Significado e funções do associativismo desportivo (2)

A. Mello de Carvalho
A associação deve actuar na área em que nenhuma outra instituição se revela apta para fornecer resposta adequada. Por «resposta adequada» deve entender-se aqui, não só o carácter técnico de que ela se reveste, mas também o conjunto de funções por ela desempenhada. Além disso, é indispensável conhecer, ao situarmo-nos no âmbito da difusão da prática das actividades físico-desportivas nas camadas populares, a situação financeira em que tudo se desenrola.
Jogando com este conjunto de elementos, rapidamente se verifica que nenhuma outra instituição, para além do clube, pode fornecer uma resposta minimamente aceitável a este problema. Não basta, é claro, afirmar que se trata de uma área que não pode ser tomada em consideração, quer pelas estruturas administrativas (pois seria liquidada uma ampla parte do significado das próprias actividades) quer pelas de carácter empresarial (pois a sua debilidade económica contraria as finalidades de gestão da empresa).
Através da sua evolução é possível que o desporto veja surgir um novo conjunto de soluções para sua prática, no futuro, a médio e a longo prazos. Desenham-se já novas áreas e formas sociais de intervenção. Mas, de qualquer modo, é indispensável não esquecer, ou desconhecer, a caracterização dessas soluções com a finalidade de se determinar se elas servem o indivíduo ou se servem dele. Nesta perspectiva o clube é absolutamente insubstituível porque só através dele se conseguirão estruturar as funções que lhe foram atribuídas.
Talvez as estruturas empresariais venham a generalizar a sua acção, abarcando um grupo populacional mais vasto. Mas, num momento em que se verifica o alargamento de vastas zonas de carência e de pobreza (os «novos pobres» e os «novos quartos mundos»), e a crise faz emergir antigos problemas e dá origem a novas questões, não se afigura provável que o processo de verdadeira democratização da prática desportiva vá passar por esta solução. Mas, além disso, estas estruturas estarão sempre essencialmente preocupadas com a mercadoria (ou com o «produto» ou com o «objecto») e condicionadas pela racionalidade lucrativa por esta imposta.
Ora, o clube assenta os seus pressupostos em algo que tendo a ver com a «procura», ultrapassa o seu exclusivo significado como «produto». A colagem às necessidades, factor decisivo para a justeza do seu funcionamento, não se pode referir unicamente às de carácter objectal e material. O que está em causa no associativismo é a sua capacidade de resposta ao solidário, a sua preocupação com a pessoa, com o elemento formativo de carácter relacional. De facto, são eles que criam o «humus» indispensável à eclosão de importantes aspectos do progresso humano, ao constituírem-se como factor de humanização.
No sector do desporto o associativismo continuará a desempenhar um papel insubstituível enquanto for concebido como resposta específica a esta última preocupação. Certamente que, por exemplo, a área escolar tenderá (esperamos) a preencher, progressivamente, uma função que tem desempenhado muito deficientemente. Mas, mesmo aí, e naquilo que se refere ao desporto escolar, o associativismo assume um papel fundamental como elemento formativo (em nossa opinião não pode existir autêntico desporto escolar fora do quadro associativo).
Se, pelo contrário, o desporto se for afastando destas preocupações, e passar a assumir um exclusivo significado de «mercadoria», capaz de responder à procura, é natural que o associativismo venha a desaparecer. Mas, em relação às camadas populares mais desfavorecidas (que são a maioria da população) mesmo uma mais que hipotética reviravolta na estratégia capitalista não permite pensar que a acção do «privado» possa fornecer a resposta mais adequada. Por isso, o que importa, é reconhecer e acentuar o carácter de «serviço público» desempenhado pelo associativismo e promover o seu apoio e o seu desenvolvimento, aliás, respondendo àquilo que constitucionalmente está definido (o Estado é responsável pelo desenvolvimento desportivo com o apoio dos clubes, nos quais delega essa função).
Desta forma, e pelo significado social assumido pelo associativismo e pelo desempenho das funções já referidas, é possível afirmar que o desporto popular é sinónimo de associativismo. Sem este, aquele não poderá existir.
Mas não é só no âmbito do desporto popular e do desporto escolar que o associativismo encontra uma área própria para se exprimir. Em qualquer área da cultura, e em várias outras áreas de actividade humana, a associação voluntária dos indivíduos, com finalidades não lucrativas, constituirá sempre um dos elementos fundamentais da democracia.


Mais artigos de: Argumentos

Pela boca morre o peixe...

Ainda o ano é um menino e já o País mergulha num turbilhão de palavreado e confusão. Sem uma só excepção, os órgãos que detêm o poder dizem e desdizem-se com a desfaçatez de quem paira acima de todas as suspeitas. É ler-se as entrevistas dos banqueiros e dos bispos ou as mensagens da quadra de Natal. Os grandes senhores...

Recidiva

Voltaram recentemente algumas vozes, faladas ou escritas, para o caso tanto faz, a preconizar a privatização da RTP, ou melhor, da RTP1, a fatia mais apetitosa da velha Radiotelevisão Portuguesa, agora integrada numa empresa mais ampla que lhe manteve a sigla mas também absorveu a rádio pública, como aliás bem se sabe. A...