O «gasto» de energia

Francisco Silva
O gasto de energia foi ganhando nos últimos tempos conotações de culpa, de quase pecado, por parte das pessoas consumidoras, sobretudo as pessoas classificáveis nas muito referidas classes médias - ficando elas colocadas, assim, perante o categórico império de reagir no sentido da remissão deste seu pecado contra a deusa Gaia. Das pessoas, quer-se portanto dizer, da maior parte das pessoas - isto é, dos trabalhadores, dos empregados, dos desempregados teoricamente empregáveis, dos reformados, bom, da maioria do Povo. E, não obstante não serem estas as pessoas que determinam as grandes linhas dos modos de produzir e consumir energia, de como elas têm de comutar entre a residência e o local de trabalho ou a agência de desemprego, de como devem fazer para não morrer de frio ou de calor, são eles, os «populares» travestidos de classes médias, os princiopais indiciados pelo grande crime de destruir a Terra, por encher de carbono, vejam lá, a atmosfera.... por induzirem o tal aquecimento global, se bem que, agora, este conceito se encontre perante um certo descrédito devido às correspondentes afirmações «científicas» - um «aquecimento» agora mais escondido por trás do frio de que vamos usufruindo nos invernos, enfim um aquecimento global agora mais travestido de genéricas e malvadas mudanças, mudanças não, alterações climáticas. E não é que o escrevente destas linhas não ache que não se deva caminhar para uma nova «racionalização» dos modos de produzir e de consumir energia, até por que, por exemplo, fontes como o petróleo não deverão continuar, para sempre, a poder ser gastas assim do modo como tem sido. Uma «racionalização» que não poderá ser a «eficiente racionalização» dos mercados financeiros. É que se for para continuar a confiar em que os mercados a longo prazo são sempre «racionais» - como diz a rapaziada de senhoritos financeiros -, então ficamos condenados à espera de ver acontecer a «racionalidade» do desastre, ah, para contemplarmos a sua evidência. Ou como também se poderia alegoricamente referir sobre a racionalidade da trajectória de um paquete que já se sabia que ia bater num enorme glaciar, mas que não deve ser desviado da sua trajectória por mão humana antes, senão não podemos confirmar a realidade racional da catástrofe provocada pela «mão invisível». Nem sequer acha o escrevente deste texto que, de um modo geral, as pessoas, os consumidores que acima referimos, não devam conscencializar-se dos problemas energéticos induzidos pelo actual estado de coisas, até para social e politicamente poderem continuar a trabalhar para o constrangimento dos poderes a seguir por um caminho diferente do até agora percorrido, incluindo o dos poderes dos senhores que manejam o dinheiro e dos seus comandados nas diversas esferas, a começar pela esfera política, um caminho que aponte para uma «optimização da alocação dos recursos financeiros» - para me referir no «clarinho» jargão tecnocrático habitual - que não seja a mecanismo de «alocação» simplesmente ditado pela tal mão invisível. E no entanto parece poder crescer um movimento tendente a uma reorientação sustentável nas áreas da produção, distribuição e consumo de energia. Por um lado, são as vozes das pessoas que se vão fazendo sentir, sempre vão fazendo a sua mossa; é a luta, como sempre, a ir dando os seus resultados (além de uma parte dos senhores dos poderes também recear que a coisa das alterações climáticas lhes possa tocar nas suas próprias condições de vida!). Por outro lado, é o petróleo e a problemática do seu «pico», por muito espectaculares que possam ser os progressos científico - técnicos nas áreas da sua prospecção e extracção - e realmente são -, que impressionam inclusivamente uma boa parte dos responsáveis, por muito que seja procurado dissimular esta questão na esfera público-mediática. A que correspondem nas respostas a esta problemática não apenas a via das fontes energéticas alternativas e renováveis, que vão alcançando uma atenção crescente - como solução para o lidar quer com a diminuição de produção de CO2 quer com a finitude dos correspondentes recursos energéticos -, como ainda as enormes possibilidades de eficiência de utilização dos meios energéticos. Com efeito, esta via está a posicionar-se com grande rapidez e em diversos sectores, a começar pela própria actividade de produção, distribuição e consumo de energia - fala-se mesmo de «redes inteligentes» («smart grids») como base estruturante de um desenvolvimento sustentável. Será assim mesmo?


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