Anotações à margem do Poder Local

Jorge Messias
Passadas que foram as eleições legislativas, um autêntico furacão varreu os partidos de direita. Os poderes não se entendem e disputam uns aos outros a liderança do poder. Como sempre, as causas da tempestade não são apenas de ordem política ou provocadas pelos traumas antigos. Estão em jogo gigantescos interesses financeiros que exigem a realização, a qualquer preço e num país quase em bancarrota, de meganegócios tais como os do TGV, do novo aeroporto, da centralização das telecomunicações da comunicação social, da entrega ao turismo de todo o Alentejo, da destruição do meio ambiente com a construção de sucessivas grandes barragens, etc. Para conquistar tantos e tão maravilhosos lucros é preciso ter entre mãos as chaves do poder político. «Domesticar» partidos e populações, usando com esse fim de todo o arsenal da arte política: o engano, a intimidação, a propaganda mais reaccionária e a intriga partidária. E «conquistar por dentro» as instituições nascidas com a Constituição de Abril, tais como as que detêm o Poder Local.
É uma fase de agudização da luta política pelo poder. A organização democrática está em perigo e é urgente afastar de nós essa ameaça de retrocesso. Trata-se de um sério atentado à organização democrática do Estado que integra, como se sabe, o Poder Local. É preciso resistir, votar, lutar e vencer. O Poder Local é uma das nossas mais preciosas bandeiras.

Uma reflexão necessariamente urgente

A recente campanha eleitoral para as legislativas veio pôr em evidência que a prática da corrupção sistemática é corrente entre as elites dominantes. A campanha foi uma farsa e uma forma tentada de enraizar entre as massas os contra-valores da mentira política, da impunidade que protege os crimes dos poderosos e de ideias-chave que condicionam as reacções do povo, como a do medo do desconhecido, o fatalismo e a noção tão grata à doutrina católica da solidariedade entre as classes sociais. O que não se consegue destruir – pensa-se na banca e nas sacristias - compra-se, «conquista-se por dentro». É nesta área que a nossa atenção deve incidir para, depois, poder iluminar o sentido do nosso voto.
Foi longa a lista de escândalos revelada nesta recente campanha. Desde as falências fraudulentas dos bancos às ajudas ainda mais fraudulentas do Estado em relação à banca. Do negócio dos submarinos às ocultas relações que a Igreja alimenta com o escuro negócio bancário e com as off-shores. Veja-se, só como simples exemplo, as notícias que relataram o processo dos negócios que envolveram o Patriarcado e o Banco Privado Português, os montantes recolhidos pelo Santuário de Fátima e a evidência de que houve um plano amadurecido entre o Santuário e os off-shores das Ilhas Caimão.
Todas estas revelações, é claro, não partiram da Igreja. Foram sacadas a ferros pela honestidade de alguns jornalistas. A Igreja entende-se com a banca e com as políticas de direita. Acumula lucros e poder mas não quer que isso se saiba. Em relação às autarquias locais prefere as estratégias da «ocupação por dentro». É nestes riscos praticamente indetectáveis que a nossa atenção deve agora incidir.
Nos territórios das autarquias, as IPSS, ONGS e Misericórdias brotam como cogumelos. Possuem uma organização fortemente hierarquizada e uma disciplina dura e vertical. Gozam de desafogo financeiro subsidiadas, como o são, simultaneamente pela Igreja, pelo Estado, pelos patrocínios das grandes fortunas, pelas Fundações filantrópicas e milionárias, pelos tesouros das grandes ordens religiosas, pelos jogos de azar das Santas Casas, pelas verbas de vêm da União Europeia, etc. Políticos, financeiros e clero, cruzam negócios entre si. E o poder local é para eles uma «pedra de tropeço», um inimigo a abater. Desenham, então uma estratégia.
As autarquias têm os cofres vazios. Não há dinheiro para contratar pessoal, construir uma rede de creches, lares, hospitais, escolas e serviços de apoio. Nesta altura, surge a proposta salvadora: os bancos emprestam dinheiro, a «sociedade civil» faz parcerias com a autarquias e garante os serviços, a autarquia paga e a Igreja gere. Quando a autarquia acaba por acordar já está refém dos novos patrões. O dinheiro e o oportunismo mataram-na. Resta-lhe ceder e obedecer.
É evidente que os autarcas, na sua esmagadora maioria, são homens de «mãos limpas». Mas a ingenuidade ou o laxismo também matam.
Votemos maciçamente no Poder Local, na força popular e na Democracia de Abril. Rompamos com o silêncio.


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