- Nº 1921 (2010/09/23)

Os corajosos

Opinião

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa de seu nome, disse há dias em entrevista à Antena 1 que a «situação dos bancos é complicada, como nunca o foi anteriormente, nem mesmo no pico da crise». Mais disse o sr. Sousa que «neste momento a situação da banca portuguesa está altamente fragilizada, e que a continuação das taxas de juro da dívida pública aos níveis a que tem vindo a estar nos últimos meses» deixa o sistema bancário português numa situação «muito complexa», coisa que pode resultar numa transferência de custos para os clientes.

O sr. Sousa, na referida entrevista, não se limitou a apresentar as pungentes queixas da associação a que preside; longe disso, fez questão de apontar «soluções», indicar «caminhos», como por exemplo proceder a uma redução de salários entre cinco e 10 por cento (menos de cinco seria irrelevante e mais de dez excessivo, na sua óptica). Ao que parece, uma tal medida ajudaria a mudar a credibilidade do País nos mercados financeiros internacionais, fundamental para a saúde do sistema bancário português, porque – diz Sousa – «se os investidores não voltarem a Portugal a situação tornar-se-á bastante complexa», uma vez que «pura e simplesmente, os bancos não terão dinheiro para emprestar».

As preocupações do sr. Sousa são muito compreensíveis, tal como é compreensível a prontidão com que o Governo, através do ministro da Economia Vieira da Silva, veio garantir estar a trabalhar para evitar que a banca esteja «fragilizada» e que se veja obrigada a restringir a concessão de créditos.

Aliás, nem outra coisa seria de esperar.

Ou será que alguém julga que é fruto do acaso o facto de os bancos portugueses, no seu conjunto, terem tido um lucro de 1725 milhões de euros em 2009 (dados da Associação Portuguesa de Bancos, presidida pelo sr. Sousa), e de sobre esses lucros terem pago apenas 74 milhões de euros de impostos (4,3%)?

Ou que foi por algum milagre de gestão que os bancos privados BCP, BES e BPI – só no primeiro semestre deste ano – lucraram 545 milhões de euros, mais 62 milhões do arrecadado no mesmo semestre de 2009?

Ou que foi por obra e graça do espírito santo, como soe dizer-se, que no quinquénio 2004-2009 o lucro ilíquido de toda a banca foi de 13 425 milhões de euros?

Isto de milagres já não é o que era. Agora, quem os quer, tem de se esforçar e meter mãos à obra, como por exemplo está a fazer o sr. António Saraiva, presidente da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa – que diz ser «tempo de, corajosamente, se tomarem medidas porque não se deseja que o FMI nos venha dar a ajuda que nós precisamos». Ou como o sr. Joel Hasse Ferreira, da comissão política do PS, para quem a redução das despesas na Administração Pública «deve passar pela redução dos salários»; ou ainda o sr. Ernâni Lopes, que não vê outra «margem de manobra» para além dos cortes salariais, e lembra que «os salários da função pública já baixaram no último ano e que, em 1983, o corte foi da ordem dos 10 por cento ou mais».

Mais do mesmo para os mesmos, dirão os suspeitos do costume, lá que tanta «coragem» impressiona, lá isso impressiona.

Anabela Fino