Karl Marx e Friedrich Engels a A A. Bebel, W. Liebknecht, W. Bracke e outros

 («Carta circular») (Extracto I)

O manifesto dos três de Zurique

(…) Em suma, a classe operária é incapaz, por si própria, de se libertar. Para isso tem que se colocar sob a direcção de burgueses «cultos e possidentes» que, só eles, têm «oportunidade e tempo» para se familiarizarem com o que aproveita aos operários. E, em segundo lugar, guardemo-nos de combater a burguesia, mas [tratemos] de a ganhar — através de enérgica propaganda.

Se, porém, se quer ganhar as camadas superiores da sociedade ou simplesmente os seus elementos bem intencionados, devemos guardar-nos de os assustar. E, então, os três de Zurique crêem ter feito uma descoberta tranquilizadora:

«Precisamente agora, sob a pressão da lei dos socialistas (6), o Partido mostra que não está inclinado a seguir o caminho da revolução sangrenta, violenta, mas que está decidido... a tomar o caminho da legalidade, isto é, da reforma.»

Portanto, se os 500 000/600 000 eleitores sociais-democratas — 1/10 a 1/8 do eleitorado todo e, além disso, espalhados por todo o país — são suficientemente sensatos para não darem com a cabeça nas paredes e tentarem uma «revolução sangrenta» de um contra dez, isso prova que eles renunciam também para todo o futuro a tirar proveito de um poderoso evento externo, de uma efervescência revolucionária súbita por ele suscitada, mesmo de uma vitória do povo alcançada numa colisão por ele gerada! Se Berlim devesse voltar a ser tão inculta para fazer um 18 de Março (7), os sociais-democratas, em vez de participarem na luta como «maltrapilhos [Lumpe] sedentos de barricadas» (p. 88), teriam antes de «tomar o caminho da legalidade», contemporizar, retirar as barricadas e, se necessário, marchar com o majestoso exército contra as massas unilaterais, grosseiras, incultas. Ou, se os senhores afirmam que não era isto o que queriam dizer, então o que é que queriam dizer?

Ainda há melhor.

«Portanto, quanto mais calmo, objectivo [sachlich], reflectido ele» (o Partido) «for na sua crítica das condições existentes e nas suas propostas para a melhoria [Abänderung], tanto menos poderá ser repetido o actual lance conseguido» (com a introdução da lei dos socialistas) «com o qual a reacção consciente intimidou a burguesia com o temor do espectro vermelho.» (P. 88.)

Para tirar à burguesia o último vestígio de medo, deve ser-lhe provado clara e concludentemente que o espectro vermelho realmente é apenas um espectro, [que] não existe. Qual é, porém, o segredo do espectro vermelho, se não o medo da burguesia ante a infalível luta de vida ou de morte entre ela e o proletariado? O medo ante o inevitável desenlace da luta de classes moderna? Abula-se a luta de classes, e a burguesia e «todos os homens independentes» irão «sem temer de braço dado com os proletários»! E então, quem seria intrujado, seriam precisamente os proletários.

Queira, portanto, o Partido demonstrar, por maneiras humildes e melancólicas, que abandonou de uma vez por todas as «enormidades e excessos» que deram azo à lei dos socialistas. Se ele prometer de livre vontade que se quer mover apenas dentro dos limites da lei dos socialistas, Bismarck e os burgueses certamente terão a bondade de suprimir esta lei, então, supérflua!

«Entenda-se-nos bem» nós não queremos «um abandono do nosso Partido e do nosso programa, queremos, porém, dizer que, durante anos, teremos suficientemente que fazer se dirigirmos toda a nossa força, toda a nossa energia, para alcançar certos objectivos que estão próximos, que, em quaisquer circunstâncias, terão de ser alcançados antes que se possa pensar numa realização das aspirações que vão mais longe.»

Então, os burgueses, pequenos burgueses e operários que «agora estão assustados... pelas aspirações que vão mais longe» juntar-se-nos-ão também em massa.

O programa não deve ser abandonado, mas apenas adiado — por tempo indeterminado. Uma pessoa aceita-o, mas não é propriamente para si próprio e para o tempo da sua vida, é postumamente, como herança para os filhos e os filhos dos filhos. Entretanto, uma pessoa volta «toda» a sua «força e energia» para toda a espécie de pequena tralha e de circunremendagens da ordem capitalista da sociedade, para que pareça que, contudo, acontece alguma coisa e, simultaneamente, a burguesia não fique assustada. Elogio aqui o comunista Miquel (8), que prova a sua inabalável convicção do inevitável derrube da sociedade capitalista dentro de alguns centos de anos, vigarizando a torto e a direito, dando o seu contributo para o craque de 1873, e fazendo com isto realmente algo pelo desmoronamento da ordem existente.

Uma outra ofensa contra o bom tom foram também os «ataques exagerados contra os Gründer (9)», que afinal eram «só filhos do tempo»; «teria, portanto, sido melhor abandonar... as invectivas contra Strousberg (10) e gente semelhante». Infelizmente, todos esses homens são «apenas filhos do tempo», e se esta é uma razão suficiente de desculpa, então não se deve atacar mais ninguém: toda a polémica, toda a luta, da nossa parte, cessa; levamos tranquilamente todos os pontapés dos nossos adversários, porque nós, os sábios, sabemos bem que eles são «apenas filhos do tempo» e não podem agir de maneira diferente daquela que agem. Em vez de lhes retribuir os pontapés com juros, devemos antes lamentar estes pobres.

De igual modo, a tomada de partido sempre a favor da Comuna, teve a desvantagem

«de afastar de nós gente outrora inclinada [para nós] e de engrossar, em geral, o ódio da burguesia contra nós». E, além disso, o Partido «não está totalmente isento de culpa na efectivação da lei de Outubro (11) pois aumentou o ódio da burguesia de uma maneira desnecessária».

 

(Continua num próximo número)

 

(6) Trata-se da lei de excepção contra os socialistas, promulgada na Alemanha em 21 de Outubro de 1878. Em virtude desta lei foram proibidas todas as organizações do Partido Social-Democrata, as organizações operárias de massas, a imprensa operária, foi confiscada a literatura socialista e perseguidos os sociais-democratas. Por pressão do movimento operário de massas, a lei foi abolida a 1 de Outubro de 1890.

(7) Trata-se dos combatente de barricadas em Berlim a 18 de Março, que marcaram o início da revolução de 1848-1849 na Alemanha.

(8) Johannnes Miquel, político e financeiro que, antes de se tornar nacional-liberal, foi, nos anos 40, membro da Liga dos Comunistas.

(9) A crise de 1873 acabou, na Alemanha, com o período dos chamados Gründerjahre [anos dos Gründer]. Os Gründer — literalmente: fundadores — eram empresários, organizadores ou promotores de companhias e sociedades que, depois da guerra franco-prussiana de 1870-1871, enriqueceram rapidamente, graças às contribuições extorquidas à França e a uma especulação desenfreada.

(10) Bethel Strousberg, empresário dos caminhos-de-ferro que faliu em 1873.

(11) Ver nota (6).

___________

Selecção: Francisco Melo

Tradução: José Barata-Moura



Mais artigos de: Argumentos

«Lavagens» (I)

O JN proclamava em recente 1.ª página – E lá dentro explicava, ao longo de duas páginas. Ao que parece, o «banqueiro Rendeiro» e a interposta bateria de advogados liderada por José Miguel Júdice, esse advogado fatal, estão a desenvolver uma defesa...

A infecção

Como habitualmente, ia eu calcorreando as ruas da (minha/nossa) amargura, isto é, ia fazendo zapping por esses muitos canais afora, quando de súbito deparei com uma entrevista que me acendeu as expectativas e me restituiu o ânimo. Eram um entrevistador e uma entrevistada, ambas pessoas por quem tenho...

Um «Programa de Emergência Social»

«A Igreja, embora tenha de recorrer a meios temporais, renuncia a privilégios e até está pronta a renunciar a direitos adquiridos, em nome da pureza do seu testemunho; mas não renuncia ao dever de afirmar com liberdade a sua doutrina sobre a sociedade e o Estado, na medida em que o exija...