Estudo do FMI sobre as consequências da consolidação orçamental

Política do PS e PSD leva o País à recessão

Eugénio Rosa

O FMI pu­blicou em Ou­tubro de 2010 um ex­tenso do­cu­mento com o tí­tulo: «Pers­pec­tivas da eco­nomia mun­dial – Re­cu­pe­ração, risco e re­e­qui­lí­brio». Na pág. 103 e se­guintes, Ca­pí­tulo 3, en­contra-se um in­te­res­sante es­tudo, in­ti­tu­lado «Serão do­lo­rosos os efeitos ma­cro­e­co­nó­micos da con­so­li­dação fiscal?», em que se pro­cura ava­liar as con­sequên­cias da con­so­li­dação or­ça­mental na ac­ti­vi­dade eco­nó­mica. Em­bora nele se diga que abrange as con­sequên­cias a curto prazo, no caso por­tu­guês, como ra­pi­da­mente se con­cluirá, os efeitos da con­so­li­dação or­ça­mental num pe­ríodo tão curto e com uma di­mensão tão grande, para além dos efeitos de­vas­ta­dores, também se pro­lon­garão por um longo pe­ríodo de tempo.

O es­tudo do FMI tem como base a ex­pe­ri­ência de con­so­li­dação or­ça­mental nas eco­no­mias avan­çadas nos úl­timos 30 anos, e uti­liza o mo­delo de si­mu­lação do FMI com a de­sig­nação

«Mo­delo Fiscal e In­te­grado Mun­dial do FMI» (MFMIM). As con­clu­sões a que o pró­prio FMI chega

são as se­guintes: «Em dois anos, uma con­so­li­dação fiscal (em Por­tugal, é de­sig­nada por «con­so­li­dação or­ça­mental») equi­va­lente a 1% do PIB tende a re­duzir o PIB em apro­xi­ma­da­mente 0,5%, au­menta o de­sem­prego em 0,3%, e reduz a pro­cura in­terna (con­sumo e in­ves­ti­mento) em apro­xi­ma­da­mente 1%» (pág. 104).

Esta quebra da ac­ti­vi­dade eco­nó­mica e au­mento do de­sem­prego as­senta em con­di­ções «fa­vo­rá­veis» de que Por­tugal não dispõe. E isto porque aqueles efeitos pres­su­põem: (1) Que Por­tugal pu­desse ma­ni­pular a taxa de câmbio com o ob­jec­tivo de des­va­lo­rizar a moeda para assim au­mentar as ex­por­ta­ções; (2) Que Por­tugal fi­zesse a sua con­so­li­dação or­ça­mental numa al­tura em que os ou­tros países, no­me­a­da­mente par­ceiros co­mer­ciais, não es­ti­vessem também a fazer a con­so­li­dação or­ça­mental; (3) Que Por­tugal pu­desse baixar mais a taxa de juro para im­pul­si­onar a ac­ti­vi­dade eco­nó­mica. Ora ne­nhuma destas con­di­ções se ve­ri­fica neste mo­mento em Por­tugal. Em pri­meiro lugar, Por­tugal já não pode al­terar a taxa de câmbio pois esse poder passou para o Banco Cen­tral Eu­ropeu, e a po­lí­tica deste é manter o euro bas­tante va­lo­ri­zado, o que reduz a com­pe­ti­ti­vi­dade dos pro­dutos por­tu­gueses fora da União Eu­ro­peia. Em se­gundo lugar, os prin­ci­pais im­por­ta­dores de pro­dutos por­tu­gueses – Es­panha, Ale­manha, França e Itália – estão também em­pe­nhados num im­por­tante es­forço de con­so­li­dação or­ça­mental, o que di­mi­nuiu a pro­cura in­terna nesses países e, con­se­quen­te­mente, as im­por­ta­ções de pro­dutos do nosso País. Fi­nal­mente, Por­tugal en­frenta ac­tu­al­mente grande es­cassez de cré­dito no­me­a­da­mente por parte das em­presas, o que pode levar a uma maior quebra da ac­ti­vi­dade eco­nó­mica, como mos­trou a ex­pe­ri­ência pas­sada re­sul­tante dos acordos com o FMI, em que a me­dida que teve mai­ores efeitos ne­ga­tivos na ac­ti­vi­dade eco­nó­mica foram os li­mites im­postos à con­cessão de cré­dito.

Se­gundo o mesmo es­tudo do FMI, «uma di­mi­nuição do valor da moeda con­tribui em grande me­dida para mo­derar o im­pacto (ne­ga­tivo) da con­so­li­dação fiscal sobre o pro­duto através do im­pacto sobre as ex­por­ta­ções lí­quidas. Sem este au­mento das ex­por­ta­ções lí­quidas, o custo da con­so­li­dação fiscal sobre o pro­duto será apro­xi­ma­da­mente o dobro, com uma quebra no PIB de 1% em vez de 0,5%» (pág. 112). Por­tugal, como já se re­feriu, não tem poder para al­terar a taxa de câmbio. Esse poder passou para o BCE. E a po­lí­tica deste é a de­fesa de um euro va­lo­ri­zado e não a sua des­va­lo­ri­zação para au­mentar as ex­por­ta­ções.

Outro as­pecto com con­sequên­cias ne­ga­tivas para Por­tugal é o que re­sulta da con­so­li­dação fiscal que está a ser feita pelos países da União Eu­ro­peia, para onde são ca­na­li­zadas 80% das ex­por­ta­ções por­tu­guesas, ao mesmo tempo da por­tu­guesa. De acordo com o mesmo es­tudo do FMI, tendo como base a ex­pe­ri­ência do Ca­nadá, «quando o resto do mundo faz uma con­so­li­dação fiscal ao mesmo tempo, o custo para o Ca­nadá em termo do PIB du­plica e al­cança 2%» (pág.123) por cada re­dução do dé­fice or­ça­mental em 1% do PIB. E isto acon­tece, se­gundo o FMI, porque a con­so­li­dação fiscal si­mul­tânea nou­tros países «reduz a pro­cura de pro­dutos das ex­por­ta­ções do Ca­nadá». Por­tanto, é pre­vi­sível que o facto de Por­tugal estar a fazer a con­so­li­dação fiscal na mesma al­tura em que seus prin­ci­pais par­ceiros co­mer­ciais também a estão fazer tenha se­me­lhante efeitos ne­ga­tivos nas ex­por­ta­ções por­tu­guesas.

 

Go­verno e PSD querem con­so­li­dação or­ça­mental de 4,7% do PIB

 

No PEC 2 (Pro­grama de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento: 2010-2013), apre­sen­tado ini­ci­al­mente à As­sem­bleia da Re­pú­blica e à Co­missão Eu­ro­peia, o Go­verno pro­punha-se re­duzir o dé­fice or­ça­mental, entre 2009 e 2011, por­tanto em dois anos, de 9,3% do PIB para 6,6% do PIB, ou seja, em 2,7 pontos per­cen­tuais. No en­tanto, como se isso já não fosse su­fi­ci­ente, e para agradar aos cha­mados «mer­cados» (fun­da­men­tal­mente bancos, com­pa­nhias de se­guro e fundos), de­cidiu au­mentar muito mais a re­dução do dé­fice or­ça­mental entre 2009 e 2011, pas­sando de 9,3% do PIB para 4,6%, ou seja, uma di­mi­nuição de 4,7 pontos per­cen­tuais.

Acei­tando como boas as con­clu­sões ti­radas pelo pró­prio FMI no es­tudo an­te­ri­or­mente re­fe­rido, uma con­so­li­dação or­ça­mental de 4,7 pontos per­cen­tuais do PIB de­ter­mi­nará, num pe­ríodo de dois anos, uma quebra na ac­ti­vi­dade eco­nó­mica (PIB) pelo menos de igual valor (4,7 pontos per­cen­tuais) e um au­mento do de­sem­prego de, pelo menos também, 1,4 pontos per­cen­tuais, o que fará au­mentar a taxa ofi­cial de de­sem­prego dos ac­tuais 10,9% para 12,3%. Uti­li­zando a mesma me­to­do­logia do FMI, cujos re­sul­tados constam do grá­fico 3.2 da pág. 110 do es­tudo, con­clui-se que, em 2011, Por­tugal en­fren­tará uma re­cessão eco­nó­mica que se tra­du­zirá numa quebra do PIB entre -2% e -3%, e a taxa de de­sem­prego cer­ta­mente au­men­tará em quase um ponto per­cen­tual. E tenha-se pre­sente que no es­tudo do FMI não é con­si­de­rada a ve­ri­fi­cação si­mul­tânea de três con­di­ções com efeitos pro­fun­da­mente ne­ga­tivos no PIB e na taxa de de­sem­prego, que se re­gis­tarão em Por­tugal: (1) Con­so­li­dação or­ça­mental feita si­mul­ta­ne­a­mente por todos os países da União Eu­ro­peia; (2) Não poder al­terar a taxa de câmbio, já que esse poder passou para o BCE e este tem uma po­lí­tica de ma­nu­tenção de um euro va­lo­ri­zado, o que reduz a com­pe­ti­ti­vi­dade dos pro­dutos por­tu­gueses para países fora da Zona Euro; (3) Não poder al­terar a taxa de juro (a qual é con­di­ci­o­nada pela taxa fi­xada pelo BCE) para es­ti­mular a ac­ti­vi­dade eco­nó­mica, a que se juntam as di­fi­cul­dades cres­centes do sis­tema fi­nan­ceiro em con­ceder cré­dito às em­presas e fa­mí­lias.

 

Greve geral mos­trou que mudar de po­lí­tica é uma exi­gência na­ci­onal

 

Apesar do FMI prever que Por­tugal terá um cres­ci­mento de zero por cento do PIB em 2011, o que cer­ta­mente se ve­ri­fi­cará será uma grave re­cessão eco­nó­mica, como prova o es­tudo do pró­prio FMI, até porque a pre­visão de cres­ci­mento zero foi feita antes de co­nhe­cido o PEC3. E isso terá efeitos dra­má­ticos para os por­tu­gueses e para o País. A acon­tecer isso, uma par­cela im­por­tante da nossa eco­nomia será des­truída, com o fecho de inú­meras em­presas e, con­se­quen­te­mente, o de­sem­prego au­men­tará muito mais. Por­tanto, al­terar esta po­lí­tica é uma exi­gência na­ci­onal como mos­trou a di­mensão da greve na­ci­onal.

Uma al­ter­na­tiva a esta po­lí­tica de ob­sessão em re­duzir o dé­fice num pe­ríodo tão curto e numa per­cen­tagem tão ele­vada terá ne­ces­sa­ri­a­mente de as­sentar, a nosso ver, numa po­lí­tica que con­jugue a re­dução sus­ten­tada e gra­dual do dé­fice or­ça­mental e do en­di­vi­da­mento ex­terno, que é um pro­blema muito mais grave do que o dé­fice, com uma po­lí­tica também sus­ten­tada de cres­ci­mento eco­nó­mico equi­li­brado. E isso pres­supõe um pe­ríodo mais longo para fazer a con­so­li­dação or­ça­mental, uma uti­li­zação dos es­cassos re­cursos do País em in­ves­ti­mentos pro­du­tivos e cri­a­dores de em­prego, no­me­a­da­mente na agri­cul­tura e in­dús­tria; no apoio ori­en­tado para as em­presas ex­por­ta­doras que inovam; numa re­par­tição mais justa dos ren­di­mentos e dos sa­cri­fí­cios, o que pres­supõe que se acabe com os enormes pri­vi­lé­gios fis­cais de que con­ti­nuam a gozar os grupos eco­nó­micos em Por­tugal, de que são exem­plos a isenção de im­posto de mais-va­lias de que con­ti­nuam a gozar cerca de 70% das tran­sac­ções bol­sistas e de mais-va­lias como as ob­tidas pela Por­tugal Te­lecom na venda da em­presa bra­si­leira Vivo, assim como a isenção de que gozam os di­vi­dendos dis­tri­buídos pelas grandes em­presas a operar em Por­tugal desde que o be­ne­fi­ciário seja uma em­presa com re­si­dência em outro país da UE (e todos os grandes ac­ci­o­nistas, mesmo por­tu­gueses, têm cons­ti­tuída uma em­presa no es­tran­geiro para qual trans­ferem os lu­cros que re­cebem), e que essa em­presa de­tenha pelo menos 10% da em­presa a operar em Por­tugal. É isto que deve ser eli­mi­nado e não apenas a con­dição de ter mais de 20 mi­lhões € do ca­pital, que é a única que o Go­verno pre­tende eli­minar a partir de 2011, já que foi in­tro­du­zida na lei para be­ne­fi­ciar es­can­da­lo­sa­mente os grandes ac­ci­o­nistas.



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E no entanto, ela move-se…

Como se a ver­dade his­tó­rica de­pen­desse de uma de­cisão par­la­mentar, a Duma russa, cuja mai­oria é cons­ti­tuída por par­tidos bur­gueses, de­cidiu [26.11] que foram os so­vié­ticos quem exe­cutou os ofi­ciais po­lacos, en­ter­rados numa vala comum em Ká­tine. Uma cu­riosa de­mons­tração da grande se­me­lhança que existe entre a visão da ver­dade das su­postas de­mo­cra­cias ca­pi­ta­listas e a da Igreja Ca­tó­lica do Re­nas­ci­mento.