Os pagadores de trapaças

Correia da Fonseca
Era o final daquela emissão do «Prós e Contras» que se destinara a abordar o tema definido pelo título da emissão, «Trabalho em Tempo de Crise». Acerca da deslocalização da GM/Opel, esboçava-se uma polémica entre Carvalho da Silva e João Proença, mas Fátima Campos Ferreira cortou-lhes a palavra. E explicou porquê: porque não queria que o programa terminasse com um óbvio sinal de desacordo entre as duas centrais sindicais. Pareceu-me um bonito gesto da jornalista, em verdade vos digo que por ele muitos pecados lhe poderão ser perdoados. Aliás, a sua condução deste «Prós e Contras» sempre me pareceu marcada com sinal positivo, ao contrário do que se me afigurou quanto a muitas outras emissões anteriores, e parece possível que Fátima estivesse sensível à evidência de estarem os trabalhadores, os portugueses e todos os outros, a pagar duramente uma crise radicada, é certo, na estrutura sócio-económica dominante, mas desencadeada pela insaciável e inescrupulosa avidez dos «cavalheiros de indústria» que lideravam e aliás continuam a liderar certos sectores. A notícia que naquele mesmo dia chegara da condenação nos Estados Unidos do famigerado Madoff, sem dúvida culpado mas também promovido a bode expiatório e único vírus responsável pela infecção que galopa por todo o mundo, até viera confirmar que aos trabalhadores está a ser apresentada a conta pelas trapaças de quem tinha poder para as cometer. E diversas das intervenções ali havidas, umas mais que outras, convergiram para um dado essencial e esclarecedor: representantes do patronato e/ou criaturas que de um modo ou de outro agem como seus fâmulos reivindicam aberta ou transversalmente que sejam os que trabalham a pagar a crise. Bem lembrou Carvalho da Silva que a mão-de-obra está longe de ser, entre todos os custos de produção, o factor que mais pode prejudicar a competitividade nos mercados. Eles não querem ouvir, e percebe-se porquê: explorar é fácil, barato e dá milhões, como do totobola dizia um velho slogan.

Tudo bons rapazes?

Logo nos primeiros momentos da conversa, ou pouco depois, a coisa tivera um mau momento: quando António Chora, líder dos trabalhadores da Autoeuropa, acusara patronato e sindicalistas portugueses, paritariamente, de serem «retrógrados». Salvo melhor opinião, parece que a Chora, guindado pelas circunstâncias a uma espécie de vedetariato mediático, não fica lindamente aquela dessolidarização pública da grande massa dos seus camaradas porventura a troco de uma imagem de suposto equilíbrio que duvidosamente lhe valerá de muito. Mas já antes dele Vieira Lopes, vice-presidente da Confederação do Comércio e Serviços, quisera introduzir uma atitude de neutralidade e equidistância ao apelar um pouco dramaticamente para que «não se divida o mundo entre maus e bons». Quando é de uma clareza tornada consensual que por todos os cantos do planeta os que trabalham estão a pagar com a miséria ou a ameaça dela a criminosa actuação dos que os exploram directa ou indirectamente, este seráfico apelo surge no seu verdadeiro significado: tentativa para evitar o apuramento das responsabilidades sociais, isto é, o desmascaramento da verdadeira face do sistema económico existente. Infelizmente para os que persistem em investir na confusão, os testemunhos com reconhecida autoridade internacional ouvidos durante o programa foram claros ao confirmarem, embora por outras palavras, o que Carvalho da Silva denunciara: os que supostamente conduzem a «recuperação» da economia mundial orientam-se sobretudo para a redução ou mesmo eliminação dos direitos dos trabalhadores com manutenção do sistema vicioso que gerou a crise. Outras intervenções confirmaram, de perto ou de longe, o mesmo diagnóstico, e não cabe fazer aqui o inventário de todas elas. Um pouco ao acaso, lembro os que, como Vítor Ramalho, do PS, disseram que «é preciso um novo paradigma de vida», pois a manutenção do vigente no passado «é impossível». Para quem não queira dizer claramente que é preciso pôr um fim à sociedade capitalista é, sem dúvida, uma fórmula elegante. Num outro tom e quanto a uma área mais local, a da legislação laboral portuguesa, a intervenção do jurista Júlio Gomes foi arrasante de algumas das imposturas postas em circulação pelo patronato: «a nossa lei é sistematicamente anti-sindical», disse ele entre outras coisas. Perante estas e outras verdades surgidas ao longo do programa, como podemos fazer a vontade ao senhor Vieira Lopes e ocultar que, de facto, alguns são mesmo maus e outros as suas vítimas?


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