Os três encalhes Obama

Correia da Fonseca
Não se poderá dizer com mínimo rigor que nos últimos dias, talvez últimas semanas, a TV trouxe notícias de Barack Obama: notícias dele, que sendo presidente dos Estados Unidos da América é para muitos como se fosse presidente do mundo inteiro e portanto também do nosso País, chegam todos os dias. Mas são quase sempre notícias que não trazem nada de significativo, por vezes da área da mera missanga jornalística ou, na alternativa, da propaganda com casca vistosa mas sem polpa que se aproveite. Refiro-me, porém, a três notícias, ou conjunto de notícias, cuja relevância intrínseca converge com o facto de parecerem confirmar o que há muito havia sido previsto pelos que aprenderam a distinguir entre a música embaladora e os duros sons da realidade. De facto, como bem se sabe, pelo menos desde a vitória eleitoral de Barack Obama que se ouviram vozes que, preferindo o amargor da lucidez à doçura dos sonhos apelativos (quando não de coisa pior, mas essa é uma outra questão) avisaram de que não se deve confundir a presença na Casa Branca de um homem simpático com a efectiva possibilidade de mudanças importantes na política norte-americana. É certo que em tempos recentes Obama apertou as mãos de Isabel II em Londres, de Putin em Moscovo e de Bento XVI no Vaticano, mas não consta que daí tenham resultado consequências positivas para o mundo. Aliás, no que se refere à Rússia, não foi preciso esperar muitos dias para que o vice-presidente Joe Biden viesse fazer declarações no mínimo desagradáveis para Moscovo, o que é interessante. Em compensação, digamos assim, três notícias chegaram a dar conta de três graves encalhes na rota que Barack Obama pelo menos aparentara querer seguir. De uma delas poder-se-á dizer que diz respeito apenas à sua autoridade interna, o que de resto não é insignificante. As outras duas referem-se ao resto do mundo e, concretamente, à intervenção política norte-americana em duas áreas fundamentalíssimas, o Médio Oriente e a América Latina.

Mandar pouco, quase nada

O encalhe interno, além de noticiado na TV foi referido com algum pormenor na imprensa escrita lusitana: foi o caso de um professor norte-americano, prestigiado mas com o inconveniente grave de ser negro, velho e coxo, ter sido «apanhado» por um zeloso polícia a abrir com aparente dificuldade a porta da sua própria casa. Suspeitando estar perante um negro assaltante, o polícia não só o prendeu apesar das explicações dadas pelo detido como o algemou e assim o conduziu à esquadra. Pelos vistos indignado com o sucedido, Obama disse que o polícia procedera «estupidamente». Foi um escândalo: indignada com a qualificação, a corporação policial terá exigido um pedido de desculpa ao presidente, e o caso é que o presidente dos Estados Unidos pediu mesmo desculpa ao agente brutamontes, o que dá uma curiosa indicação acerca da robustez dos seus poderes efectivos. Quanto a encalhes externos, salientaram-se dois. Um deles foi o recuo de Obama relativamente ao apelo que fizera para que Israel reavaliasse a instalação de centenas de colonatos em pleno território da Cisjordânia, tantos e de tal modo situados que inviabilizam sequer a criação de um Estado Palestiniano há muito prometido mas interminavelmente adiado. Sabendo-se o que a tragédia palestiniana significa como dado para a eventual implementação de uma solução pacífica não só no Médio Oriente mas de facto numa área muito maior, entende-se a gravidade deste recuo de Obama e do que ele revela de impotência no quadro da definição da política externa dos Estados Unidos. A mesma lição se retira do apoio efectivo e cada vez menos disfarçado de Washington aos golpistas hondurenhos. Como se sabe, foi generalizada a condenação internacional do golpe: os estados do continente americano incluindo naturalmente os Estados Unidos, os vinte e sete estados da União Europeia, a Rússia e creio que a China, recusaram-se a reconhecer o governo fantoche e reclamaram a reinstalação no poder do presidente Zelaya. O próprio Obama se pronunciou sobre o assunto no mesmo sentido. De então para cá, porém, os golpistas continuam no poder, um mediador que há muito age como funcionário subalterno de Washington faz o que é preciso para que a ilegalidade se mantenha em Tegucigalpa e desse modo se vá consolidando. Entretanto, Barack Obama parecer ter-se esquecido do caso. Mais provavelmente, ter-seá ter-se apercebido com acrescida clareza de que, embora instalado na Casa Branca, manda muito pouco no que é de facto importante.


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