Cultura

Um ano em passo de corrida

Manuel Augusto Araújo
Polémica marcante foi e é a do Museu dos Coches. Sintomática de uma política cultural ausente ou, na melhor das hipóteses, fraca e sem rumo. Do ponto de vista museológico e cultural um novo Museu dos Coches é uma inutilidade. Sintomático é ser iniciativa do Ministério da Economia e Inovação e o Ministério da Cultura não ter sido ouvido. Aliás o MEI, cheio de empáfia, fez várias incursões «culturais» como o Allgarve. Como explicou uma luminária da área do turismo aos que contestavam essa decisão, em nome de uma política cultural e dos museus, quem tem dinheiro é quem manda. Há sempre um idiota conhecido à nossa espera. A agravar a questão o projecto é um imenso parque de estacionamento incaracterístico. Projecto entregue, na lógica do star-system, a um arquitecto com obra, teórica e construída, importante e que curiosamente tem contestado esse sistema (…) «Faz prédio, ganha prémio, parecem cavalos de raça: arquitectura, prémio, medalha» (1)… a tentação é sempre mais forte, os resultados nem sempre os melhores…depois surge o pior que pode acontecer, a defesa corporativa.
Se esse assunto merece ser destacado pelos efeitos que se irão fazer sentir, um abanão destes provoca imensas réplicas a vários níveis durante vários anos, há uma exposição que marca 2009: Anos 70: Atravessar Fronteiras. Organizada por Raquel Henriques da Silva, em colaboração com Ana Ruivo e Ana Candeias, faz uma revisão inteligentíssima desses anos mostrando as linhas de inquietação que atravessavam as artes plásticas, das obras de intervenção aos trabalhos experimentais, situando-os no espaço sócio económico, do choque petrolífero mundial de 1973 à euforia bem portuguesa da revolução do 25 de Abril. Muitos artistas continuam conhecidos, as surpresas fazem-se com os que foram atirados para zonas de sombra. Nessa exposição percebe-se claramente o anúncio do que se viria a institucionalizar nos anos seguintes, por vezes num academismo confrangedor que nem a muita literatura dita de crítica, a mais das vezes repetitiva e chata até ao mais pornográfico bocejo, resgata por mais que seja o pensamento dominante e quase único, nos média. Para o demonstrar Serralves, comemorando os 10 anos de Museu e 20 de Fundação, montou exposições com o seu acervo. Pouco a pouco as suas 1500 foram quase todas reveladas. Em números, diz o seu director, custaram 15 milhões e hoje valem 59 milhões. É e não é relevante. Relevante é a composição das contribuições para essa verba. O contribuinte maior, mais de 60% é directamente o Estado. Em segundo lugar a Fundação, onde figuram entidades privadas e novamente o Estado, com cerca de 30%. O outro contribuinte, com pouco mais de 10%, é a Câmara Municipal do Porto. Concluindo, é o sector público, central e autárquico, a trave mestra financeira da Fundação de Serralves. Tal como já tinha sido o Estado a suportar o quase milhão de contos que a obra do Museu custou a mais, depois de ser o principal suporte financeiro da sua construção. No entanto, vende-se a imagem pública de Serralves como o triunfo da gestão cultural privada. Vende-se Serralves como o paradigma da virtude das parcerias público-privadas não referindo a discrepância entre os apoios estatais, directos e indirectos, a Serralves ou à colecção Berardo, quando comparados com os atribuídos a outros museus. Há que manter ao transe a imagem da virtude da gestão privada agora em frangalhos com a crise económica mundial que se vive. Quanto aos números avançados deveremos estar alertados pelo carrossel da Fundação Ellipse. Para já fica o travo amargo de decepção ao ver, em conjunto, o acervo, com excepções que mais sublinham a regra.
Outras coisas positivas, como a polémica que estalou com o que se preparava para acontecer ao Museu de Arte Popular, a exposição «A Evolução de Darwin» ou a Casa das Histórias de Paula Rego e loisas negativas, como uma coisa pomposamente intitulada MUDE, Museu do Design e da Moda, que não se rege por nenhum critério museológico ou se afigura ser guiada por um critério qualquer, poderiam ser referidas neste passo de corrida. A finalizar um grande sobressalto que não parece mas tem tudo a ver com a cultura, as artes, o nosso ambiente sociocultural. A revista Única do Expresso inicia 2010 com uma capa dedicada a «Uma década (?) vista por quem sabe». Capa assim comentada pelo director da publicação (…) «Pedimo-la à artista plástica Joana Vasconcelos. Esta não só fez um magnífico e gracioso trabalho original como, fazendo jus à ideia de que a arte anda sempre adiante da vida, destacou o ano de 2010 em que vamos entrar por contraponto aos 10 sobre os quais versamos. É uma capa de amanhã, literalmente.»
Ora bolas! Aquilo não é desenho de uma artista plástica, é de uma artista de plástico! Nenhum jornal, por mais rasca que seja, merece aquela capa. Só uma tremenda falta de sentido crítico ou a sua obliteração possibilita proclamações daquele jaez. Se isto é uma capa de amanhã, o amanhã é literalmente uma m…. Ou será o espelho em que a nossa imprensa dita de referência se revê?


(1) Paulo Mendes da Rocha, Técnica e Sensibilidade, Arquitectura e Vida, n.º 66, Dezembro 2005.


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