Há populações ainda abandonadas
Passado um ano sobre a tragédia que se abateu sobre a Madeira há populações que ainda não receberam a ajuda necessária à reconstrução das habitações e à salvaguarda da segurança de pessoas e bens.
Esquecida a população carenciada
Depois de a testemunharem in loco no decurso das suas recentes Jornadas Parlamentares e de a terem levado logo no dia seguinte (23) ao plenário em declaração política de Paula Santos, foi esta comprovada realidade que os deputados comunistas trouxeram para a ordem do dia em debate de urgência realizado por sua iniciativa na semana transacta.
E foi um retrato fiel e minucioso aquele que descreveram nas suas intervenções o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, e o vice-presidente, António Filipe, pondo em evidência, por exemplo, o facto de existir uma gritante disparidade entre o arranjo das zonas mais turísticas do centro do Funchal e a quase total ausência de intervenção nas zonas mais altas, onde viva a população mais carenciada.
Foi sublinhado, em concreto, que nas localidades de Moinhos, Poço do Morgado, Vasco Gil e Trapiche, onde os deputados do PCP tiveram ensejo de se deslocar durante as Jornadas, que as populações ali residentes continuam na maioria dos casos a viver com enorme risco para as suas vidas, para as suas habitações e haveres, «sem qualquer perspectiva de resolução dos seus problemas».
Ora foi este quadro que os deputados do PCP trouxeram para o centro do debate, num claro desmentido às afirmações de vários responsáveis políticos regionais e nacionais sugerindo todas eles que os principais problemas estariam resolvidos.
A verdade é que não estão resolvidos, sucedendo mesmo, como tratou de demonstrar António Filipe, que «estas populações continuam abandonadas e nalguns casos sujeitas a riscos iguais ou superiores aos que existiam há um ano».
As pessoas primeiro
Facto este insofismável, por mais que o secretário de Estado Adjunto da Indústria e Desenvolvimento Fernando Medida tenha dito que tudo está em ordem com o processo de recuperação, que o Governo está a «cumprir bem», «no tempo e na intensidade», que a resposta foi «exemplar, rápida e adequada».
E de tal maneira é ilusória a perspectiva do governante que António Filipe não pôde deixar de lhe sugerir uma visita àquela Região Autónoma e «escolher bem os cicerones», isto para «não fazer a figura do ministro Augusto Santos Silva que há poucos dias foi à Madeira e disse que “o essencial estava feito”».
Não deixando de reconhecer que na reconstrução há vários níveis de intervenção, que há obras que terão de ser diferidas no tempo, a bancada do PCP deixou contudo claro – e esta é para si uma das questões chave – que há prioridades e «a prioridade absoluta é garantir às pessoas condições de habitabilidade, para viverem a sua vida com normalidade».
Rejeitada pelo PCP, noutro plano, foi a ideia de que a abordagem a esta matéria, nomeadamente quanto à utilização das verbas afectas à reconstrução, poderia comportar uma qualquer forma de «instrumentalização política».
«Instrumentalização política não é trazer à AR um debate sério sobre a reconstrução da Madeira; instrumentalização política é os apoios previstos à Madeira virem a ser utilizados para ganhar as eleições regionais em obras de fachada ou para instrumentalizar politicamente os apoios devidos à Região», sustentou António Filipe.
Do debate, pelo lado do PCP, ficou ainda a proposta de criação de uma comissão de acompanhamento da lei de meios, que permita um mais próximo e transparente acompanhamento da sua aplicação.
É que para a bancada comunista resulta claro que o Governo Regional da Madeira trocou a lei das finanças regionais que visava dar transparência à transferência de meios para a RAM por um mecanismo excepcional que é a lei de meios. O que exige, como mecanismo excepcional que é, uma atenção particular na fiscalização da sua aplicação. E esse é um dever da AR, na perspectiva do PCP.
Debate útil e oportuno
A utilidade deste agendamento do PCP e das questões levantadas nas suas recentes Jornadas parlamentares foi um dos aspectos realçados por Bernardino Soares, que assinalou que se outros motivos não houvesse - e houve vários – já teria justificado este debate a informação prestada pelo secretário de Estado de que o fundo de solidariedade da União Europeia (265 milhões de euros do fundo de coesão) estará, finalmente, disponibilizado. O que significa, como o PCP tem dito, que ao fim de um ano nem um cêntimo veio da UE para a reconstrução da Região Autónoma da Madeira, quando é certo que o momento em que esse apoio é mais necessário é nos primeiros meses, dado ser nesse período que mais se fazem sentir «as necessidades mais aflitivas», como lembrou o líder parlamentar do PCP.
A reter do debate fica ainda a informação dada pelo Governo de que os requisitos da lei de meios (relativamente à qual o PCP se absteve, tendo em conta a diminuição de transferências para a região que ela implica) estão a ser cumpridos, nomeadamente no que respeita às verbas do OE e do Banco Europeu de Investimentos.
A não declaração de calamidade, como o PCP pôde entretanto comprovar - e ao contrário do que foi dito na altura –, só tem vindo a beneficiar as seguradoras, denunciou Bernardino Soares, que disse estarem estas a «encontrar aí subterfúgios para não pagar aquilo que devem em relação aos seus segurados».
Depois de chamar a atenção para os atrasos que estão a registar-se na transferência de cinco por cento de verbas para os municípios da RAM, o presidente da bancada comunista, aludindo às linhas de crédito, e de acordo com a informação recolhida junto da Associação de Comércio e Serviços, alertou para o facto de as pequenas empresas e os comerciantes não estarem a conseguir aceder a essas linhas de crédito devido aos requisitos exigidos.
Suscitada pelo PCP foi também a questão dos ajustes directos, tendo Bernardino Soares questionado se estes são para manter indiscriminadamente ou se a regra dos concursos vai prevalecer para que possa haver uma maior transparência no acesso a estes projectos.