O anúncio

Anabela Fino

Sem surpresa, sem vangelis e sem meninos guerreiros, mas cumprindo à risca o anúncio feito em primeira mão por Marcelo Rebelo de Sousa e tendo como pano de fundo dez bandeiras nacionais – por ventura para garantir que fosse qual fosse o ângulo das imagens apareceria sempre enquadrado pelo «desígnio nacional» –, Cavaco Silva veio anteontem dizer ao país o que já toda a gente sabia, ou seja que se recandidata a novo mandato como Presidente da República.

Não sendo curial, por razões óbvias, proferir tão distinto anúncio numa das auto-estradas nacionais, o local escolhido foi o que de mais emblemático da política de betão de Cavaco primeiro-ministro se pode encontrar, o Centro Cultural de Belém, com a manifesta vantagem de se situar a escassa distância da residência oficial do primeiro magistrado da nação, o que para além de garantir o cumprimento ao cronómetro do horário estabelecido teve ainda a vantagem de poupar ao presidente em funções nas deslocações do candidato a presidente. Dir-se-á que é uma visão mesquinha de tão distinto acto, mas quando o presidente candidato a presidente faz questão de dizer, invocando a difícil situação económica, ter dado ordens expressas para que os gastos da sua campanha não ultrapassem metade do máximo permitido por lei, a coisa muda de figura. Tanto mais que, como é público e notório, Cavaco presidente não tem feito outra coisa nos últimos meses a não ser poupar nas despesas de Cavaco candidato a presidente, percorrendo o país em mal encapotada campanha às custas do erário público, numa espécie de dois em um que embora eticamente indefensável dará muito jeito quando chegar a altura de apresentar contas.

Quanto ao anúncio propriamente dito, o mais que se pode referir é que nada trouxe de novo, o que já é muito boa vontade, pois em rigor o que se anunciou tresanda a bafio. Ficou-se a saber que afinal continua a haver um «homem ao leme», desta feita em Belém, tão ansioso que o deixem trabalhar como nos tempos em que de S. Bento invectivava as «forças de bloqueio» que combatiam as suas políticas anti-sociais, cujas continua a apadrinhar mas agora na qualidade de «garante da estabilidade social». Ficou-se também a saber – olha a novidade – que o estafado lema «eu ou o caos» continua vivo e recomenda-se, mas agora transformado na fórmula «o que teria sido o país sem mim?», destinada não só a aclamar os feitos do passado mas também a abrir caminho para o inevitável «o que será o país sem mim?» no futuro. Não foi possível, em tão curto espaço de tempo, apurar a resposta dos portugueses a tão candente questão, mas cá por mim, confesso, distraiu-me das requentadas promessas eleitorais e deixou-me o resto da noite a trautear a canção de Sérgio Godinho «que era eu sem a vida/que era a vida sem mim?»... Estou em crer que serão efeitos das dez-bandeiras-dez em que Cavaco se embrulha, ou então do logo tricolor que escolheu para a campanha, três ondas a verde, amarelo e vermelho que pretenderão remeter para o futuro marítimo de Portugal, embora mais pareçam as ondas alterosas da borrasca a que as políticas de direita de Cavaco e Cia conduziram o país.



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