São os lucros e não os salários

Vasco Cardoso

No dia seguinte ao chumbo pelo PS, PSD e CDS da proposta do PCP na Assembleia da República que visava a tributação dos dividendos dos grupos económicos, cuja distribuição estes decidiram antecipar de 2011 para 2010 – roubando assim umas centenas de milhões de euros ao Estado –, surgiu com grande estrondo nos principais meios de comunicação social a notícia de que, nos Açores, os salários dos trabalhadores da administração pública regional não seriam alvo de cortes.

As reacções foram as que se esperavam. Na tentativa de fazer esquecer a vergonhosa recusa da proposta do PCP sobre a taxação dos dividendos e de recentrar o debate ideológico no corte nos salários, sucederam-se declarações durante toda a semana.

Desde logo do próprio Presidente da República (e também candidato), que tinha ficado calado perante a golpada dada pelos grupos económicos com a antecipação da distribuição dos dividendos mas que, em relação aos cortes salariais, até a Constituição da República decidiu invocar para exigir a penalização de todos os trabalhadores. Uma declaração, aliás, coerente com uma vida de ataque aos salários quer como primeiro-ministro, quer como Presidente.

Manuel Alegre, também ele candidato à PR, no seu contorcionismo habitual, nuns dias criticou a decisão dos Açores, noutros considerou-a legítima. Enfim, o costume de quem quer andar à chuva sem se molhar.

E no meio desta erupção mediática, onde medram cálculos e oportunismos vários, registe-se ainda a dupla face de BE e CDS. Quem ouviu a deputada do CDS condenar o Governo por permitir a «excepção» aos cortes nos salários não imaginaria que o seu partido se tinha afinal abstido em relação a esta proposta nos Açores. E quem viu os deputados do BE a votar contra esta decisão na Assembleia Legislativa Regional nunca imaginaria que dias depois Francisco Louçã haveria de a defender com tamanha convicção.

Enfim, sobra o claro posicionamento de classe e a respectiva coerência de argumentos do PCP. Que não só esteve contra o corte nos salários como propôs e votou a favor de um apoio compensatório aos funcionários públicos nos Açores. E que não só denunciou a inaceitável manobra dos grupos económicos de fuga o fisco como apresentou uma proposta concreta para impedir tal golpada. Pois sabemos que é nos lucros escandalosos dos grupos económicos e não nos salários que se encontram as razões de tantas injustiças.



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