20 anos depois do derrube do Muro de Berlim

Insatisfação reina no capitalismo

Hugo Janeiro
A insatisfação com o capitalismo é generalizada. As movimentações de massas, os protestos e revoltas populares, a crescente luta dos trabalhadores contra mais e maior exploração, e o reforço do apoio aos que propõem projectos democráticos e de soberania nacional, progressistas e até revolucionários já nos indicavam este facto. Agora é uma pesquisa difundida pela BBC que confirma que só uma pequena minoria defende o sistema tal como é apresentado - triunfante e cheio de futuro - pela propaganda das classe dominantes.

A percentagem dos reclamam outro sistema é surpreendente face à espessa campanha ideológica das classes dominantes

Uma pesquisa conduzida para a cadeia de televisão BBC pela GlobeScan, associada ao Programa Internacional de Atitudes Políticas da Universidade de Maryland, concluiu que, em média, apenas 11 por cento dos mais de 29 mil inquiridos consideram que o capitalismo funciona bem e que esforços visando a sua regulação só tornarão o sistema mais ineficiente.
Das entrevistas conduzidas face-a-face ou através de inquérito telefónico, entre 19 de Junho e 13 de Outubro deste ano, resulta, também, que, em apenas duas das nações consideradas os que partilham desta opinião ultrapassam a barreira dos 20 por cento – 25 por cento nos EUA e 21 por cento no Paquistão. Na maioria dos países, 15 em 27, o total dos que apreciam o desempenho do capitalismo rejeitando qualquer regulação é inferior ou igual a 11 por cento.
Ainda quanto à visão do capitalismo de «livre mercado» (conceito vertido na pergunta da GlobeScan), a opinião mais popular é a de que o sistema contém problemas que podem ser colmatados através de regulação e reformas. Neste sentido manifestam-se, em média, 51 por cento dos inquiridos nos 27 países.
Uma análise semelhante à anterior, mostra que, em 15 dos 27 países incluídos no estudo, a resolução dos problemas do capitalismo através da regulação e das reformas recolhe percentagens acima da média, com os maiores entusiastas a surgirem na Alemanha, 75 por cento.

Outro sistema é necessário

Os germânicos são, neste inquérito, a par dos japoneses, também os que menos acreditam que o capitalismo está condenado e que outro sistema económico é necessário, com 8 e 9 por cento, respectivamente. Não quer isto dizer que alemães e nipónicos estejam satisfeitos com a actual situação, uma vez que a hipótese de um sistema reformado e regulado atinge aqui percentagens robustas de 75 e 66 por cento.
Mas além dos inquiridos nestes dois países, na maioria dos restantes 25 territórios a percentagem dos que não vêem futuro no actual sistema é surpreendente - em média 23 por cento - sobretudo se tivermos em conta a espessa campanha que há gerações promove a ideologia capitalista.
Em 11 países, a percentagem dos que acreditam que o capitalismo está falido e que outro sistema é necessário ultrapassa mesmo a média. Noutros dois, Índia e Rússia, a percentagem é igual à média. Na República Checa, Polónia e Turquia, a percentagem fica apenas um ponto percentual abaixo da média.
Destaque para os dados recolhidos na França, 43 por cento, no México, 38 por cento, no Brasil, 35 por cento, e na Ucrânia, 31 por cento. Em países como o Quénia, a Nigéria, a Espanha, a Itália, o Panamá e a Costa Rica, os que olham para um sistema falido reclamando um novo em seu lugar situam-se entre os 25 e os 31 por cento. No Egipto essa é igualmente a resposta de quase um quarto da população, 24 por cento.

Maioria deseja Estado interventivo

Se o estudo difundido pela BBC apresenta números surpreendentes quanto aos que acreditam no esgotamento do capitalismo enquanto sistema, sendo partidários de um outro, alternativo, não é menos verdade que, em média, 51 por cento crêem na validade da sua regulação e de reformas. Importa, por isso, notar alguns dados que nos indicam pistas sobre o que disseram a maioria dos inquiridos sobres estes aspectos.
A GlobScan «descasca» a questão centrando-se no papel dos Estados nessas reformas e regulação, perguntando se os governos devem ter um papel mais activo na propriedade ou controlo dos principais sectores produtivos, na distribuição mais equitativa da riqueza (sublinhados nossos), ou na regulação dos negócios.
A maioria dos inquiridos quer os respectivos governos com um papel mais activo na detenção dos principais sectores produtivos, cenário observado em 15 dos 27 países. Esta visão é particularmente defendida nas ex-repúblicas soviéticas incluídas na pesquisa, a Rússia (77 por cento) e a Ucrânia (75 por cento), mas igualmente no Chile (72 por cento), Indonésia (65 por cento), Brasil (64 por cento), Panamá (63 por cento), Costa Rica e México (ambos com 61 por cento), França (57 por cento) e Egipto (55 por cento). Na República Checa e na Itália, as percentagens são de 54 e 53 por cento, respectivamente.
Somente nos EUA (52 por cento), na Filipinas (54 por cento), e na Turquia (72 por cento), a maioria dos inquiridos não confia ao Estado a detenção dos sectores-chave da economia, e apenas no Japão se defende, com maioria relativa (39 por cento), porém, a manutenção do actual papel do Estado.
No que diz respeito à distribuição mais equitativa da riqueza por parte do Estado, as respostas são claras. Em média, 67 por cento dos entrevistados defende esta iniciativa. Em 22 dos 27 países, essa é a opinião maioritária, com valores esmagadores de mais de três em cada quatro pessoas no México (92 por cento), Chile (91 por cento), Brasil e Itália (89 por cento), França (87 por cento), Espanha (83 por cento), Costa Rica (82 por cento), Panamá e Ucrânia (80 por cento), Quénia (79 por cento), Alemanha (77 por cento) e Rússia (76 por cento).
Entre os restantes dez países cujos entrevistados consideram que o Estado deve ter um desempenho central na distribuição da riqueza produzida, três apresentam percentagens acima dos 70 por cento e quatro acima dos 60 por cento. Os japoneses são os mais cépticos entre os maioritários, 51 por cento, e os turcos não confiariam ao Estado o papel de redistribuição da riqueza, com 75 por cento a defenderem um papel menos activo neste campo.
Finalmente, quanto à chamada «regulação dos negócios» (outro conceito vertido pela GlobeScan) no sistema capitalista, a proporção dos que pretendem que o governo tenha um papel mais activo é também maioritária - 17 em 27 países. Percentagens acima dos dois terços registam-se no Brasil (87 por cento), Chile (84 por cento), França (76 por cento), Espanha (73 por cento), China, Costa Rica e Panamá (71 por cento), Itália (70 por cento), Rússia (68 por cento) e Indonésia (67 por cento). Os demais, Quénia, México, Nigéria e Egipto apresentam percentagens acima dos 60 por cento; Ucrânia, Grã-Bretanha e Austrália variam entre os 54 e os 59 por cento.

Duas palavras

Dada a avassaladora e permanente campanha apologética das virtudes do livre mercado que tem atravessado gerações, seria suposto que a maioria dos inquiridos rejeitasse que o Estado - qualificado pelos propagandista do sistema como «um entrave à vitalidade das forças da economia» - assumisse um papel regulador mais interveniente.
Expressões repetidas pelo capital indicando igualmente o Estado como «centralizador», «ineficiente» e «despesista», também não fariam supor que a maioria dos inquiridos defendesse o controlo público dos sectores-chave da economia e um papel activo na distribuição mais equitativa da riqueza. Mas é isso que nos dizem estes os dados do estudo da GlobeScan.
Se deles não inferimos que a maioria da população nos 27 países compreende que o Estado burguês é um instrumento das classes dominantes e que, por isso, o seu carácter não é reformável enquanto persistir a contradição entre a produção social e a propriedade privada dos meios de produção, não deixa de ser verdade que a maioria parece contrariar o suposto consenso em torno do liberalismo e do «mercado livre» invadindo todas as dimensões da vida humana fazendo de tudo objecto de transacção e lucro privado.
Em países onde a construção do primeiro Estado proletário do mundo ainda tem sedimento histórico, as percentagens dizem que o assalto capitalista aos sectores produtivos antes controlados pelo Estado não convence.
Por outro lado, é certo que a expressão «sistema económico alternativo» diz pouco da natureza de classe do mesmo, mas quem diria que decorridas duas décadas após o derrube do Muro de Berlim - publicados milhares de livros, vertidas sobre a consciência colectiva toneladas de propaganda nas mais diversas plataformas de comunicação e informação; repetidas mil vezes mentiras e deturpações sobre o Socialismo, e, com o mesmo intuito, ocultada ou mistificada a corda de vítimas e miseráveis que o sistema predador e injusto gera - 23 por cento dos inquiridos lhe apontassem o dedo, afirmando que a nudez que ostenta não é ilusão, é verdadeira, real e reclama superação.
O capitalismo não cairá de maduro e a burguesia e os seus serventuários tudo farão para manter o poder de explorar. Este inquérito também não nos diz que as massas esperam uma palavra de ordem para agir rompendo com dominação de classe. Mas pelo menos confirmamos, pela mão dos que nos costumam intoxicar com mentiras e meias verdades, que um crescente número de pessoas deduz que a manta está curta para tapar o sistema, cuja falência é cada vez mais evidente, reclamando a luta e o reforço das forças revolucionárias e progressistas que se propõem transformá-lo.

Urge esclarecer

A pesquisa difundida pelo canal público britânico também questionou sobre se a destruição da URSS foi «fundamentalmente uma coisa boa» ou «má». Esta é a visão maioritária em 15 países, mas, calculando a média ponderada dos 27, concluímos ainda que 22 por cento diz que foi um acontecimento nocivo, enquanto 24 por cento, igualmente em média, não sabe responder ou afirma não ter a certeza.
Dados de crucial importância são os que indicam que entre os países do antigo Tratado de Varsóvia, a maioria dos russos, 61 por cento, e dos ucranianos, 54 por cento, defendem que a destruição da URSS foi um acontecimento negativo. Em contraste, 80 por cento dos polacos e 63 por cento dos checos consideram positiva a destruição da URSS, acompanhando a visão dominante em todos os países da América do Norte e da Europa Ocidental incluídos no estudo.
Por outro lado, fora do círculo Ocidental, 69 por cento dos Egípcios dizem que a derrota da URSS foi negativa, enquanto que na Turquia, Quénia, Índia, Paquistão e Indonésia a opinião se divide. Nestes últimos quatro, as percentagens de respostas «não sei» e «não tenho a certeza» atingem valores de 46, 36, 42 e 41 por cento, respectivamente, ultrapassando as percentagens dos que consideram a derrota da URSS «uma coisa boa». Ainda neste quarteto, a percentagem dos que valoram de forma negativa o desaparecimento do Socialismo na União Soviética também é superior aos que o valoram de forma positiva.
Nas Filipinas, a incerteza ronda os 39 por cento, no Panamá 36 por cento, e no México 42 por cento, indicadores que, considerados conjuntamente com os anteriormente apresentados, fazem crer que entre os povos espoliados pelos centros capitalistas, o sentimento dominante para com a derrota da URSS é o da perda de um processo fundamentalmente bom para os seus interesses ou, sobretudo, a dúvida sobre se o alegado triunfo do capitalismo não os terá deixado mais vulneráveis à exploração imperialista.
Também neste aspecto, os dados da GlobeScan mostram a dimensão das tarefas dos comunistas e as potencialidades do combate ideológico para o esclarecimento sobre o processo revolucionário soviético e a construção do Socialismo como alternativa.


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