- Nº 1860 (2009/07/23)

Relatório sobre o racismo no copo (conclusão)

Argumentos

Ao primeiro ignorante desconhecido que disse : “e como não havia vinho, bebemos branco”.


Vinho tinto. Bom, este é o menino bonito da família, o Morgado, o que mais se bebe quer bom, mau ou assim-assim. O hábito funciona a seu favor e pede-se sem pensar nem com que comida se vai beber. Algumas pessoas, que até pensam que sabem beber, chegam a dizer «só gosto de tintos»!
É um caso claro de controlo de mercado, onde o cliente nem quer experimentar outras coisas. É o sonho de qualquer monopólio ou oligopólio desta livre sociedade onde aprendemos que o consumidor é o rei. Mas nisto, como no resto, é mentira. É preciso mudar hábitos e abrir leques de sabor, na boca e na memória. É preciso saber escolher um branco ou rosado bom ou bonzinho e rejeitar um tinto mau, de que o mercado está cheio.
Dito isto, direi também que nada me move contra os bons tintos, excepto umas coisinhas: a principal é os preços paranóicos a que são vendidos, como se tivéssemos na nossa frente uma marca-mito como há poucas por esse mundo fora e menos neste jardim à beira-mar plantado. Como reacção o consumidor é atirado para terceiras e quartas marcas duma adega (muitas vezes vendidas em caixa de cartão com torneirinha), para poder consumir vinho em casa. É de certeza o pior vinho daquela adega, na pior embalagem possível.
A outra coisinha vem do facto de só se beber vinho tinto. Então quando chega a Primavera, o Verão, o que é que se bebe? Em Portugal não existem, como em Espanha por exemplo, os tintos do ano que se tomam levemente frescos e são bons vinhos e não terceiras marcas para despachar a parte má da adega. Então o que é que se faz? Suponho que a solução não será uma lata de beberragem castanha que não tem ano de produção e há em todo o lado.
Para terminar esta parte gostava de afirmar com toda a força que o vinho subiu bastante de qualidade nos últimos quinze/vinte anos. Abandonou-se aquelas coisas dos vinhos mortos em pipas, cheios de taninos e de defeitos de elaboração, que eram o orgulho dos nossos avós que os guardavam para o casamento do netinho. Não quero dizer que seja essa a razão profunda de tanto divórcio posterior, mas algo deve ter contribuído.
No entanto, salvo algumas honrosas excepções e apesar dos autocolantes pregados nas garrafas com a última medalha ganha não sei onde, Portugal não está na primeira divisão mundial dos vinhos, nem nada que se pareça.

Comentários finais

Os brancos e os rosados devem beber-se frescos, mas nunca gelados ou abaixo dos dez graus. Nesse caso, todos os sabores e cheiros desaparecerão, e só se terá o sabor da última glaciação, porque tudo o resto estará enterrado no gelo. Os tintos devem beber-se a uns 16 graus chegando quanto muito aos 18. A história do tinto chambrée, isto é, do vinho à temperatura da sala (chambre) onde ia ser bebido, faz com que hoje, com aquecimentos e melhores isolamentos nas casas, os vinhos se bebam a muito mais de 20 graus. É assassinar um vinho. É preciso não esquecer que a teoria do chambrée era correcta no século XIX e metade do XX, onde se comia de fato completo. Não era pela etiqueta, era pelo frio que fazia nas casas.
Aviso aos navegantes: por razões que só o mercado saberá o teor alcoólico de todos os tipos de vinho cresceu uns dois graus, aproximadamente, nos últimos dois ou três anos e não só em Portugal. Significa que beber hoje uma garrafa de branco ou rosado fresco, coisa altamente apetitosa, é o mesmo que beber 13-13,5 ou até 14 graus de álcool. As consequências são claras e não deixarão de se manifestar com dores de cabeça, tonturas, vómitos, em resumo uma cardina, pifo, carraspana, bezana, chiba, borracheira, ou como lhe queiram chamar. Isso sim, digna dos tempos de juventude.
A última nota e para mim a mais importante: tentem repetir sempre os três passos da prova de um vinho, antes de começar a comer. Vejam a cor: que cor é? É límpida? Tem brilho? Depois cheirem o vinho: a que cheira? Notam coisas estranhas, por exemplo, cheiro a farmácia ou drogaria? Cheiros naturais, que recordam? Finalmente a boca: deixem o vinho passar e retenham-no uns momentos (não gargarejar) a que sabe? A passagem pela boca é uniforme ou há picos súbitos de sabor? É macio e aveludado? Deixa na boca e no nariz, depois de se engolir, sabores e odores agradáveis? A sensação é indiferente?
Assim memoriza-se cores, cheiros e sabores no disco rígido que todos temos na cabeça. Por aí se começa. Não é preciso ter razão, mas quantas mais pessoas se revejam nas opiniões, mais um padrão se forma. Não queiram que os vinhos se pareçam aos padrões já memorizados. Cada coisa nova é um aumento de riqueza pessoal imaterial.
Bebam de todos os vinhos com a moderação pertinente. Todos podem ser bons. Alguns são. Esqueçam-se de manias próprias ou herdadas. Como dizia a mensagem antirracista:
Todos iguais, todos diferentes.

Francisco Mota