Distrair para reinar...

Jorge Messias
Igreja e capitalismo continuam emparelhados como oficiais do mesmo ofício. A crise agrava-se e o «salve-se quem puder» instalou-se, para ficar, gerando o desemprego, a recessão e a miséria dos povos. A riqueza produzida pelo trabalho é sugada pelos grupos financeiros que constituem a coluna vertebral do sistema capitalista. O capital precisa de ganhar tempo e iludir as massas descontentes, concluem os banqueiros com a bênção dos cardeais. Por isso, a espaços, nos órgãos de comunicação pagos e bem pagos pelo poder, surgem afirmações desgarradas de altos responsáveis pela governação mundial apregoando, contra ventos e marés, que «o pior já passou» e «há uma luz ao fundo do túnel». São chavões que em nada alteram a realidade. Então, o papa, os cardeais e os bispos rompem com um pesado e longo silêncio para pregarem aos trabalhadores e às massas exploradas que os povos devem aceitar sofrer em silêncio, perdoar aos seus tiranos os crimes que cometeram e continuam a cometer e reconciliarem-se uns com os outros, renunciando à luta de classes. São palavras vazias de qualquer lógica mas que, todavia, podem ainda eventualmente enganar alguns de nós. Mas não nos iludamos. A crise económica, financeira, ética e social jamais poderá extinguir-se mantendo de pé o regime capitalista. É necessário que os trabalhadores cerrem fileiras e lutem. Não é esquecendo e perdoando que a injustiça das guerras e dos rumores de guerras, a exploração do homem e a chaga dos dinheiros mal-parados desaparecerão por obra e graça de qualquer milagre. Aqueles que nos pregam a Reconciliação apenas procuram utilizar a crise profunda do sistema para o manter e consolidar.

De regresso ao grande circo ...

A Igreja Católica portuguesa atravessa uma crise profunda de valores, revelada não apenas pela falta de vocações mas, sobretudo, pela a forma como tenta fazer regressar o País aos tempos de outrora. Se é certo que a antiga fórmula dos três «efes» (Fátima, Fado, Futebol) se desactualizou em relação ao Fado, convém manter a estrutura de domínio da Igreja em relação à sociedade. E o clero bem sabe que a fórmula mágica do poder sobrevive e se reforça se, no mundo católico, for devolvida à Família sacramental a força esmagadora que no passado gozou. É este o sentido da palavra de ordem que impõe aos católicos o seu maciço regresso às ruas, numa teia tecida com peregrinações, procissões de velas, actos de contrição e aparentes medidas eclesiásticas em defesa dos pobres. Agora, aparecem em catadupa propostas de lavagem conservadora ou mesmo fascista (como foi o caso de Santa Comba Dão) da imagem do velho Estado Novo. Sem ser assim, não será possível entender sugestões de raiz católica como as do uso obrigatório nas escolas, pelos alunos, de um uniforme, tal como aconteceu em tempos com a Mocidade Portuguesa; a entrega aos poderes da Igreja de enormes áreas administrativas na Saúde, no Ensino e na Segurança Social; ou a mirífica recente sugestão de que cada família rica deve «patrocinar» uma família pobre. Proposta que não é nova e os padres foram buscar à poeira da história da Roma Imperial ou, nos tempos modernos, à orgânica social dos estados nazifascistas. Trata-se de criar entre os pobres laços de dependência e submissão em relação aos ricos, desmobilizando as reivindicações e aprofundando o fosso entre a riqueza e a pobreza. Pobre ou explorado «cristãmente» apadrinhado deixa de lutar por um novo mundo.
Na mesma linha caritativa e sinuosa, o Patriarcado anuncia agora que são cada vez em maior número as famílias pobres, os velhos, os doentes e os desempregados que pedem auxílios à Igreja. Por isso, a Igreja vai apoiar a formação de 500 mini-empresas e recorrerá a formas de mini-crédito o qual, segundo afirma (sem temer fazer publicidade) terá o apoio e as garantias do Banco Espírito Santo. Os padres esquecem-se, ou ocultam, de que estão a reproduzir o modelo largamente usado por Salazar e por Marcelo Caetano em tempos de crise. Se essas iniciativas de pura propaganda não corrigiam as injustiças sociais nem promoviam progresso, ao menos criavam entre o povo a ideia de que alguma coisa se estava fazendo a seu favor. Simultaneamente, o episcopado faz coro com o patronato e declara que a noção de emprego fixo, garantido, acabou de uma vez por todas. O objectivo é, como se sabe, proceder à revisão indirecta da Constituição de Abril e eliminar direitos e garantias. Porque é evidente que a ausência de direitos, a pobreza extrema, o desemprego, a destruição de grande parte da classe média e a falência das pequenas e médias empresas (só em três meses foram destruídas cerca de 18 000!) tem como contrapartida a concentração da riqueza e a consolidação de um punhado de opulentas fortunas. Bom seria que a Igreja que tanto fala em Ética atentasse nestas coisas.
Os trabalhadores, mesmo nas fases mais duras da sua dura existência, não precisam de caridade. A extinção da exploração do homem depende da capacidade de luta dos explorados.


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No breve período de alguns dias, o senhor engenheiro Belmiro surgiu nos ecrãs dos nossos televisores a derramar sentenças. Tanto quanto julgo saber, o senhor engenheiro não é titular de nenhum cargo de representação patronal ou outra que explique a atenção que as estações de TV lhe dispensam: é apenas ele, Belmiro, não...