- Nº 1860 (2009/07/23)

Exemplo de dignidade e firmeza

Opinião
Há uns dias ficámos a conhecer mais um caso sobre como o patronato, muitas vezes de formas diferentes, procura chantagear, caluniar e impedir a concretização dos direitos de quem trabalha e das suas organizações. Sendo mais um entre tantos, este «caso» assume algumas particularidades.

A entidade patronal da Fersoni, empresa do sector têxtil e vestuário sediada em Famalicão, decidiu dar mais um passo na sua já escandalosa acção de terrorismo psicológico contra os trabalhadores e as suas organizações. Uma história curta mas muito elucidativa. Tudo corria bem na empresa, até que as trabalhadoras tiveram a ousadia de, em Maio de 2006, eleger como delegada sindical Fátima Coelho – uma trabalhadora que há cerca de 25 anos trabalha neste grupo e que até Maio de 2006 tinha uma ficha disciplinar limpa, sem qualquer repreensão ou castigo.
A partir do momento em que é eleita delegada sindical, a empresa iniciou um processo de autêntico terrorismo psicológico com vista a «dobrar» a delegada. Em Setembro de 2006, é-lhe instaurado um processo disciplinar por ter cometido o «crime» laboral de se ter levantado da linha de produção para ir buscar água para beber: cinco dias de castigo é o resultado da «gula» da trabalhadora.
Em Dezembro de 2006, é novamente instaurado a Fátima um novo processo disciplinar, onde esta é acusada de roubar uma peça de vestuário, que levou ao seu despedimento. O processo é rapidamente contestado pelo sindicato e, após julgamento e depois de se ter provado a inocência o tribunal decide a sua reintegração, o que se vem a concretizar em Abril de 2008.
A empresa, que tudo fez para se livrar da trabalhadora, não aceitou de bom grado a decisão do tribunal e, como tal, decidiu que não pagaria os salários em dívida à delegada sindical, tendo sido necessário recorrer a uma execução judicial de património da empresa para que se efectuasse o pagamento.

Chantagem e perseguição

A delegada sindical, numa postura de grande resistência e consagração dos direitos, é eleita, em Maio de 2008, para a direcção do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes; mais tarde para a direcção da União dos Sindicatos de Braga e, já em 2009, para a FESETE, federação sindical do sector.
A participação sindical da agora dirigente, em particular na utilização dos tempos para a sua actividade sindical, efectua-se nos estritos termos em que o CCT e a lei prevêem. Lei e CCT com os quais a administração da Fersoni não está de acordo e, como tal, desencadeou uma nova ofensiva contra a trabalhadora, que passou por diversas formas. O objectivo era objectivamente atingi-la, afectar a sua dignidade, voltar contra si as restantes trabalhadoras. Em suma, criar um clima que levasse a trabalhadora a ceder do exercício dos seus direitos e deveres sindicais.
Em Junho deste ano, Fátima Coelho recebe pela mão da empresa 333 euros (o correspondente ao seu salário), valor pago em moedas de 1 euro e de 1 cêntimo, uma postura que se insere numa estratégia de profunda humilhação. No dia 14 de Julho, a trabalhadora é impedida de entrar na empresa, informada que se encontra suspensa e que lhe tinha sido mais uma vez instaurado um processo disciplinar que era susceptível de colocar em risco a sua relação laboral com a empresa.
Na véspera, a administração da Fersoni tinha posto a circular na empresa um abaixo-assinado que os trabalhadores eram «convidados» a assinar e onde eram colocados perante as seguintes opções: ou a permanência da Fátima Coelho ou o futuro da empresa.

Cinco questões do nosso tempo

Entre outros, este «caso» revela cinco questões que se enquadram muito claramente no momento político, económico e social em que nos encontramos.
1. Questão salarial: a notícia vinda a público centrou-se em grande medida na forma de pagamento do salário (em moedas), mas não deu grande destaque ao conteúdo, ou seja, o valor. Esta trabalhadora aufere o Salário Mínimo Naconal (450 euros) e a empresa Fersoni é associada da ATP, associação patronal que está claramente a procurar bloquear a contratação colectiva, e onde a primeira proposta avançada foi de zero por cento de aumentos salariais;
2. Chantagem que o patronato exerce sobre os trabalhadores, que neste caso assumiu a forma de «a Fátima ou a empresa». Mas temos visto de outras formas: a redução de salários ou a empresa; o sábado à borla ou a empresa; a passagem a contractos precários ou a empresa. Várias formas que têm sempre denominadores comuns – aumento da exploração, redução salarial e desregulação dos horários;
3. Ataque ao movimento sindical de classe, aspecto muito claro neste processo. Os ataques da empresa coincidem com o reforço da organização sindical na empresa;
4. O aspecto mais relevante e comum em todos estes acontecimentos é, sem dúvida, a resistência e luta desenvolvida pelos trabalhadores e pelas organizações de classe. É neste quadro de grande pressão que se têm desenvolvido importantes jornadas de luta e resistência que, assumindo formas diversas, constituem contributos fundamentais para travar as pretensões do patronato e do Governo.
São disto exemplo a luta e resistência dos trabalhadores da Autoeuropa e do Arsenal do Afeite. Em várias empresas e sectores, o exemplo de trabalhadores, delegados, activistas e dirigentes de ORT`s que, com a sua postura digna, vertical, cujo o único interesse é a defesa dos direitos de quem trabalha, têm sido um exemplo para todos os seus camaradas trabalho, como é o caso de Fátima Coelho.
5. E, por último, mas não menos importante, a solidariedade activa do PCP em toda esta luta de resistência e de exigência de mudança de rumo. Os trabalhadores podem continuar a contar com o seu partido de classe, podem contar com o PCP para continuar a lutar e resistir, com a certeza de que também não abdicaremos nem nos vergaremos perante as pretensões do patronato e da política de direita. Os trabalhadores podem continuar a contar com este grande Partido da luta, mas também de proposta, munido de soluções para uma vida melhor.

Paulo Raimundo