Ataque brutal aos trabalhadores

O custo das medidas anunciadas pelo Governo

Eugénio Rosa

O Go­verno pre­tende, em 2011, au­mentar o IVA em 1178 mi­lhões €, cortar as re­mu­ne­ra­ções da Função Pú­blica em mais de 450 mi­lhões € e in­te­grar o fundo de pen­sões da PT – que está sub­fi­nan­ciado em 650 mi­lhões € – na Se­gu­rança So­cial (po­dendo pôr em risco a sua sus­ten­ta­bi­li­dade fi­nan­ceira) ou na CGA.

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Com os poucos dados de que se dispõe não é ainda pos­sível ava­liar total e ri­go­ro­sa­mente as con­sequên­cias de todas as me­didas anun­ci­adas por Só­crates na con­fe­rência de im­prensa de 29 de Se­tembro, até porque elas ainda não foram pas­sadas para di­plomas. No en­tanto, com base no co­mu­ni­cado emi­tido pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças em 30 de Se­tembro, que está dis­po­nível no seu sítio da In­ternet, que cla­ri­fica al­guns pontos que ti­nham fi­cado pouco claros na con­fe­rência de im­prensa, é pos­sível, sem pre­juízo de uma aná­lise fu­tura mais com­pleta e ri­go­rosa, quan­ti­ficar al­gumas das me­didas para se poder ava­liar não só as graves con­sequên­cias so­ciais que pro­vo­carão, mas também as con­sequên­cias eco­nó­micas, cuja gra­vi­dade não é menor mas que muitas vezes são es­que­cidas ou in­ten­ci­o­nal­mente omi­tidas.

As me­didas anun­ci­adas pelo Go­verno vão pro­vocar não só um agra­va­mento grande e ime­diato das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e dos pen­si­o­nistas, mas terão também um im­pacto enorme a nível eco­nó­mico, pro­vo­cando cer­ta­mente uma forte re­tracção da eco­nomia (mesmo re­cessão), já que de­ter­mi­narão uma re­dução drás­tica adi­ci­onal do con­sumo in­terno (4855 mi­lhões €, sendo 173 mi­lhões de in­ves­ti­mento), o que cau­sará a fa­lência de muitas em­presas, fa­zendo dis­parar ainda mais o de­sem­prego. Só a mi­opia deste Go­verno, e do PSD e CDS, que exigem a re­dução drás­tica da des­pesa pú­blica, ig­no­rando as con­sequên­cias gra­vís­simas numa si­tu­ação de grave crise como é a ac­tual, é que pa­recem não com­pre­ender isso.

 

IVA au­menta em mais de 1178 mi­lhões € em 2011

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Só­crates e o seu mi­nistro das Fi­nanças anun­ci­aram que o IVA seria au­men­tado em 2011 em dois pontos per­cen­tuais. Como esse au­mento é apenas na taxa normal, ou seja de 21% se­gundo o co­mu­ni­cado, o au­mento do im­posto é o cons­tante do Quadro 1.

Tendo como base a es­tru­tura da des­pesa e da re­ceita do IVA em 2010, o au­mento de re­ceita do IVA ob­tida com uma su­bida de dois pontos per­cen­tuais na taxa normal (21%) e tendo em conta o cres­ci­mento do PIB em termos no­mi­nais, de­verá rondar os 1178 mi­lhões € em 2011, o que cor­res­ponde a uma su­bida de re­ceita, re­la­tiva à pre­vista em 2010, de 9,2%. Mas não é só de­vido a esta me­dida que os im­postos vão au­mentar. Só­crates também anun­ciou que o ren­di­mento dos re­for­mados não su­jeito a im­posto (a cha­mada de­dução de pen­sões a nível do IRS) irá ser re­du­zido dos ac­tuais 6000 € por ano para um valor que po­derá ser apenas de 3888 €, que é a de­dução por ren­di­mentos do tra­balho. Por­tanto, se o re­for­mado re­ceber uma pensão su­pe­rior ao sa­lário mí­nimo na­ci­onal, mesmo que a sua pensão seja con­ge­lada em 2011, o IRS que pa­gará po­derá au­mentar, pelo menos, em 168,96 €, pois 2112 € do seu ren­di­mento fi­carão su­jeitos a IRS, o que não acon­tecia em 2010.

A juntar a tudo isto, e por pressão fun­da­men­tal­mente do CDS, o Go­verno também anun­ciou que irá re­duzir ad­mi­nis­tra­ti­va­mente a des­pesa com o Ren­di­mento So­cial de In­serção em 20%, ou seja, uma re­dução de 116 mi­lhões € por ano, o que só se con­se­guirá re­ti­rando o apoio so­cial a mais de 100 000 por­tu­gueses com ren­di­mento abaixo do li­miar da po­breza, pois o sub­sídio por pessoa é ac­tu­al­mente apenas de 88,92 € por mês..

 

Corte sa­la­rial de 450 mi­lhões € na Função Pú­blica

e au­mento de 124 mi­lhões € em des­contos para a CGA 

 

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O Go­verno de Só­crates pre­tende não só con­gelar mais uma vez em 2011 (já o fez em 2010) as re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica que re­cebem até 1500 € por mês, mas também re­duzir as re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores que re­cebem mais de 1500 € por mês, entre 3% e 10%, de forma a obter uma re­dução do total de re­mu­ne­ra­ções pagas à Função Pú­blica em 5%. Se esse  ob­jec­tivo do Go­verno se con­cre­tizar, a re­dução em mi­lhões € nos ven­ci­mentos dos tra­ba­lha­dores será a que consta do Quadro 2, a que se deve juntar o au­mento da taxa de con­tri­buição para a CGA, também anun­ciada pelo Go­verno, a aplicar a todos os que des­contam para esta ins­ti­tuição.

O Go­verno pre­tende também au­mentar em um ponto per­cen­tual o des­conto dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica para a CGA. Para se com­pre­ender a in­jus­tiça desta me­dida é pre­ciso ter pre­sente que os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica já des­contam nos seus sa­lá­rios para pagar a saúde e a re­forma 11,5% (10% para a CGA e 1,5% para a ADSE), en­quanto os do sector pri­vado des­contam 11%. O Go­verno pre­tende agora au­mentar os des­contos em mais um ponto per­cen­tual, ou seja, para 12,5%, o que sig­ni­fica um novo corte nas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica em 124 mi­lhões € por ano. Como o nú­mero ac­tual de subs­cri­tores da CGA é de 603 840, isso sig­ni­fica uma re­dução média anual nas re­mu­ne­ra­ções de 237 € por tra­ba­lhador. E ainda têm de pagar im­postos como qual­quer outro tra­ba­lhador.

Du­rante a con­fe­rência de im­prensa, o Go­verno anun­ciou que ten­ciona au­mentar a taxa de des­conto

dos tra­ba­lha­dores para a CGA já este ano, o que po­derá custar aos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica uma re­dução nas suas re­mu­ne­ra­ções em 2010, que foram con­ge­ladas, es­ti­mada em 41 mi­lhões €.

Para além disso, o Go­verno pre­tende ainda cortar nas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores da Função

Pú­blica que re­cebem mais de 1500 € por mês entre 3% e 10%, de forma a obter uma re­dução da massa sa­la­rial da Função Pú­blica em 5%. Se essa re­dução tiver como base apenas as re­mu­ne­ra­ções certas e per­ma­nentes a di­mi­nuição será de 425 mi­lhões por ano, mas se for de 5% das Des­pesas de Pes­soal da Função Pú­blica a re­dução já será de 573 mi­lhões € por ano.

O di­rector da OCDE, quando es­teve em Por­tugal, acon­se­lhou o Go­verno a re­duzir os sa­lá­rios da Ad­mi­nis­tração Pú­blica porque isso de­ter­mi­naria, por ar­ras­ta­mento, o mesmo no sector pri­vado. O Go­verno, obe­di­en­te­mente, se­guiu o con­selho, por isso é pre­vi­sível que pro­cure ajudar os pa­trões pri­vados a fazer o mesmo.

Na con­fe­rência de im­prensa, nem Só­crates nem Tei­xeira dos Santos foram claros. Por­tanto, te­remos de es­perar pelos pro­jectos de di­plomas para saber ao certo. Mas o que ficou claro na con­fe­rência de im­prensa – Tei­xeira dos Santos até cor­rigiu mesmo o pri­meiro mi­nistro na sua ten­ta­tiva para ocultar a ver­dade – é que os tra­ba­lha­dores nunca serão no fu­turo com­pen­sados por este corte na suas re­mu­ne­ra­ções. A gra­vi­dade desta me­dida só fica clara se se tiver pre­sente que a mai­oria dos tra­ba­lha­dores atin­gidos por este corte são os tra­ba­lha­dores mais qua­li­fi­cados da Ad­mi­nis­tração Pú­blica (mé­dicos, en­fer­meiros, téc­nicos su­pe­ri­ores, etc.), muitos deles já in­su­fi­ci­entes na Ad­mi­nis­tração Pú­blica (re­corde-se a si­tu­ação a nível de mé­dicos, em que mi­lhares de por­tu­gueses não têm mé­dico de fa­mília), e que me­didas como esta só po­derão levar ao agra­va­mento da si­tu­ação ac­tual. Esta é uma forma de des­truição do SNS, e dos ser­viços pú­blicos, que Só­crates em pa­la­vras diz de­fender.

E esta si­tu­ação ainda ganha foros mais graves se se tiver pre­sente outra me­dida anun­ciada também por Só­crates: o con­ge­la­mento total das en­tradas na Ad­mi­nis­tração Pú­blica o que de­ter­mi­nará a rá­pida de­gra­dação dos ser­viços pú­blicos pres­tados à po­pu­lação e o au­mento de­sem­prego (a partir de agora, mais ne­nhum jovem con­se­guirá ar­ranjar em­prego na Ad­mi­nis­tração Pú­blica).

 

O fundo de pen­sões da PT está sub­fi­nan­ciado em 650 mi­lhões €

 

A PT, para dis­tri­buir todos anos ele­vados di­vi­dendos aos seus ac­ci­o­nistas, não tem pro­vi­si­o­nado o

Fundo de Pen­sões dos tra­ba­lha­dores nas im­por­tân­cias ne­ces­sá­rias. No fim de 2009, as res­pon­sa­bi­li­dades do Fundo de Pen­sões eram su­pe­ri­ores a 2265 mi­lhões € (ac­tu­al­mente já devem rondar os 2400 mi­lhões €), e o valor dos ac­tivos do Fundo, que servem para pagar as pen­sões, era apenas de 1617 mi­lhões €, ou seja, es­tavam em falta 648 mi­lhões €. O valor do Fundo nem dava para pagar as pen­sões dos tra­ba­lha­dores já re­for­mados, e muito menos para pagar as pen­sões cor­res­pon­dentes ao tempo de ser­viço pres­tado pelos tra­ba­lha­dores no ac­tivo.

Mesmo aquele valor de 1617 mi­lhões € do Fundo era pouco se­guro pois mais de 40% es­tava in­ves­tido em ac­ções, por­tanto um ac­tivo de ele­vado risco, e ainda maior numa al­tura de grande

ins­ta­bi­li­dade nos mer­cados fi­nan­ceiros.

Apesar desta si­tu­ação ser co­nhe­cida pela en­ti­dade re­gu­la­dora – o Ins­ti­tuto de Se­guros de Por­tugal – nada se fez para obrigar a PT a cor­rigir ra­pi­da­mente a si­tu­ação, o que prova que também neste sector a en­ti­dade re­gu­la­dora está refém dos grandes grupos eco­nó­micos.

E agora apa­rece o Go­verno de Só­crates com a es­tranha de­cisão de pre­tender in­te­grar o Fundo de

Pen­sões da PT na Se­gu­rança So­cial ou na CGA, numa das suas ha­bi­tuais ma­no­bras de en­ge­nharia fi­nan­ceira para, assim, re­duzir ar­ti­fi­ci­al­mente a dí­vida pú­blica (re­cebe agora, e paga pen­sões no fu­turo quando Só­crates já não es­tiver no Go­verno, em­bora não se saiba o certo o que se pa­gará).

É cer­ta­mente um bom ne­gócio para a PT que assim se li­vrará das pe­sadas res­pon­sa­bi­li­dades ac­tuais e fu­turas do seu Fundo de Pen­sões, que são muito grandes, trans­fe­rindo-as para o Es­tado, ou me­lhor, para a Se­gu­rança So­cial ou para a CGA, mas é um ne­gócio que po­derá pôr em pe­rigo a sus­ten­ta­bi­li­dade fi­nan­ceira da pró­pria Se­gu­rança So­cial, se for esta a es­co­lhida pelo Go­verno, e as re­formas de mi­lhões de tra­ba­lha­dores por­tu­gueses, ou mais im­postos para fi­nan­ciar a CGA se for esta o ins­tru­mento uti­li­zado pelo Go­verno.

É ne­ces­sário que os tra­ba­lha­dores e as suas or­ga­ni­za­ções es­tejam muito atentos a esta questão, pois a es­ta­bi­li­dade fi­nan­ceira da Se­gu­rança So­cial ou da CGA po­derá estar em pe­rigo, e é uma questão muito im­por­tante para todos os tra­ba­lha­dores por­tu­gueses. A ex­pe­ri­ência já mos­trou su­fi­ci­en­te­mente aos por­tu­gueses que não se pode acre­ditar neste Go­verno, que um dia diz uma coisa para pouco de­pois fazer o con­trário, e ele na­tu­ral­mente vai dizer que é «bom» para Se­gu­rança So­cial e para a CGA. Mas só acre­dita quem quiser, e mesmo assim não deve es­quecer a ex­pe­ri­ência re­cente para não vir dizer mais tarde que foi en­ga­nado outra vez. Uma coisa é certa: quem es­teja fa­mi­li­a­ri­zado e co­nheça os riscos de um fundo de pen­sões sabe bem que nunca se sabe ao certo a quantia ne­ces­sária para se pagar no fu­turo as pen­sões, por­tanto o risco é grande, e a PT, como boa ges­tora de­fen­sora dos in­te­resses dos seus ac­ci­o­nistas, quer-se li­vrar dessa res­pon­sa­bi­li­dade, e o Go­verno de Só­crates pa­rece querer fazer o «frete». Seria bem não es­quecer e re­flectir sobre exem­plos pas­sados.

Para fi­na­lizar, quan­ti­ficou-se as vá­rias me­didas uti­li­zando as per­cen­ta­gens do PIB cons­tantes do co­mu­ni­cado do Mi­nis­tério das Fi­nanças (ver Quadro III), de que re­sulta uma re­dução de 3121 mi­lhões € na des­pesa pú­blica e uma su­bida de 1714 mi­lhões € em im­postos.

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