República exige soberania, independência e bem-estar
Assinalando, segunda-feira, em Almada, o centenário da Revolução Republicana, Francisco Lopes reafirmou o seu compromisso de «honrar a República, a soberania do povo, a independência nacional».
São os próprios governantes que confessam governar para os mercados
O candidato presidencial apoiado pelo PCP escolheu simbolicamente o dia 4 para assinalar, em Almada, o centenário da Revolução Republicana (ver caixa). Na ocasião, Francisco Lopes chamou a atenção para a «situação particularmente difícil» em que ocorre a comemoração deste centenário: «Arrastado por mais de três décadas de política de direita, o País desperdiçou oportunidades abertas com a Revolução de Abril e as profundas transformações socio-económicas alcançadas, desbaratou recursos e energias num processo de alienação crescente da soberania e independência nacionais, avolumou injustiças e desigualdades.»
E se isto é assim não é porque tal seja inevitável, mas porque «sucessivos governos e outros responsáveis políticos tomaram essa opção». Assim tem sido ao longo das últimas décadas e assim é hoje, com as medidas anunciadas recentemente pelo Governo. Na opinião do candidato comunista, neste centenário colocam-se questões «sobre os fundamentos da República, nos planos da democracia, da soberania e da independência nacional, determinantes para o futuro».
Em seguida, Francisco Lopes confrontou o texto constitucional com a realidade do País. No artigo 1.º, por exemplo, lê-se que Portugal «é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» e no segundo que a «República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia da efectivação de direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».
Uma outra constituição
Sucede que, na opinião do candidato, para os grupos económicos e os seus representantes políticos há outra constituição, «construída na base da impune configuração do texto constitucional e dos seus artigos aos seus interesses de classe, num processo que tem contado com a implícita legitimação por parte de quem tem o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República».
É que para eles, prosseguiu, Portugal é o nome de um «território onde vive uma população que a tudo pode ser sujeita em nome da exploração e da especulação». Já a soberania «una e indivisível» reside, para eles, nos mercados e «deve prosseguir os seus interesses, visando a exploração do trabalho, a especulação, o saque sobre o erário público e o património nacional, a degradação das condições de vida».
Para estes, continuou Francisco Lopes, o povo pode votar «desde que não ponha em causa os princípios e interesses da apropriação privada do trabalho e do lucros dos grupos económicos e financeiros, inerentes ao capitalismo», assim como o pluralismo de expressão e organização política «deve ser entendido enquanto oportunidade de mostrar a sua existência e desde que não assuma a dimensão que ponha em causa o pensamento e a opinião favorável ao capital».
Nesta outra constituição, o governo «deve servir os mercados, agradar aos mercados e em todas as circunstâncias pôr os interesses destes acima dos interesses do povo e do País». São mesmo os próprios governantes que o confessam, alertou Francisco Lopes – são eles próprios a dizer que «governam em primeiro lugar para os mercados e para conquistarem a sua confiança, para os mercados que são o capital, a especulação e a espoliação organizada».
O candidato presidencial apoiado pelo PCP não se esqueceu de visar o actual Presidente da República, que segue também esta constituição. Apesar de a Constituição, a real, consagrar ao Presidente da República a responsabilidade de ser o garante da independência nacional, Francisco Lopes acusou Cavaco Silva de ser o garante de outra coisa: da política de direita, da subserviência do País e do seu declínio, da abdicação dos interesses nacionais perante as exigências do estrangeiro, da acumulação dos lucros para uns e das dificuldades para os restantes.
Abrir as portas do futuro
Nada dado a fatalismos e resignações, Francisco Lopes afirmou que a prática política bem pode ter sido esta, mas não tem de continuar a ser: «a situação actual e o futuro de Portugal exigem a aplicação plena dos preceitos constitucionais, fundamentos essenciais da pátria portuguesa, da soberania do povo. Para romper com a injustiça social, a subserviência e o declínio nacional e abrir as portas do futuro, é preciso concretizar esses fundamentos constitucionais.» O problema, garantiu, não está na Constituição, mas nos «projectos e práticas políticas que a põem em causa», por mais que uns proponham a «subversão do texto fundamental e que outros, aparentando opor-se-lhes, realizem uma prática que a desrespeita todos os dias».
Segundo o candidato, o «impulso de liberdade, democracia e independência que esteve associado ao advento da República e a que Revolução de Abril deu expressão singular, dá um significado particular à expressão do Hino Nacional Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal». Um esplendor que nada tem de nostálgico, frisou, mas de luta, de confiança, de «esperança combativa, para os dias de hoje e os avanços que se impõem». É, assim, o esplendor do desenvolvimento, do pleno emprego, dos direitos dos trabalhadores e do povo, dos direitos democráticos, dos serviços públicos, da soberania popular, da independência nacional, de uma política de paz, cooperação e amizade com os outros povos.
Como candidato que preconiza «ruptura e mudança e defende um projecto político patriótico e de esquerda», Francisco Lopes realçou que o 5 de Outubro, como o 25 de Abril, mostram que as «portas do futuro podem sempre ser abertas, quando o povo quer e quando o povo quiser», enquanto manifestava a sua confiança na possibilidade de «abrir essas portas, concretizar a vontade e as aspirações populares e responder às necessidades nacionais». Tarefa que, reafirmou, «está nas mãos do povo».
O povo é e será o obreiro
do progresso social
Não foi por acaso, nem muito menos por lapso, que o candidato presidencial apoiado pelo PCP escolheu o dia 4 para assinalar, em Almada, o centenário da Revolução Republicana. É que naquele concelho, como no Barreiro, Montijo, Moita e Loures, o estandarte republicano foi hasteado precisamente nesse dia – e, no caso de Almada, no Castelo, onde Francisco Lopes leu a sua declaração.
Na manhã desse dia 4 de Outubro de 1910, em Almada, dirigentes republicanos, acompanhados por uma crescente massa humana, foram de fábrica em fábrica ganhando o apoio dos operários para a causa da República. «Juntando muitos milhares de participantes e incorporando bandas filarmónicas, dirigem-se à Câmara Municipal, à Administração do Concelho e ao Castelo, em cujos mastros as bandeiras da monarquia são substituídas pelas bandeiras dos centros republicanos», lembrou o candidato.
Para Francisco Lopes, estes acontecimentos revelam, por um lado, a «dimensão e isolamento da monarquia e o apoio popular à República» e, por outro, o importante papel do movimento operário no êxito da Revolução. Assim, com a escolha do local e da data, a candidatura homenageava, também, o «papel dos operários, dos trabalhadores, da população de Almada ao longo do último século e de todos aqueles que, por todo o País, foram e são obreiros do progresso social».
Em seguida, destacando as «significativas mudanças» operadas pela República, Francisco Lopes chamou a atenção para as suas limitações: o poder político voltou-se rapidamente contra os trabalhadores e suas organizações, defraudou expectativas e deixou praticamente intactas as estruturas económicas e sociais.
Apesar disso, e combatendo «concepções e apreciações laudatórias» patentes nas comemorações oficiais, Francisco Lopes afirmou ser igualmente fundamental contrariar as linhas de ataque a esta fase da história nacional, que «visam justificar o golpe militar de 1926, a instauração do fascismo, ocultar o seu carácter odioso, esconder o atraso e as injustiças a que condenou o País e branquear os seus crimes».