- Nº 1950 (2011/04/14)

O dirigente desportivo voluntário de que se necessita

Argumentos

Os dirigentes desportivos voluntários (DDV)são indispensáveis na procura e definição da coerência interna do desporto popular. Mas é indispensável que quem desempenha estas funções não repita erros do passado que tão caro saíram ao associativismo desportivo. Assim, a sua atitude tem de se construir sobre uma reflexão permanente. Várias linhas de força devem conduzir essa reflexão:

- aceitação do quadro de complementaridades que devem estabelecer-se entre os quadros técnicos, as competências administrativas e a posição do DDV. Isto significa que ele tem de abandonar uma atitude de corporativismo estreito, muito cultivada durante décadas, mas hoje extremamente prejudicial;

- liquidação da atitude paternalista, promovendo a real participação dos sócios e não retendo a informação como uma forma de afirmação do poder. Isto significa que é indispensável partilhar o «governo» do clube sem deixar para os potenciais colaboradores as tarefas secundárias;

- promoção permanente de uma vida autenticamente democrática do clube, assente na repartição de responsabilidades, mas sem que isso traduza o desejo de «dividir para reinar». Isto significa que o clube deve ser entendido como uma unidade cuja dinâmica se deve submeter não a um só indivíduo, mas resultar do trabalho colectivo assumido como «técnica» essencial de acção;

- aceitação convicta de que a competência e a eficácia constituem aspectos iniludíveis dentro do clube, recobrindo diversas formas e áreas de trabalho. Isto significa que o DDV não pode olhar os técnicos do alto de uma posição «política» que não representa mais do que a sua própria vontade, pouco se preocupando com o real significado das soluções técnicas dos problemas; consideração de que o facto de ocuparem a função a que se candidataram e foram escolhidos por eleição democrática não os eleva acima do comum dos mortais, e lhes forneceu, de forma mágica, uma capacidade e um direito especiais. Isto significa que, ao contrário do que se diz «a política para os políticos», é indispensável considerar que todas as forças vivas que devem concorrer para a vida do clube devem ser solicitadas, não de acordo com uma visão contraditória mas de complementaridade

- reconhecimento de que a natural curiosidade dos sócios sobre a gestão do clube é, de facto, um direito que possuem, e a resposta clara e pronta é um dever do DDV. Isto significa que é extremamente incorrecto que este ameace imediatamente pedir a demissão todas as vezes que alguém ponha em dúvida a validade desta ou daquela decisão.

Nesta perspectiva, quando se discute uma «política» do DDV não se pretende cair num discurso «beatífico» em que o «voluntário», ou seja, o indivíduo que aceita e assume desempenhar uma função de direcção num clube sem qualquer retribuição material, é um ser perfeito, cuja boa vontade permite encontrar solução para todos os problemas.

A nossa época já não aceita esse tipo de discurso, antes exige que não sejam iludidas certas questões. Entre elas a do poder e da sua partilha. Por isso, não se aceita o DDV «mecenas» que traz o bolso cheio de notas, que resolve tudo, domina tudo, não recebe nada (!) e dirige sozinho como um director-geral, assumindo todos os poderes (os exemplos encontram-se em quase todos os clubes de futebol mais ou menos profissionalizado).

Também não estamos a pensar no dirigente que sabe tudo, que tem solução para tudo, que pensa tudo, e que, por se tornar indispensável, se vai, lentamente, instalando na organização dominando tudo com o argumento de que se não for ele nada se faz. Finalmente também se excluem os DDV que passam o tempo a fazer discursos sobre as qualidades humanas do desporto como «escola de virtudes», e que não hesita em fazer do clube uma casa de jogo do bingo, ou organiza uma actividade de que recolhe lucros directos e indirectos.

O desporto popular necessita do dirigente que age como um cidadão, capaz de actuar, sem hipocrisia ou dissimulação, de acordo com o seu ideal em função do bem da comunidade.

Cidadania, responsabilidade, solidariedade, necessidade de aprender constantemente, traduzem uma vontade essencial de lutar contra os falsos benévolos e também contra o falso profissionalismo. Não se trata, por isso, de apelar para uma imagem idealizada e irrealista. Procura-se, isso sim, alguém que se disponha a fazer viver a democracia sem hipocrisia e com a mesquinhez dos pequeninos «ditadores» locais.

A. Mello de Carvalho