Quem tramou José Sócrates?

Correia da Fonseca

Urnas encerradas, contagens quase completas, os sábios comentários do costume intercalados por ligações ao exterior quando consideradas necessárias, era assim a noite televisiva de domingo passado nas três estações lusas de televisão. Em dada altura, já José Sócrates fizera a sua declaração a assumir a derrota, seria a vez de os telespectadores poderem ver e escutar Jerónimo de Sousa a falar no CT Vitória, onde a RTP tinha uma equipa de reportagem. Mas ocorreu então uma dupla circunstância curiosa: a RTP, aparentemente sem pressas para fazer a ligação, falhou as primeiras frases do Secretário-geral do PCP e, poucos minutos mais tarde, porventura desgostosa do que ouvia, impediu os telespectadores de acederem ao final da declaração de Jerónimo. E perguntar-se-á para onde foi ela, a RTP, com tanta pressa. A resposta é que voltou simplesmente ao estúdio onde um analista de resultados eleitorais, Magalhães de seu apelido, parecia maravilhar José Rodrigues dos Santos com as suas sabedorias um poucochinho indetectáveis mas decerto efectivas e presentes. Por sinal, a propósito ou não do apelido do seu convidado, a Rodrigues dos Santos, que como se sabe é engraçadíssimo, deu para fazer uma alusão aos famosos computadores Magalhães que no seu tempo, digamos assim, foram tema de objecções de vária ordem. Quanto aos computadores, suponho que vendidos para vários lugares do mundo incluindo a Venezuela de Chavez, não tenho opinião nem tenho que tê-la, mas a gracinha do jornalista naquela circunstância e a poucos minutos da confessada derrota de Sócrates fez com que me lembrasse do velho La Fontaine e da fábula do leão moribundo. Não porque Sócrates alguma vez me tenha lembrado um leão, mas sim por causa do jumento que, segundo a fábula, intentou escoiceá-lo quando a morte o rondava de muito perto.

 

Pedro, o cru

 

O que não é estória nenhuma é que o PSD de Pedro Passos Coelho, e certamente de alguns mais, ganhou as eleições do dia 5 com uma vantagem que, embora não lhe permitindo governar sozinho, lhe garante maioria parlamentar absoluta sob condição de se casar com o CDS-PP. Não será um enlace fácil para Passos Coelho: o seu putativo aliado Paulo Portas é um homem de grande e pluridisciplinar experiência, inteligente, ambicioso, gestor eficaz dos interesses do seu partido e de si próprio, enquanto Coelho surge ainda sem experiência destas coisas da governação. Está cru, como é costume dizer-se. Daqui resulta para Passos Coelho o risco de, sendo ele embora o senhor primeiro-ministro com todas as vantagens decorativas que dessa condição resultam, ser Paulo Portas quem verdadeiramente imponha decisões eventualmente importantes. Contudo, isto é a gente falar do futuro mais ou menos imediato, mas outra coisa também não absurda é olharmos um pouco para o passado recentíssimo e perguntarmo-nos por que razões se estatelaram tão fragorosamente José Sócrates e o PS. A mais pronta resposta da gente de esquerda é a de que foi a política de direita, de obediência aos interesses dos poderosos muito mal compensada por enganosos acenos aos mais frágeis, que ditou o seu destino. Porém, olhando bem, repararemos que se fosse apenas isso a maré eleitoral teria subido sobretudo à esquerda do PS e não à sua direita. Ora, uma observação porventura superficial dos resultados que a TV divulgou no final da noite eleitoral sugere como que uma transferência directa de cerca de meio milhão de votos do PS de Sócrates para o PSD de Passos entre 2009 e 2011. Serão todos votos de cidadãos ricos ou que ricos se julguem, por isso satisfeitos com a política de direita? Não parece crível. Para um obscuro observador da televisão portuguesa e da actividade alegadamente informativa de outros meios de comunicação social, o segredo da mutação residirá antes na permanente campanha de descrédito pessoal desencadeada contra Sócrates sem que provas viessem um dia confirmar as acusações e insinuações. Ouviu-se um dia Jerónimo de Sousa dizer na TV, honestíssimo, que quanto a esta ou aquela acusação só decisões dos tribunais lhe formariam opinião: ele bem sabe decerto que, por terem razão, os comunistas não precisam de usar a arma da mentira e da calúnia. Mas não me sai da cabeça a suspeita de que foi essa espécie de incêndio ateado pelos media em torno de Sócrates que ditou, mais que qualquer outro factor, a sua derrota. E perdoe-se-me se estou enganado, já que o crime não é grande.