- Nº 1867 (2009/09/10)

Bienal

Festa do Avante!

Mais de uma centena de obras nesta edição da Bienal de Artes Plásticas, entre a pintura, o desenho, a escultura, a fotografia, o design. E entre todas, reunidas no abafado pavilhão ao fundo do espaço central, avultam os trabalhos de Luís Ralha e de Bartolomeu Cid dos Santos. Visitando atentamente a Bienal, com o olhar de ver todos e cada um dos contributos ali expostos, que em cada dois anos enriquecem a mais importante realização cultural do País, não há dúvida de que estas duas homenagens, pretextos para lembrar não só a obra mas também a militância política, cívica e cultural de ambos os artistas recentemente falecidos, se destacam do conjunto. As razões desse destaque não se prendem apenas com a quantidade – diminuta embora para o gosto de quem viu – da obra exposta. Nem sequer com a valiosa memória que conservamos de ambos os artistas e do que, ao longo de décadas, construíram. Arvorado em «comentador», digo, por mim, que desde a adolescência me atraíram as gravuras de Bartolomeu Cid – o nome por que foi mais conhecido. E que, para além da memória, nesta revisão da matéria dada, volto a encontrar a riqueza gráfica e ideológica dos seus trabalhos.
Cada um destes dois artistas mereceria um pavilhão com as dimensões daquele em que tiveram de caber dezenas.
Folguei ver – e rever – os quadros de Luís Ralha, e fizeram-me falta as suas palavras modestas de apresentador de outras obras, de guia nos meandros subjectivos da arte em que ele próprio se desdobrou. Desde a arte do fogo, em que a exposição nos convidava a recordar as palavras de Manuel Gusmão: «Luís Ralha pintou com dois materiais quase alquímicos: com o fogo e com a luz, como um ateu místico (...). Talvez a sua convicção de comunista também tivesse alguma coisa de místico. Talvez procurasse uma outra luz nas multidões cujo trajecto pinta sobre topografias acidentadas, como é acidentado e sinuoso o caminho histórico que as massas populares constroem. Talvez.»
A este «talvez» de Manuel Gusmão sobre um possível misticismo da arte de Ralha, apetece-me sugerir um «talvez» mais provável. Que se pode chamar «humanidade», cerne do que a arte é sempre...
Dessa humanidade, mais ou menos sumptuosa e firme, esteve o pavilhão cheio, durante o diálogo ali proposto entre as obras e os visitantes, que muitas vezes paravam a respirar um pouco junto dos aparelhos de ar condicionado que se dirigiam mais às necessidades dos quadros do que às aspirações ofegantes do público. E digo, mais uma vez arvorado em «comentador» e apresentando as minhas desculpas por não poder referir com justiça a saber todos os artistas que certamente o merecem, que me impressionou agradavelmente o conjunto de esculturas de sete mulheres. Aliás, a caba Bienal que passa, cresce também na maestria da arte o número de mulheres que se fazem representar. Por mérito e não por quotas enganadoras das desigualdades que permanecem.

LM