Perpetua-se o modelo económico de trabalho intensivo
No Memorando de entendimento do FMI/BCE/CE, assinado pelo governo de Sócrates, pelo PSD e CDS, o crescimento das exportações portuguesas é apresentado como o meio mais importante, para não dizer único, que impedirá uma recessão económica ainda maior da que já é prevista oficialmente para o período 2011-2012 (entre - 2 e - 3 por cento em 2011; e entre -1 e - 2 por cento em 2012), e também o que permitirá a recuperação lenta da economia portuguesa a partir do inicio de 2013, como os defensores daquele Memorando repetem continuamente, esperando que esta repetição leve os portugueses a acreditar.
E isto quando num mesmo ano alteram várias vezes as previsões e sempre para pior. Uma mera análise põe em causa a sustentabilidade dessa «solução». Em primeiro lugar porque as empresas exportadoras representam uma percentagem muito pequena do total de empresas portuguesas. Em Portugal, segundo o INE, existem cerca de um milhão de empresas, e menos de 0,5 por cento é que exportam. As restantes, que são mais de 99,5 por cento, vivem apenas do mercado interno. A redução do poder de compra dos trabalhadores e pensionistas, determinada pelo congelamento dos salários, das pensões e das prestações sociais, pelo aumento dos impostos e dos preços, associado a uma diminuição significativa do investimento e da despesa pública, que resultará se as medidas contidas no Memorando forem aplicadas, determinará certamente uma forte contracção da procura interna, e muitas das empresas que vivem do mercado interno irão falir, lançando no desemprego milhares de trabalhadores.
Em segundo lugar, porque a variação do perfil de intensidade tecnológica das exportações portuguesas tem diminuído, revelando que um crescimento sustentado das exportações será cada vez mais difícil, e também mais difícil a possibilidade de ganharem quota de mercado (em 2010, Portugal perdeu quota de mercado). O gráfico I, retirado do Relatório de execução do Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE) de 2010 (pág. 84) mostra isso.
O peso das exportações de produtos industriais portugueses de Alta e de Média-Alta intensidade tecnológica (1.º e 2.º níveis do gráfico I a contar de baixo) representava, em 2006, 42,6 por cento das exportações de produtos industriais e, em 2010, apenas 38,4 por cento das exportações.
Em contrapartida, o peso das exportações de produtos industriais de Média-Baixa e de Baixa intensidade tecnológica (3.º e 4.º níveis) aumentou, entre 2006 e 2010, de 57,4 por cento para 61,6 por cento das exportações de produtos industriais. E as exportações de produtos industriais de Alta intensidade tecnológica (1.º nível) registaram, no período 2006-2010, uma diminuição contínua. Em 2006, representavam 11,5 por cento das exportações de produtos industriais; em 2007, 11,2 por cento; em 2008, 10,5 por cento; em 2009, 8,1 por cento; e, em 2010, apenas 7,8 por cento das exportações de produtos industriais portuguesas. Esta evolução negativa do perfil de intensidade tecnológica das exportações portuguesas é também confirmada pelo próprio Relatório do Banco de Portugal de 2010.
Situação vai piorar
No período 2007-2010, as exportações portuguesas de Alta e Média-alta intensidade tecnológica tiveram uma variação negativa respectivamente, de – 8 por cento e de – 8,4 por cento, enquanto as exportações de bens de Média-baixa intensidade tecnológica aumentaram 14,1 por cento, e as de Baixa intensidade tecnológica cresceram em 8,9 por cento. Desta forma, perpetua-se em Portugal um modelo económico baseado em produções de Média-baixa e de Baixa intensidade tecnológica, ou seja, de trabalho intensivo. E a pergunta que naturalmente se coloca é a seguinte: Como é que as exportações poderão ser o motor da recuperação da economia portuguesa quando se verifica que os produtos de Alta e Média-alta intensidade tecnológica têm cada vez menor peso nas exportações portuguesas, sendo substituídas por produtos de Média-baixa e de Baixa intensidade tecnológica onde a concorrência é maior?
E a situação vai piorar com a quebra no investimento (- 5,6 por cento em 2011;e – 1,3 por cento em 2012) e com as medidas do Memorando visando aumentar a competitividade das empresas à custa da manutenção de baixos salários. Mesmo uma parte dos fundos comunitários não está a ser utilizada atempadamente para aumentar a competitividade das empresas. O programa comunitário que tem como objectivo melhorar o perfil de especialização das empresas portuguesas é o COMPETE. Segundo a programação aprovada pela Comissão Europeia, no período 2007-2010, Portugal podia ter utilizado 1,720 milhões de euros, mas utilizou, segundo o Boletim Informativo nº 10 do QREN, apenas 689 milhões de euros, ou seja, 40,1 por cento, ficando por utilizar 1031,5 milhões de euros. O Gráfico II, do Relatório de execução de 2010 do COMPETE confirma a baixa execução em cada eixo do POFC ao fim de 4 anos (2007-2010).
Investe-se pouco na modernização das empresas portuguesas, e mesmo os fundos comunitários que podiam ser utilizados com esse fim, cerca de 60 por cento não foram aplicados no período 2007-2010, quando o podiam ter sido.