O NATAL DA POLÍTICA DE DIREITA

«A pobreza e a fome constituem a realidade maior deste Natal»

O Natal está aí.

É o 34.º Natal da era da política de direita – dessa praga devastadora que caiu sobre os trabalhadores, o povo e o País, lançada pelos partidos que têm sido os seus únicos executores: o PS e o PSD, sozinhos ou de braço dado e cada um atrelando a si o CDS/PP, quando as circunstâncias a isso obrigam.

Este é o pior de todos esses natais. Pior para a imensa maioria dos portugueses, entenda-se – porque para a imensa minoria, para os grandes grupos económicos e financeiros, é um Natal em cheio, dos melhores, até.

A pobreza e a fome constituem a realidade maior deste Natal do nosso descontentamento: o número de pobres é maior; aumentou o número dos que passam fome; são mais os que vão matando alguma fome com as esmolas e os restos de comida.

Com isto não se desmerece quem dá – muitas vezes tirando-se a si próprio -e muito menos quem recebe, sabendo-se que, para uma pessoa com fome, qualquer ajuda é bem vinda, mesmo que ela provenha, como às vezes acontece, de quem tem pesadas responsabilidades na situação criada.

Mas, se a maior aspiração de um pobre é, certamente, deixar de o ser, a questão essencial que se coloca é a da erradicação da pobreza e da fome. E isso é óbvio que não se resolve com a caridade ou o assistencialismo - como o comprova o facto de «ter pena dos pobres» ser um sentimento com milhares de anos de existência… - mas através de uma política de carácter social, preocupada com o emprego, com a valorização dos salários e pensões, com a justiça social, com todo o vasto conjunto de medidas sustentadas no respeito pelos direitos a que qualquer ser humano, pelo simples facto de existir, tem direito.

Uma política de sentido oposto à política de direita geradora deste Natal de pobreza, de miséria, de fome.

 

Foi este cenário de pobreza o escolhido pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República para se travarem de razões na quadra natalícia.

Não porque qualquer deles se proponha – e o outro se oponha – a defender e levar por diante as medidas de combate, de facto, à pobreza. Bem pelo contrário: ambos convergiram na «inevitabilidade» da aplicação das medidas que conduziram a esta situação, designadamente os sucessivos PEC’s e o OE; e ambos convergem na «inevitabilidade» de dar continuidade, com futuros PEC’s, ao afundamento das condições de trabalho e de vida dos portugueses e às consequências que daí resultarão: o agravamento da já gravíssima situação social, com ainda mais desemprego, com ainda piores salários, com ainda mais pobreza, mais miséria, mais fome – e, obviamente, com mais lucros para os grandes grupos económicos e financeiros.

As razões da polémica são outras e podem resumir-se assim:

Há uma semana, Cavaco Silva proclamou que o País devia «sentir-se envergonhado por existirem portugueses com fome»...

Dias depois, José Sócrates criticou os que utilizam a pobreza «de forma descarada para retirar dividendos políticos»…

A resposta de Cavaco Silva não se fez esperar. O PR – e de novo candidato a PR - foi ter com a pobreza: acompanhado pelos inevitáveis média dominantes assistiu ao casamento de dois sem-abrigo – e, no decorrer da cerimónia, depois de declarar solenemente que a sua preocupação com a pobreza não é de agora, antes o acompanha desde o início do seu actual mandato, procedeu à enunciação exaustiva de exemplos do que acabava de dizer: logo no primeiro discurso falou da pobreza; depois lançou um tal de roteiro; e todos os natais visitou instituições que combatem a pobreza – e ali estava, precisamente num jantar dos sem-abrigo, promovido pela Cruz Vermelha Portuguesa.

Os resultados deste intrépido combate à pobreza estão à vista…

Um dia destes, Sócrates replicará no mesmo tom e no mesmo jeito – e assim vão, ambos, sacudindo a água do capote no que respeita às responsabilidades reais que têm no aumento da pobreza: Cavaco, com mais de dez anos de primeiro-ministro e cinco de PR, como incisivamente acentuou Francisco Lopes no debate de terça-feira; Sócrates, com já lá vão cinco de suplício.

 

Entretanto, enquanto se digladiam fingindo extremas preocupações com a pobreza e a fome, os dois sabem ter assegurado que, a partir do início do novo ano – quando, aos cortes nos salários, nos abonos de família e noutros apoios sociais e ao congelamento das pensões, se juntarem os já anunciados aumentos dos géneros e dos transportes - tudo vai piorar drasticamente. Excepto, obviamente, os lucros dos mesmos de sempre, que vão melhorar substancialmente.

E asseguraram igualmente, para depois disso, um novo e brutal assalto aos interesses dos mesmos de sempre – os trabalhadores e o povo - de que são exemplo as 50 medidas que o primeiro-ministro se prepara para ir mostrar ao patrão europeu, que as aprovará com um aceno de cabeça.

Medidas todas elas direccionadas no mesmo sentido, uma vez mais incidindo cirurgicamente sobre os trabalhadores, os seus direitos e as suas estruturas representativas, e traduzidas em ataques à contratação colectiva, aos sindicatos e aos sindicalistas – para além da moderníssima descoberta do embaratecimento dos despedimentos.

E é ainda em manifesta preocupação com a pobreza, a miséria e a fome por parte dos governantes que se ensaiam crescentes tentativas de, fugindo ao acordo firmado, não proceder ao aumento para 500 euros do salário mínimo nacional – um aumento que, contudo, corresponde a 82 cêntimos por dia…

Tudo isto confirma a necessidade imperiosa e urgente da ruptura com esta política e de um novo rumo para Portugal, objectivo só possível de alcançar através da luta de massas, da sua intensificação e do seu alargamento - atraindo a ela todos os flagelados pela política de direita.