O Irão é longe

Correia da Fonseca
Anda o meu televisor, como qualquer outro, cheiinho de notícias acerca do Irão. E ando eu, como qualquer outro cidadão que se esforce por entender o mundo para lá dos pés do Ronaldo (embora a cotação por eles atingida não seja um dado inútil para esse entendimento) a querer perceber ao certo o que se está a passar por lá, no Irão, e como, e porquê. É claro que sei umas coisas, como toda a gente. Que houve eleições; que o vencedor terá sido aquele senhor a quem o Ocidente tem um grande pó e se chama Mahmoud Ahmadinejad; que o candidato derrotado, Mir-Hossein Mousavi de sua graça, logo contestou o resultado proclamado alegando ter havido batota; que houve milhares a protestar nas ruas de Teerão, violência, parece que mortos e feridos. Também julgo saber que nas Europas há muita gente importante, género Sarkozy e Merkel, indignada com a tal batota, e que do lado de lá dos mares o presidente Obama «segue atentamente a situação», mas estas coisas sei-as mais por ouvir dizer um poucochinho de passagem, digamos que como complemento das imagens das manifestações (com pequenos incêndios ateados pelos manifestantes, o que prova o seu carácter ordeiro e pacífico), de líderes religiosos falando numa língua que obviamente não entendo pelo que tenho de confiar-me às legendas escassas, de fitas verdes no pulso de alguns futebolistas iranianos a jogarem creio que na Coreia. São, como se vê, elementos avulsos que não dão para que um sujeito normal como sou, isto é, nem muito esperto nem com queda para bruxo, possa fazer uma ideia consistente e fundamentada acerca do que se está a passar lá longe, mas não tão longe que não seja importante para o resto do mundo que, como se sabe, é pequeno. Na verdade, acho que me falta informação apesar das notícias que abundam no meu televisor. Ou, dizendo-o melhor, mais claramente: acho que me falta informação que eu considere credível, acima de qualquer suspeita. O que é muito triste nestes tempos já chamados de Idade da Informação. Mas não, é certo, da Informação Confiável.

Porque mentir é fácil

O caso, parece-me, é que os tumultuosos acontecimentos havidos em Teerão colocam mais uma vez, para lá da sua gravidade, a questão da informação que todos os dias nos é prestada sobre o que vai sucedendo longe dos nossos olhos, da nossa experiência pessoal ou da maior ou menor sabença que viemos conseguindo acumular acerca do mundo e da vida. É claro que nos chegam notícias, punhados delas. Mas quem as traz, por que caminhos nos chegam? Salvo possíveis excepções que existirão mas por azar não conheço, são notícias inevitavelmente marcadas por uma origem ocidental. Ora, por muito pouca coisa que saiba, sei que o agora reeleito Ahmadinejad tem sido mimoseado com um ódio de estimação por parte do Ocidente, isto é, pelos que no Ocidente mandam, põem e dispõem. Se calhar até têm motivos para isso, não sei. Mas hei-de acreditar cegamente no que acerca de Ahmadinejad e deste Irão me vêm contar os inimigos deste Irão e de Ahmadinejad? Tenho ouvido falar do «contraditório», isto é, da prestação suficiente de informações divergentes e do seu cruzamento. Ora, neste caso como em muitos outros mais, onde está ele, o tal contraditório? O que, já se vê, é como quem pergunta pela tal informação credível que não tenha origem directa ou indirecta nas distantes, invisíveis mas seguramente existentes, centrais produtoras de informação orientada, quartéis-generais da guerra de persuasão maciça. É certo que ouço dizer muito fugazmente que o Irão denunciou manejos de serviços secretos ingleses e norte-americanos e, sabendo o poucochinho que sei do passado, não é acusação que me pareça disparatada: sei que as tradições de Londres não estão a abarrotar de respeito pelos assuntos internos do Irão e, quanto, a Washington, o conhecimentos de um extenso rol de efectivas acções anteriores misturam-se-me na memória com as estórias, de ficção mas inspiradas na realidade, que dezenas de filmes made in USA exportaram para minha casa via TV: neles, intrépidos e habilíssimos agentes da CIA ou de instituições similares derrubam ditadores de péssimo aspecto, restauram democracias, libertam povos para a felicidade e o pop/rock. Assim, não me parece absurda a acusação iraniana. Mas é claro que, também quanto a esta matéria, me faz imensa falta mais e melhor informação. A verdade é que mentir é fácil. Mas, reflicto eu enquanto desolado encaro o ecrã do meu televisor, acreditar é difícil.


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