Os rendimentos dos portugueses

(Eles) comem tudo e não deixam nada (conclusão)

Anselmo Dias
Na edição do Avante! de 13 de Agosto analisámos, genericamente, a estrutura de rendimentos dos portugueses na base das declarações, em sede de IRS, reportadas a 2007. Foi, então, referido que os rendimentos de 4 433 280 agregados familiares totalizaram 79 671 milhões de euros. Isto significa, estatisticamente, que a cada agregado familiar correspondeu um valor anual de 17 970 euros. Se dividirmos esse valor pelo número médio de pessoas, por família (de acordo com o último Censo) e por 12 mensalidades, chegaremos à conclusão de que o rendimento per capita anda à volta dos 527 euros.
Estamos a falar de um valor estatístico que, na prática, poderá apenas contemplar casos pontuais, pelo que se impõe, em nome do conhecimento, desdobrar aquele valor pelos distritos e regiões autónomas.
Com efeito, dos 18 distritos e das duas regiões autónomas há apenas três distritos onde o rendimento familiar supera a média do País.
Estamos a falar de Lisboa, com 22 625 euros, de Coimbra, com 18 934 euros e de Setúbal, com 18 895 euros.
Todos os restantes distritos e regiões estão abaixo da média, com especial destaque para o Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior, regiões cujos agregados familiares têm os mais baixos rendimentos declarados do País.
A situação mais gravosa é aquela que se verifica no distrito de Vila Real onde a média de rendimentos equivale a 13 947 euros, a que se segue Viana do Castelo, com 14 144 euros e Braga, com 14 453 euros.
Os distritos da Guarda, com 14 952 euros, Viseu, com 14 969 euros, Castelo Branco, com 15 280 euros e Bragança com 16 005 euros fecham o itinerário das regiões com os mais baixos rendimentos por ano e por família.
Dividamos estes valores por pessoa e por mês transformando-os, de seguida, num cabaz de compras e encontraremos aí a explicação para a dimensão da pobreza em Portugal. Em Vila Real essa média, por agregado familiar, corresponde a 426 euros (12 mensalidades).
Estes números constituem alguma surpresa?
Nenhuma.
Eles reflectem os baixos salários e as baixas reformas.
Há, a este respeito, uma evidente sintonia nas posições de cada distrito no que concerne ao valor dos salários praticados no sector privado da economia e ao valor do rendimento global da população, salvo poucas excepções.
Uma dessas diz respeito ao distrito de Coimbra que, como atrás foi referido, ocupa o 2.º lugar quanto ao rendimento, embora no que diz respeito aos salários do sector privado da economia ocupe a 5.ª posição, atrás de Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro.

As assimetrias regionais e os escândalos sociais

As assimetrias regionais, bem expressas nos exemplos atrás referidos, constituem uma subversão da letra e do espírito da Constituição cujo Artigo 81.º refere, expressamente, que «Incumbe ao Estado (...) promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior.»
Os governos do PS, PSD e CDS não só fizeram, e fazem, letra morta destas normas constitucionais, como criaram as condições para transformar aquilo que devia ser uma democracia social numa democracia amputada.
Democracia amputada não apenas no plano das diferenças existentes entre as várias regiões do País, mas, sobretudo, na diferença entre a elevada concentração de riqueza nas mãos de um reduzido número de famílias e a grande maioria da população portuguesa.
E para que não restem dúvidas quanto a esta subversão vejamos, meramente a título de exemplo, três casos de três escândalos sociais.
1 – A fortuna acumulada de Américo Amorim, estimada em cerca de 2006 milhões de euros, corresponde ao rendimento de 134 567 agregados familiares do distrito de Viseu;
2 – A fortuna acumulada de Belmiro de Azevedo, estimada em cerca de 1438 milhões de euros, supera o rendimento de 97 628 agregados familiares de Viana do Castelo;
3 – A fortuna acumulada da família Guimarães de Mello, estimada em cerca de 1245 milhões de euros, supera o rendimento de 78 855 agregados familiares de Castelo Branco.
Daqui resulta que as três famílias mais ricas em Portugal têm um património equivalente ao rendimento anual de 311 050 agregados familiares.
Portugal que, a nível salarial, das reformas, das prestações sociais, da educação, da investigação científica e tecnológica, e de outros indicadores, ocupa no contexto internacional posições modestas, Portugal é, no âmbito das desigualdades, um verdadeiro campeão.
Campeão de um campeonato em que as fortunas de uns evoluem a passo de gigante, inclusive à revelia da economia real, enquanto os salários de outros crescem a passo de anão, tanto mais pequeno quanto mais elevada for a extorsão da mais-valia.
E tudo isto onde nem uns são super-homens e outros infra-homens.
Tudo isto porque as políticas de direita levadas a cabo essa santíssima trindade formada pelo PS, PSD e CDS formataram um Estado aos interesses de alguns dos seus dirigentes e militantes e, sobretudo, aos interesses dos grandes grupos económicos em detrimento do cumprimento rigoroso da Constituição.
Houvesse, em Portugal, instituições que velassem pelo cumprimento da nossa Lei Fundamental, a Constituição, e houvesse, entre nós, instituições que compaginassem a dimensão das fortunas à natureza dos negócios e à declaração de rendimentos, decerto que as prisões não estariam apenas a abarrotar com os chamados «pilha-galinhas», porque, a par destes, estariam aí muitos madoffes lusitanos.
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Fonte:
– Ministério das Finanças;
– Revista Exame de Agosto de 2009;
Nota: os cálculos quanto à distribuição dos rendimentos foram realizados por Elsa Maria Alves Dias


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