Roubo garantido
Em vez de um salário mínimo nacional de 500 euros, como ficou acordado em 2006, mais de 500 mil trabalhadores têm apenas a garantia de que, a partir de 1 de Janeiro e até uma data indefinida em 2011, vão receber menos 15 euros.
Só a luta poderá garantir salários mais justos em 2011
Na semana passada, depois de formalizado na Concertação Social o apoio da UGT e das confederações patronais do comércio e da indústria, o Governo anunciou que a Retribuição Mínima Mensal Garantida (a denominação dada ao Salário Mínimo Nacional desde a revisão do Código do Trabalho, no Verão de 2003) será de 485 euros, a partir de 1 de Janeiro de 2011, o que representa mais 2,1 por cento do que os 475 euros que vigoraram em 2010.
Esta actualização fica abaixo da inflação estimada pelo Governo para o próximo ano (2,2 por cento); é bem menor do que aumentos de preços já decididos (como os 12 por cento do pão, os 3,8 por cento da electricidade ou os 4,5 por cento dos transportes públicos); não compensa o aumento da carga fiscal (aumento do IVA, de 21 para 23 por cento) que é agravado pelos cortes nos apoios sociais (com aumentos de custos para os utentes na Saúde, na Justiça, na Educação); e fica aquém dos 500 euros que constam no compromisso assumido, em Dezembro de 2006, pelos representantes do Governo, das associações patronais e dos sindicatos.
A ministra do Trabalho, na conferência de imprensa em que deu a conhecer a decisão do Conselho de Ministros, dia 23, bem se esforçou por fazer crer que ficam garantidos 500 euros em 2011, «tal como foi acordado» há quatro anos, embora dependendo de duas «fases de avaliação», que ocorrerão em Maio e Setembro. O que agora contou e será «avaliado» de novo, explicou Helena André, são as «circunstâncias económicas do País» e as «dificuldades das empresas que ainda hoje aplicam o salário mínimo, em sectores muito específicos, geralmente expostos à concorrência internacional».
Mesmo assim, dirigentes patronais vieram logo manifestar reticências e rejeitar qualquer compromisso quanto a novas actualizações.
Desde 1983, a actualização do salário mínimo tem produzido efeitos sempre a 1 de Janeiro – como observou a CGTP-IN, no dia 21 (véspera da reunião da Concertação Social). Como se pode agora alegar que o acordo de 2006 preconizava 500 euros... mas lá para o fim de 2011?
Por outro lado, assinalou a central naquela conferência de imprensa, «se o País fosse mais competitivo com custos com o trabalho mais baixos, já hoje o seria, pois os salários praticados são muito inferiores aos vigentes na generalidade dos países europeus».
A verdade é que o valor do salário mínimo nacional deveria ser de 545 euros, caso acompanhasse apenas a evolução da inflação (assim admitindo que o crescimento da produtividade reverteria integralmente para as empresas); mas deveria ser de 550 euros, já em 2009, se, como a CGTP-IN defende, o valor equivalesse a 60 por cento do salário médio. A central mantém a reivindicação de que o salário mínimo chegue aos 600 euros até 2013.
Quando exigiu o cumprimento do acordo «livremente subscrito» em 2006, a Intersindical realçou que, retirando aos 475 euros o desconto de 11 por cento para a Segurança Social, e calculando uma «irrisória» despesa mensal de 20 euros em transportes, quem aufere o salário mínimo acaba por ficar com um rendimento líquido mensal de 403 euros, inferior ao limiar da pobreza (420 euros). Este facto não é alterado em 2011 com a actualização decidida pelo Governo. Mas amanhã acaba o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão e isso deixará de ser uma preocupação oficial dos autores e executores da política que cria milhões de pobres, até nos «países ricos» da Europa...
Intensificar a luta
Para o PCP, o Governo «não só cede de forma escandalosa aos interesses do patronato, como rasga o seu último compromisso social». A decisão, «apoiada pelo patronato e aceite pela UGT», significa «um roubo imediato de 15 euros aos mais de 500 mil trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo nacional» e «representa um duro golpe e um enorme retrocesso para os trabalhadores e para as suas condições de vida já amplamente fustigadas».
Na nota divulgada dia 22 pelo Gabinete de Imprensa, o Partido sublinha que «este ataque ao SMN se insere nos objectivos mais amplos do patronato e do Governo, de ofensiva geral contra os salários, procurando assim não só atacar o SMN como, de uma assentada, tentar condicionar todos os salários».
O PCP «apela aos trabalhadores que intensifiquem a sua luta e não permitam mais este ataque às suas vidas e dignidade».
«Para onde vai?»
«Não se trata de aplicar os 500 euros de salário mínimo mais tarde, trata-se de, a partir de Janeiro, em cada mês, retirar 15 euros a cada trabalhador que tem o salário mínimo nacional», protestou Francisco Lopes, no dia 22. «E para onde vai esse dinheiro? Serve para resolver algum problema do País? Não! Vai para a acumulação dos lucros. É retirado ao trabalho, àqueles que produzem a riqueza, para ir para a acumulação dos lucros» – acentuou o candidato comunista às eleições presidenciais, num jantar com apoiantes, em Oliveira de Azeméis.
Quem assim age «não tem nenhuma moral» para vir falar em combate à pobreza, «quando nós sabemos que uma parte da pobreza que existe no nosso país é exactamente daqueles que trabalham e não têm o rendimento suficiente para conseguirem fazer face às necessidades das suas vidas». Também não a têm «aqueles que cortam no subsídio de desemprego, no subsídio social de desemprego, que cortam nos abonos de família, que congelam as pensões, que cortam nos salários». «Todos esses, que empurram milhões de portugueses para a pobreza, que criam a pobreza, não têm moral nenhuma para depois se virem manifestar preocupados com isso», procurando «dar uma falsa imagem daquilo que verdadeiramente são».
Francisco Lopes defendeu que «o caminho, também aqui, é: melhores salários, melhores pensões, melhores serviços públicos, apoios sociais garantidos e aumentados, e não cortados». Aos que dizem que «não há dinheiro», «nós respondemos: há dinheiro, tem é que ser melhor distribuído, não pode ir para os buracos, para as fraudes, para a corrupção e para a acumulação dos lucros dos mesmos de sempre, contra os interesses do povo português e contra os interesses nacionais».