
- Nº 1862 (2009/08/6)
Comentário
Agricultura: uma luta pelo futuro
Europa
No mesmo dia em que se inaugurava a legislatura 2009-2014 do Parlamento Europeu, mais de dois mil agricultores, mobilizados pela Coordenadora Europeia - Via Campesina, oriundos de vários países da Europa, incluindo Portugal – de onde veio uma delegação da CNA – manifestavam-se em Estrasburgo. Exigiam uma outra política agrícola, chamando a atenção para a situação catastrófica em que se encontra o mercado do leite e derivados. Alertaram para o excesso de oferta de leite, comprado pela indústria bem abaixo dos preços na produção, ameaçando o sustento de muitos deles, levando ao abandono das pequenas e médias explorações leiteiras. Na origem da situação, apontam acusadores, está a desregulação dos mercados introduzida pela Política Agrícola Comum (PAC).
Em Portugal, diversas manifestações de agricultores tiveram lugar nas últimas semanas. As reivindicações são comuns: o direito a produzir, o direito a preços justos à produção.
A luta dos agricultores, e particularmente a actual luta dos produtores de leite, para além dos seus justos objectivos imediatos, comporta igualmente objectivos mais amplos, que lhe conferem um importante alcance e significado de médio e longo prazo: em última instância, o que está em causa é a sustentabilidade da produção de alimentos, a soberania e a segurança alimentar dos povos.
Causas da crise e objectivos imediatos
Mandam as sacrossantas regras da «economia de mercado», que seja o «mercado» – que na União Europeia é, desde há mais de duas décadas, e porque assim se determinou, «único» – a determinar, sem espartilhos, como e em que condições se produz.
Por essa razão, se decidiu que as quotas leiteiras – instrumentos de controlo público da produção – seriam abolidas em 2015 e que até 2013 aumentariam em cinco por cento, estando um aumento de um por cento previsto já para este ano. Consequência previsível: o «encharcamento» do mercado com leite proveniente dos países com maior capacidade produtiva e a baixa de preços na produção. Refira-se que actualmente as quotas estão acima da produção que, por sua vez, está acima das necessidades de consumo.
Por tudo isto, se exige uma redução das quotas leiteiras, adequando a produção às necessidades. Exige-se, a par de outras medidas, algumas delas com carácter de excepção para acorrer à actual situação calamitosa, a garantia de um rendimento adequado para todos os produtores de leite, através do controlo (público) da produção e de um preço mínimo de compra por parte da indústria leiteira.
A resposta às reivindicações dos agricultores chegou na semana seguinte à manifestação de Estrasburgo: «não revogaremos a nossa política de supressão gradual das quotas», declarou a comissária da Agricultura, excluindo peremptoriamente «a ideia de cortes nas quotas ou de um congelamento dos aumentos já acordados». Esta orientação constava já do chamado «exame de saúde» da PAC, realizado em 2008, que contou com a prestimosa colaboração de um deputado do PS e ex-ministro da Agricultura.
Uma luta pelo futuro
Porventura mais do que noutros momentos históricos, a produção de alimentos deverá ser entendida como um ponto nodal, em que se entrecruzam várias questões críticas para as sociedades contemporâneas. A finitude e a escassez de recursos naturais, incluindo de solo arável, consequência de um sistema que assenta na sua exploração irrestrita devem chamar a atenção para a necessidade de questionar e alterar o modelo favorecido pelas actuais políticas agrícolas. Um modelo que promove a sobreprodução, a sobre-exploração e a degradação de recursos e, simultaneamente, o abandono agrícola, a dependência alimentar e novas ameaças em termos de segurança alimentar. A sua manutenção comporta inevitavelmente perigosas consequências para os povos da Europa e do mundo.
As razões que justificam uma alteração profunda e radical da PAC, em que o modelo acima referido seja substituído por um modelo assente no conceito da soberania alimentar, são simultaneamente de ordem económica, social, ambiental e cultural. Torna-se imprescindível a sua consideração para responder aos desafios da actual crise.
Em Estrasburgo, os eleitos do PCP dirigiram-se aos agricultores que se manifestavam, transmitiram-lhes o seu apoio e solidariedade. Nesse mesmo dia, questionaram a Comissão Europeia sobre a sua situação. Ali estivemos e estaremos, desde o primeiro dia, travando uma batalha que se espera longa e difícil mas de capital importância.
João Ferreira