O País dispõe de meios para erradicar a pobreza
O engenheiro José Sócrates, recentemente, na sua campanha de travestir o PS num partido progressista, afirmou que as diferenças sociais haviam diminuído no decurso da sua governação, de tal forma que o coeficiente entre os rendimentos dos 20% da população mais rica e os rendimentos dos 20% da população mais pobre era de 6,1.
É claro que o engenheiro José Sócrates não refere que Portugal continua a ser um dos países com as maiores diferenças nos rendimentos e que, entre nós, continua a haver cerca de 2 milhões de pobres.
Também é claro que o engenheiro José Sócrates não refere, do ponto de vista relativo, tendo em conta a riqueza criada, que Portugal tem uma das mais elevadas concentrações de riqueza num reduzido número de cidadãos.
Quanto ao coeficiente de 6,1 o que é que isto quer dizer?
Quer dizer o seguinte:
Admitamos, a título de exemplo, e de uma forma simplificada, que os mais pobres têm um rendimento de 100 unidades.
Neste caso, em Portugal, os mais ricos teriam um rendimento de 610 unidades, ou seja, estamos perante um coeficiente de 6,1, valor obtido pela simples divisão do rendimento dos mais ricos pelo rendimento dos mais pobres.
Estamos perante uma fórmula de cálculo de difícil apreensão por quem não está habituado a medir as coisas por este critério.
Vejamos uma outra maneira de fazer os cálculos, não em função de um coeficiente, mas em função de uma percentagem.
Pois bem, os já referidos 6,1 de coeficiente, significam, em termos percentuais, qualquer coisa como 510%.
Quinhentos e dez por cento?, perguntarão alguns incrédulos. Exactamente, quinhentos e dez por cento é quanto medeia a diferença entre o rendimento dos 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados, comparativamente ao rendimento dos 20% dos agregados familiares mais pobres, ou seja, o caso muda de figura quando passamos de um critério para outro.
Como se vê, num país onde há mil maneiras de cozinhar o bacalhau, parece haver outras tantas maneiras de se analisar a forma com é feita a distribuição da riqueza. Tal não significa que a realidade objectiva não seja cognitiva e mensurável, embora, numa sociedade de classes, ela esteja sujeita ao olhar de cada um em função da sua consciência de classe e da sua ideologia.
Pela nossa parte, embora aceitando o critério do coeficiente de 6,1, o que importa esclarecer, mais do que os indicadores atrás referidos, é que os 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados declararam, em 2007, de acordo com dados que nos foram disponibilizados pelo Ministério das Finanças, um rendimento de cerca de 43 600 milhões de euros, enquanto os 20% dos agregados familiares mais pobres declararam um rendimento de cerca de 3400 milhões de euros, isto num universo de 4 433 280 agregados familiares que declararam ter tido um rendimento global de 79 671 milhões de euros.
Estamos, é certo, a falar de rendimento bruto, ou seja, antes do efeito da aplicação dos impostos.
O chefe do Governo valorizou um indicador (coeficiente de 6,1), que a maior parte da população não consegue assimilar.
Pela nossa parte, insistimos que a diferença entre os rendimentos brutos mais elevados e os rendimentos mais baixos significam qualquer coisa como cerca de 40 000 milhões de euros, valor que, sujeito a uma adequada fiscalidade, embora não resolvesse totalmente, contribuiria, no entanto, para ajudar a erradicar a pobreza em Portugal.
Tão simples quanto isto, dirão, apressadamente, alguns.
Atenção, as desigualdades nos rendimentos são, na prática, bem maiores.
Estamos a falar dos rendimentos declarados às Finanças, onde, apenas, 190 agregados familiares declararam, em 2007, ter tido rendimentos superiores a 1 milhão de euros. Alguém acredita nisto? Alguém acredita que o património acumulado das maiores fortunas reflecte a declaração oficial de rendimentos? Vejamos:
E os rendimentos não declarados de João Rendeiro, o qual, só para regularizar dívidas, pagou cerca de 3 milhões de euros em impostos?
A este propósito fica esta pergunta: se ele pagou 3 milhões de euros em impostos qual teria sido, de facto, o rendimento ocultado?
E os 4,131 milhões de euros, pagos em numerário, e não declarados às Finanças, por parte de administradores do BPN?
E quanto aos administradores do BCP alvos de um processo em curso no Ministério Público?
E quanto aos ex-ministros de Cavaco Silva, igualmente, sob investigação?
E quanto às malas com dinheiro, envolvendo um candidato a deputado do PSD?
E quanto aos casos similares ao de Isaltino Morais?
E, assim, sucessivamente sem cessar, chegaríamos facilmente à conclusão que a diferença de 40 000 milhões de euros que separa os 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados, comparativamente aos 20% dos agregados familiares mais pobres, subiriam tanto mais, quanto mais eficaz fosse, em Portugal, a luta contra a corrupção levada a cabo pela fina flor da «economia de casino» e pelo grande patronato, a que se juntam as negociatas, tipo «Correios de Coimbra e despojos do IPE» envolvendo os «compagnons de route» dos governos permissivos do bloco central de interesses, cujos chefes têm nome e têm rosto.
No momento de pré-campanha eleitoral em que Mira Amaral (outro famoso cavaquista) declarou, sem se engasgar, não haver ricos em Portugal, e os que há não pagam impostos.
No momento em Manuela Ferreira Leite, num discurso a fazer lembrar o conteúdo e a elegância literária do Almirante Américo Tomás, declara ser importante haver ricos em Portugal para comprarem iates, dando, assim, trabalho a alguns portugueses, isto num país em que o seu próprio partido, juntamente com o PS, destruíram, praticamente, toda a nossa indústria e reparação naval.
No momento em que, na TV e em alguns jornais, a pretexto da fiscalidade, se utiliza a classe média, como carne para canhão para um branqueamento das assimetrias sociais em Portugal, é importante que todos nós afirmemos que o País, pela acção conjugada do PS, PSD e CDS, sendo vítima de um errado modelo de desenvolvimento, produz, comprovadamente, o suficiente para erradicar a pobreza em Portugal, o que passa, obrigatoriamente, pela melhoria dos salários e das reformas.
Acresce à importância estratégica dos salários e das reformas, a implementação de uma política mais racional na tributação dos elevadíssimos rendimentos e, sobretudo, a aplicação de um imposto justo sobre as grandes fortunas, cuja taxa devia ter em conta que muitas dessas fortunas não tem a ver, directamente, com a declaração de rendimentos e, muito menos, com a taxa média de rentabilidade dos capitais próprios das empresas.
Portugal tem, do ponto de vista relativo, tendo em conta o produto interno bruto, uma das mais elevadas concentrações de riqueza. Basta dizer que o património acumulado das 25 famílias mais ricas supera, largamente, o rendimento anual de 2 212 179 agregados, ou seja, todas aquelas famílias que, em 2007, declaram ter rendimentos anuais inferiores a 11 500 euros.
Caros leitores: este artigo tem, como puderam ler, alguns dados estatísticos. Se não os memorizaram todos, fixem, pelo menos, um. Lembrem-se deste último, ou seja, o património acumulado das 25 famílias mais ricas supera o rendimento anual de mais de 2 milhões de agregados familiares em Portugal, isto na base dos rendimentos declarados em 2007.Eis a herança potenciada por Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, herança que grande parte das empresas de comunicação social querem perpetuar nessa escandalosa campanha na valorização do bipartidarismo e do rotativismo politico, ora do PS, ora do PSD e vice-versa.
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Fonte:
- Ministério das Finanças
- Revista «Exame» de Agosto de 2009
Nota: os cálculos quanto à distribuição dos rendimentos foram realizados por Elsa Maria Alves Dias.
Também é claro que o engenheiro José Sócrates não refere, do ponto de vista relativo, tendo em conta a riqueza criada, que Portugal tem uma das mais elevadas concentrações de riqueza num reduzido número de cidadãos.
Quanto ao coeficiente de 6,1 o que é que isto quer dizer?
Quer dizer o seguinte:
Admitamos, a título de exemplo, e de uma forma simplificada, que os mais pobres têm um rendimento de 100 unidades.
Neste caso, em Portugal, os mais ricos teriam um rendimento de 610 unidades, ou seja, estamos perante um coeficiente de 6,1, valor obtido pela simples divisão do rendimento dos mais ricos pelo rendimento dos mais pobres.
Estamos perante uma fórmula de cálculo de difícil apreensão por quem não está habituado a medir as coisas por este critério.
Vejamos uma outra maneira de fazer os cálculos, não em função de um coeficiente, mas em função de uma percentagem.
Pois bem, os já referidos 6,1 de coeficiente, significam, em termos percentuais, qualquer coisa como 510%.
Quinhentos e dez por cento?, perguntarão alguns incrédulos. Exactamente, quinhentos e dez por cento é quanto medeia a diferença entre o rendimento dos 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados, comparativamente ao rendimento dos 20% dos agregados familiares mais pobres, ou seja, o caso muda de figura quando passamos de um critério para outro.
Como se vê, num país onde há mil maneiras de cozinhar o bacalhau, parece haver outras tantas maneiras de se analisar a forma com é feita a distribuição da riqueza. Tal não significa que a realidade objectiva não seja cognitiva e mensurável, embora, numa sociedade de classes, ela esteja sujeita ao olhar de cada um em função da sua consciência de classe e da sua ideologia.
Pela nossa parte, embora aceitando o critério do coeficiente de 6,1, o que importa esclarecer, mais do que os indicadores atrás referidos, é que os 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados declararam, em 2007, de acordo com dados que nos foram disponibilizados pelo Ministério das Finanças, um rendimento de cerca de 43 600 milhões de euros, enquanto os 20% dos agregados familiares mais pobres declararam um rendimento de cerca de 3400 milhões de euros, isto num universo de 4 433 280 agregados familiares que declararam ter tido um rendimento global de 79 671 milhões de euros.
Estamos, é certo, a falar de rendimento bruto, ou seja, antes do efeito da aplicação dos impostos.
O chefe do Governo valorizou um indicador (coeficiente de 6,1), que a maior parte da população não consegue assimilar.
Pela nossa parte, insistimos que a diferença entre os rendimentos brutos mais elevados e os rendimentos mais baixos significam qualquer coisa como cerca de 40 000 milhões de euros, valor que, sujeito a uma adequada fiscalidade, embora não resolvesse totalmente, contribuiria, no entanto, para ajudar a erradicar a pobreza em Portugal.
Tão simples quanto isto, dirão, apressadamente, alguns.
Atenção, as desigualdades nos rendimentos são, na prática, bem maiores.
Estamos a falar dos rendimentos declarados às Finanças, onde, apenas, 190 agregados familiares declararam, em 2007, ter tido rendimentos superiores a 1 milhão de euros. Alguém acredita nisto? Alguém acredita que o património acumulado das maiores fortunas reflecte a declaração oficial de rendimentos? Vejamos:
E os rendimentos não declarados de João Rendeiro, o qual, só para regularizar dívidas, pagou cerca de 3 milhões de euros em impostos?
A este propósito fica esta pergunta: se ele pagou 3 milhões de euros em impostos qual teria sido, de facto, o rendimento ocultado?
E os 4,131 milhões de euros, pagos em numerário, e não declarados às Finanças, por parte de administradores do BPN?
E quanto aos administradores do BCP alvos de um processo em curso no Ministério Público?
E quanto aos ex-ministros de Cavaco Silva, igualmente, sob investigação?
E quanto às malas com dinheiro, envolvendo um candidato a deputado do PSD?
E quanto aos casos similares ao de Isaltino Morais?
E, assim, sucessivamente sem cessar, chegaríamos facilmente à conclusão que a diferença de 40 000 milhões de euros que separa os 20% dos agregados familiares com os rendimentos mais elevados, comparativamente aos 20% dos agregados familiares mais pobres, subiriam tanto mais, quanto mais eficaz fosse, em Portugal, a luta contra a corrupção levada a cabo pela fina flor da «economia de casino» e pelo grande patronato, a que se juntam as negociatas, tipo «Correios de Coimbra e despojos do IPE» envolvendo os «compagnons de route» dos governos permissivos do bloco central de interesses, cujos chefes têm nome e têm rosto.
No momento de pré-campanha eleitoral em que Mira Amaral (outro famoso cavaquista) declarou, sem se engasgar, não haver ricos em Portugal, e os que há não pagam impostos.
No momento em Manuela Ferreira Leite, num discurso a fazer lembrar o conteúdo e a elegância literária do Almirante Américo Tomás, declara ser importante haver ricos em Portugal para comprarem iates, dando, assim, trabalho a alguns portugueses, isto num país em que o seu próprio partido, juntamente com o PS, destruíram, praticamente, toda a nossa indústria e reparação naval.
No momento em que, na TV e em alguns jornais, a pretexto da fiscalidade, se utiliza a classe média, como carne para canhão para um branqueamento das assimetrias sociais em Portugal, é importante que todos nós afirmemos que o País, pela acção conjugada do PS, PSD e CDS, sendo vítima de um errado modelo de desenvolvimento, produz, comprovadamente, o suficiente para erradicar a pobreza em Portugal, o que passa, obrigatoriamente, pela melhoria dos salários e das reformas.
Acresce à importância estratégica dos salários e das reformas, a implementação de uma política mais racional na tributação dos elevadíssimos rendimentos e, sobretudo, a aplicação de um imposto justo sobre as grandes fortunas, cuja taxa devia ter em conta que muitas dessas fortunas não tem a ver, directamente, com a declaração de rendimentos e, muito menos, com a taxa média de rentabilidade dos capitais próprios das empresas.
Portugal tem, do ponto de vista relativo, tendo em conta o produto interno bruto, uma das mais elevadas concentrações de riqueza. Basta dizer que o património acumulado das 25 famílias mais ricas supera, largamente, o rendimento anual de 2 212 179 agregados, ou seja, todas aquelas famílias que, em 2007, declaram ter rendimentos anuais inferiores a 11 500 euros.
Caros leitores: este artigo tem, como puderam ler, alguns dados estatísticos. Se não os memorizaram todos, fixem, pelo menos, um. Lembrem-se deste último, ou seja, o património acumulado das 25 famílias mais ricas supera o rendimento anual de mais de 2 milhões de agregados familiares em Portugal, isto na base dos rendimentos declarados em 2007.Eis a herança potenciada por Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, herança que grande parte das empresas de comunicação social querem perpetuar nessa escandalosa campanha na valorização do bipartidarismo e do rotativismo politico, ora do PS, ora do PSD e vice-versa.
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Fonte:
- Ministério das Finanças
- Revista «Exame» de Agosto de 2009
Nota: os cálculos quanto à distribuição dos rendimentos foram realizados por Elsa Maria Alves Dias.