«História de sucesso»

José Casanova

Numa mesma página do Diário de Notícias, lado a lado, dois textos abordando o mesmo tema.

O primeiro é assinado pelo Embaixador da Colômbia em Portugal. O segundo é da autoria de «Andrés Malamud, Investigador no Inst. de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa».

O tema é a Colômbia; o pretexto é a tomada de posse do novo presidente, Juan Manuel Santos, que sucede no cargo ao seu chefe, Álvaro Uribe – e ambos os textos constituem entusiásticos louvores à democracia colombiana e ao seu construtor-chefe, Uribe.

Curiosamente, o texto do «investigador» - que mais parece um daqueles panfletos de propaganda que nos metem na caixa do correio a dizer maravilhas da mercadoria que nos querem impingir - supera largamente o do «embaixador», quer na avaliação altamente positiva que faz à evolução da situação naquele país no reinado de Uribe; quer, sobretudo, no desbragado panegírico ao êxito da sua governação - êxito que «elevou a Colômbia da categoria de pária à de história de sucesso».

Uma «história de sucesso» que - investigou o «investigador» - se exibe em três vertentes: «democracia política, boa governação e inserção internacional» - e que assenta num facto básico essencial: «enquanto o continente virava à esquerda, a Colômbia concentrou-se na luta contra os seus inimigos internos».

Assim, escreve o «investigador» concluindo a investigação, «o pária, agora, habita na sua fronteira». Obama não diria melhor...

Sobre os mais de 30 mil «desaparecidos» que, em milhares de casos, «aparecem», depois, enterrados em valas comuns - ou não «aparecem» porque os seus corpos foram incinerados em modernos fornos crematórios, capazes de fazer inveja aos utilizados por Hitler, o «investigador» nada sabe. Nem sobre os milhares de dirigentes sindicais, sociais e camponeses pura e simplesmente assassinados. Nem sobre os milhares de «falsos positivos», isto é, jovens assassinados e apresentados como «guerrilheiros mortos em combate» …

Basta-lhe saber que a Colômbia de Uribe/Santos, graças a uma exemplar «inserção internacional» - que faz dela o mais servil lacaio do imperialismo norte-americano no continente - é uma «história de sucesso».



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