financiamento inscrito no Orçamento do Estado de cerca de 50 por cento.
«A concretizar-se este Orçamento do Estado para 2012, os cortes para a educação serão da ordem dos 1500 milhões de euros, baixando o investimento na educação de 4,7 por cento para 3,8 por cento do nosso magríssimo PIB, ou seja a mais baixa fatia do PIB atribuída à educação dos 27 países da União Europeia.»
A natureza do sistema
Jacky Hénin, deputado do Partido Comunista Francês no Parlamento Europeu um dos quatro convidados estrangeiros presentes no debate, abordou a natureza predatória e as insanáveis contradições do modo de produção capitalista, através de um facto particularmente significativo: «Em 1980, eram precisas 18 500 pessoas na indústria para criar o valor de mil milhões de euros de riqueza. Hoje, são suficientes 3900 trabalhadores para produzir estes mesmos mil milhões de euros de riqueza. É uma relação de um para 4,74 [ou seja, quase cinco vezes menos trabalhadores produzem a mesma riqueza]. A produtividade do trabalho na indústria aumentou duas vezes mais rapidamente do que o nível dos salários e do Produto Interno Bruto».
«Os trabalhadores», sublinhou Hénin, «apenas receberam uma parte ínfima da riqueza produzida por este gigantesco esforço de produtividade. No entanto, tiveram de suportar uma acentuada intensificação do trabalho e a degradação da sua protecção social e contratual».
Para além disso, notou ainda, «o essencial dos ganhos de produtividade foram desperdiçados em actividades financeiras, em exportações massivas de capital, no financiamento das «deslocalizações». Assim, concluiu, não são os mercados financeiros que financiam a indústria e a economia real, mas a indústria e a economia real que são vampirizadas pela finança».
A razão desta aparente irracionalidade reside na natureza do próprio sistema, na contradição fundamental entre o carácter social da produção e do trabalho e a apropriação privada dos seus resultados, como apontou Vangelis Katsiavas, do Partido Comunista da Grécia (KKE), para quem as expressões «crise do sistema financeiro», «crise do capitalismo de casino», «crise da dívida», etc., não passam de eufemismos. «Esta é uma crise do modo de produção capitalista, uma crise de sobreprodução e de sobre-acumulação de capitais que não encontram uma forma lucrativa de investimento nos mercados».
Numa tal situação, para o capitalismo a «única via de saída da crise é a destruição de uma parte dos capitais sobre-acumulados». E tal como em crises anteriores, são os trabalhadores e as camadas mais desfavorecidas da população que pagam a factura mais pesada, sofrendo o desemprego em massa, a redução de salários e direitos laborais e sociais. Daí que, salientou o deputado grego, «uma saída da crise a favor do povo não pode existir nas condições de dominação por parte dos monopólios».
Por isso, o KKE propõe ao povo grego claramente «a desvinculação da UE, mediante a conquista do poder pelo povo, que cancelará toda a dívida, socializará os meios de produção e, através do planeamento central e do controlo operário e popular, colocará a riqueza produzida ao serviço das necessidades do povo, ao serviço daqueles que a produzem e não dos capitalistas que a roubam. O dilema é ou o povo ou os monopólios. Não há uma terceira via».