A campanha ininterrupta
Um debate entre Jerónimo de Sousa e Paulo Portas iniciou oficial ou oficiosamente, não sei bem, o período de pré-campanha para o acto eleitoral de 5 de Junho. Por sinal que Paulo Portas foi uma simpatia, um querido, introduzindo nas suas intervenções não apenas palavras de apreço pessoal para com o Secretário-geral do PCP mas também reiterando conselhos para que ele não se perca pelo caminho, digamos assim. Bem precisos eram os tais repetidos conselhos, como bem se compreende, porque Jerónimo de Sousa é inexperiente, só está na vida política há coisa de meio século, mais ano menos ano, isto é, desde quando Paulo Portas andava no colégio, imagino que de bibe e, nesses anos distantes, de calção, ao passo que o futuro Secretário-geral já abandonara há muito a escola «da Câmara», como então se dizia. Quanto ao resto, isto é, quanto ao conteúdo do diálogo travado por ambos e aos argumentos e convicções exibidos por um e outro, a conversa foi moderadamente interessante, nem mais se poderia esperar, pois já todos os cidadãos minimamente interessados na vida política nacional, e portanto em programas deste tipo, sabem da solidez de Jerónimo e do verdadeiro virtuosismo de Paulo em matéria de verbosidade, tal e tanta que bem me lembro que um dia Álvaro Cunhal se lhe referiu citando-o como exemplo de eficácia na comunicação oral e assim convidando tacitamente os camaradas a aperfeiçoarem-se nessa matéria. A breve alusão de Cunhal já tem uns bons anos, mas já então testemunhava que o histórico líder do PCP estava atento à importância da comunicação social no âmbito da batalha ideológica sempre em curso e da necessidade de se lhe conferir qualidade e eficácia. Porém, quanto ao debate Jerónimo-Portas, não se pense que o melhor adestramento do presidente do CDS-PP no manejo da palavra ficou sequer à beira de esmagar o dirigente comunista. É que, como bem se sabe e como aliás é confirmado por vozes dos mais diversos sectores, a evidente força de Jerónimo de Sousa como comunicador não reside nos talentos retóricos mas sim na firme convicção, no sublinhado de pontos essenciais, na lucidez com que evita armadilhas, numa espécie de higiene ideológica e mental que confere robustez ao seu discurso. E com o sabor a povo que dele sempre irradia.
Dia após dia
Dizem-nos, pois, que o País está em pré-campanha eleitoral, o que parece confirmar-se designadamente na televisão com os debates cruzados já em curso e até com os protestos dos que se viram excluídos desses confrontos. Convirá, contudo, esgravatar um pouco essa realidade e mirar o que lhe está por debaixo. Está que permanentemente, ao longo dos dias, dos meses, dos anos, decorre uma verdadeira campanha que visa o convencimento dos cidadãos que num certo dia serão eleitores e que entretanto aceitarão ou recusarão esta ou aquela prática política, este ou aquele entendimento da sociedade em que vivem, do País, do mundo. Falando-se de televisão, que como tema é a natural vocação destas duas colunas, recorde-se que ao longo dos tempos, dia após dia, toda a chamada informação que muitas vezes será mais adequado designar por desinformação converge para proclamar a suposta obsolescência do projecto comunista, isto é, da sem dúvida difícil construção de um mundo liberto das gulas capitalistas que geram as guerras e a eventual autodestruição global e, à escala nacional, de uma sociedade em que as privações de uma enorme maioria não sejam a própria condição do sobreenriquecimento de uma minoria. Olha-se a televisão, serão após serão, e é-nos evidente a sua autêntica colonização por supostos peritos talhados por medida para virem defender as viciadas e viciosas versões neoliberais da Economia e das Finanças com exclusão praticamente total de vozes alternativas. No caso do PCP, podem passar-se semanas sem que a TV nos fale dele a menos que o faça com transparentes objectivos de detracção. Há anos, antes de Abril, um censor escreveu em «despacho» que o Partido Comunista Português «não existia», pelo que a sua designação nem podia ser vertida em letra de imprensa. É nessa linha de total boicote que a TV, e é claro que não apenas ela, parece inspirar-se. Os técnicos da manipulação social, que são muitos e bons, sabem que uma verdadeira campanha eleitoral é um processo quotidiano e sem pausas, que as poucas semanas de campanha oficial são apenas convenção e aparência. Coerentes e eficazes, ininterruptamente manipulam. É para isso que existem.