Azinhagas do Poder...

Jorge Messias
Em tempos que já lá vão, as linhas dos caminhos de ferro eram atravessadas pelos peões, à flor da pele. Havia acidentes trágicos e para os evitar foram colocados nas passagens de nível grandes letreiros que sugeriam ao cidadão que parasse, escutasse e olhasse, antes de atravessar. Só que, por vezes, os letreiros estavam pessimamente localizados, por exemplo, logo a seguir a uma curva que encobria a aproximação da locomotiva. O peão não podia aperceber-se do perigo eminente que corria. Se fosse surdo, não ouvia e quando olhava e via já era tarde demais. Esta imagem que nos ficou do passado pode perfeitamente servir para ilustrar perigos de outra ordem, no presente.
O PS vai ser chamado a fazer delicados malabarismos no Governo. Como em democracia ninguém governa sozinho e Sócrates precisa de parecer respeitar a cosmética «democrática», o novo Governo terá de recorrer a matrimónios secretos que permitam, passo a passo, prosseguir a sua política de entrega do Estado ao grande capital. É evidente que a sua primeira preocupação será a de fazer passar na opinião pública uma imagem de conversão à esquerda e de uma tomada de consciência da «questão social». Sócrates, o homem das mil caras, já nos habituou, aliás, a sucessivas mudanças de máscara: arrogante, humilde, autoritário, dialogante, tirânico, sensível, etc. Se conseguir enganar o povo uma outra vez fica o caminho aberto para jogar nas alianças secretas e para impor por via indirecta o seu vincado autoritarismo. De resto, esta estratégia não é a primeira vez que acontece em Portugal, longe disso. Não se deve identificar, por exemplo, o golpe militar do 28 de Maio, com uma fulminante imposição do Estado Novo. Sete anos decorreram entre a intentona de Braga e a Constituição fascista de 1933. Tempo suficiente para lançar os sucessivos golpes que levaram à destruição do movimento operário e sindical, à mordaça da censura prévia e à formação dos grandes cartéis político-financeiros. Se é certo que a História não se repete mecanicamente e o enquadramento mundial não é o mesmo que o de 1933, não devemos subestimar estes sinais. Aos trabalhadores impõe-se, pois, parar por uma fracção de segundo, escutar, olhar e, sobretudo, agir.

A «Igreja So­li­dária»

Meia dúzia de linhas, numa micronotícia do interior de um só jornal, permitiram saber que na antevéspera da divulgação do novo elenco do governo tinha havido uma reunião entre Sócrates, Vieira da Silva, D. Januário e um outro bispo. Não foi divulgado qualquer comunicado oficial sobre o que lá se disse ao longo de hora e meia de conversa amena. Tratou-se, no entanto e sem qualquer dúvida, da abordagem de negócios pendentes. Sócrates precisa de parecer socialista e preocupar-se com a pobreza e com o desemprego. À Igreja compete ocultar incómodos investimentos que mergulham raízes em escândalos e mentiras. Recolher-se em oração para apagar as pistas das suas relações com os «paraísos fiscais», os seus envolvimentos com as sociedades secretas e com a banca corrupta, garantindo livre curso aos mananciais que jorram permanentemente das fontes do poder político.
Há evidentes relações do interesses deste tipo que facilitam, na conjuntura actual, a aproximação entre um governo aparentemente isolado e uma igreja desmobilizada e em grave crise doutrinal mas com uma economia florescente. São naipes de interesses que partilham a necessidade comum de ocultarem as realidades e desenvolverem, na sombra, as suas sofisticadas estratégias de poder.
Se nesta área na vida política tudo parece parado é só porque o sistema de segurança da ocultação continua a funcionar. Por exemplo, soube-se que o Santuário de Fátima lucrou milhões com as fraudes do BPP. Foi como se nada se tivesse passado. Os entendimentos entre a igreja e a Segurança Social continuam de vento-em-popa. Os doentes, os velhos e os deficientes, são «canalizados» para as instituições privadas, todas elas pertencentes ou dominadas por vastos interesses da igreja. Os contribuintes pagam e a «Igreja Solidária prospera. O Governo compromete-se a remunerar os capelães, «à peça» e com «recibos verdes». Nada se comenta e nada se critica. Em nome da igualdade de acesso de todos os credos à assistência religiosa, cria-se uma nova estrutura, despropositada, que reúne bispos promovidos a generais e almirantes, oficiais dos Estados-Maiores das Forças Armadas, Comandos da GNR e da PSP, em novas áreas de intervenção da Igreja, nos hospitais, nos quartéis e nas prisões. Um manto de silêncio tudo isto abafou.
Dizia o Poeta: «Mal empregado privilégio, a fala»...


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