O desprezo do Governo por uma questão estratégica
Em 2008, os emigrantes enviaram para Portugal cerca de 7 milhões de euros por dia, incluindo os sábados, domingos e feriados. Estamos, pois, a falar de um valor anual global de 2558 milhões de euros. Donde vem esse dinheiro? Vem um pouco de toda a parte, embora tais remessas estejam, em cerca de 90%, concentradas em apenas 8 países (França, Suíça, EUA, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Luxemburgo e Canadá).
Em termos de ranking o país líder no plano das remessas é a França, com 996 milhões de euros, seguido da Suíça com 558 milhões de euros.
Estes dois países são, de longe, aqueles que mais contribuem com a transferência das poupanças dos emigrantes, sendo responsáveis por 61% do total das remessas.
Em 3.º lugar estão os EUA com 176 milhões de euros e em 4.º lugar a Alemanha com 157 milhões de euros.
A Espanha, aqui mesmo ao lado, ocupa a 5.ª posição, responsável pelo envio de 148 milhões de euros, valor que supera o Reino Unido e a soma conjunta do Luxemburgo e do Canadá.
A importância da Espanha é, contudo, superior aos dados atrás referidos.
Com efeito, temos de ter presente a actividade transfronteiriça, bem com a actividade laboral pendular (idas e vindas semanais dos trabalhadores) através das quais são processadas transferências directas, sem recurso a terceiros, ou seja, ao sistema financeiro.
A Espanha é, (ou era) pelo atrás exposto, um caso singular que pouco tem (ou tinha) a ver com a evolução das remessas dos emigrantes.
Estas, no seu conjunto, estão em regressão, se tomarmos como ponto de referência o que se passava, por exemplo, há 15 anos, ou até mais recentemente, como seja o ano de 2001.
Em 1993, as remessas totalizaram cerca de 3352 milhões de euros, valor que sobe aos 3737 milhões euros em 2001.
Em 2008 foi o que se viu, apenas 2558 milhões de euros, ou seja uma quebra nominal de 1179 milhões de euros relativamente ao ano atrás referido, valor que sobe a cerca de dois mil milhões de euros se considerarmos, nesse período de sete anos, a taxa de inflação verificada em Portugal.
Qual a explicação para a redução do envio das remessas?
Haverá, seguramente, muitas razões: desemprego, redução do salário real, fixação definitiva nos países de acolhimento, alteração nos padrões de consumo, razões familiares.
Mas haverá também uma outra razão estrutural ligada aos comportamentos das classes dominantes, ou seja, uma menorização por parte do Governo pela importância estratégica das remessas, a que se soma a ganância de lucro por parte dos banqueiros ao negarem um juro rentável às poupanças dos emigrantes, tudo isto a par do efeito concorrencial dos off-shores espalhados por esse mundo fora, cujos mandantes não são, como Lula da Silva expressou na sua metáfora a propósito da crise do capitalismo, «os homens brancos com olhos azuis», mas antes seres que não se pautam por factores biológicos mas sim pela máxima exploração de quem vive do trabalho.
O comportamento do sistema financeiro
- do parasitismo à usura -
Retenhamos, agora, a nossa atenção sobre os primeiros anos do século XXI, não na perspectiva das remessas mas do volume dos depósitos dos emigrantes colocados em Portugal, na banca tradicional, ou seja, excluindo os off-shores.
Numa análise feita a tais poupanças, bem como ao conjunto dos depósitos de todos os residentes, é fácil de concluir que todo esse aforro é mal retribuído pelo sistema financeiro, cujo parasitismo no pagamento dos depósitos e cuja usura na fixação das taxas relativas ao crédito têm, respectivamente, contribuído para a crise da nossa economia, muito antes da crise internacional ter entrado pelas nossa fronteiras.
Com efeito:
- o parasitismo da banca tem tido consequências negativas no investimento;
- a usura da banca tem possibilitado uma elevadíssima concentração de capital que, por sua vez, potencia o poder político dos detentores dessa acumulação.
Vejamos, a propósito do parasitismo da banca, alguns exemplos retirados dos Anuários Estatísticos do INE:
Em 2000, o total dos depósitos dos emigrantes correspondia a cerca de 10695 milhões de euros, pelos quais estes concidadãos receberam, sob a forma de juros, cerca de 283 milhões de euros. Estamos a falar de uma taxa média de remuneração de 2,6%, isto num ano em que a inflação atingiu os 2,9%.
Convém dizer que a estatística disponível não desagrega aquele valor por depósitos à ordem e por depósitos a prazo e, dentro destes, não refere os prazos em que se subdividem.
Mas quando, em termos médios, a inflação supera a taxa média de retribuição dos depósitos, está tudo dito, ou seja, não compensa canalizar a poupança para os bancos quando o aumento do preço dos bens e serviços supera o valor dos juros dos depósitos. Fazer isto é a mesma coisa que entregar o ouro ao bandido.
Em 2001, repete-se, de uma forma agravada, a mesma história.
Nesse ano os emigrantes tinham depositados nos bancos instalados em Portugal 11219 milhões de euros, tendo recebido, sob a forma de juros, 336 milhões de euros, o que correspondia a uma taxa média de 3%, quando no mesmo período a inflação atingiu os 4,4%.
A partir de 2001, ano em que os depósitos atingiram, no presente século, o seu valor mais elevado, assiste-se a uma constante e progressiva regressão.
Em 2002, os depósitos dos emigrantes regridem para os 9639 milhões de euros, tendo os mesmos rendido 239 milhões de euros, a que correspondeu uma taxa média de 2,5%, enquanto que a inflação subiu aos 3,6%.
Em 2003, 2004 e 2005, os depósitos fixaram-se, respectivamente, em 8574, 7595 e 5909 milhões de euros, o que comprova o plano inclinado em que decorrem os depósitos e, reflexamente, as remessas dos emigrantes.
Em 2006, o total dos depósitos dos emigrantes atingiu apenas 5745 milhões de euros, ou seja, menos 49%, no espaço temporal de 5 anos, o que faz com que, no conjunto dos depósitos, incluindo os dos residentes, a parte relativa aos emigrantes não represente mas do que 3,9%, o que constitui a prova provada do desinteresse do Governo pela poupança gerada pelos emigrantes.
Entretanto, relativamente a este último ano, o Banco de Portugal confirma, com uma pequena diferença, aquele valor e numa rubrica denominada «Depósitos e equiparados de emigrantes em outras instituições financeira monetárias» acrescenta que, no off-shore da Madeira, os emigrantes tinham aí depositado 1579 milhões de euros, valor que sobe aos 2020 e 2309 milhões de euros em 2007 e 2008, respectivamente.
Localização geográfica dos depósitos dos emigrantes
Onde, em termos regionais, pára, no sistema bancário, o dinheiro dos emigrantes?
Onde é que ele está? Está, obviamente, em larga escala na terra do Jardim, no concelho do Funchal.
Os últimos dados disponíveis diziam que estavam aí depositados, em nome dos emigrantes, qualquer coisa como 33% do total de depósitos e equiparados dos emigrantes, valor predominantemente explicado pela existência de um off-shore.
Para se ter uma ideia da importância deste valor basta dizer que ele correspondia ao total dos depósitos sediados nos distritos de Portalegre, Évora, Beja, Setúbal, Bragança, Castelo Branco, Santarém, Faro, Coimbra, Guarda e Açores.
Excluindo a situação particular do Funchal, os depósitos mais vultuosos dos emigrantes localizam-se, em termos regionais, no Norte e no Centro, ou seja, em regiões onde se praticam os mais baixos salários, dos baixos salários praticados em Portugal, razão pela qual se explica, em grande parte, a emigração.
Há, com efeito, de acordo com os dados do INE, uma grande concentração de depósitos de emigrantes no Minho, designadamente em Arcos de Valdevez, Viana do Castelo, Melgaço, Monção, Braga e Fafe, concelhos, cada um deles, com mais de 50 milhões de euros em depósitos. Na Beira Interior e no Norte, dentro dos mesmos parâmetros, é de salientar os concelhos de Viseu, Guarda, Sabugal, Porto e Chaves.
Mais a sul, mas a norte do rio Tejo, temos alguns concelhos onde os depósitos superam os 50 milhões de euros, como são os casos de Cantanhede, Leiria, Pombal, Ourém, a que se juntam, os concelhos de Lisboa e de Oeiras.
A sul do rio Tejo não há nenhum concelho onde o volume dos depósitos dos emigrantes supere os 50 milhões de euros, salvo, apenas, uma excepção: o concelho de Loulé.
A importância dos depósitos dos emigrantes nos distritos de Portalegre, Évora e Beja é meramente residual. Não representam mais do que 2% do total, valor similar ao verificado no distrito de Setúbal.
O Algarve também detém uma reduzida importância, na ordem dos 2,9%.
Isto significa que há, no país, e neste aspecto, três realidades distintas:
- uma, envolvendo o Norte e o Centro do continente, onde se situa cerca de metade do total dos depósitos;
- outra, a sul do rio Tejo, com uma expressão muito reduzida de depósitos;
- e, ainda, uma outra relativa à Região Autónoma da Madeira.
O papel dos off-shores
Numa análise feita aos últimos 5 anos verifica-se, nesse período, uma significativa oscilação no valor dos depósitos na Região Autónoma da Madeira
Não dispomos de dados que nos levem a uma explicação detalhada dos altos e baixos dos depósitos num reduzido espaço temporal nem a uma explicação factual daquilo que indicia ser a existência de um sistema de vasos comunicantes entre a banca tradicional e os respectivos interesses nos seus paraísos fiscais.
Mas quando tais movimentos são processados numa região onde existe um off-shore tudo é possível, como todos nós temos aprendido com os negócios, mesmo que desmemorizados, do Dr. Dias Loureiro, conselheiro de Estado, ex-ministro do governo de Cavaco Silva e ex-dirigente do BPN, instituição conhecida como o «banco-laranja», onde pontificavam outros ex-governantes do PSD, bem como dos off-shores ligados a intervenientes de processos sob investigação, designadamente o do Freeport, o do BCP e o do «Furacão».
(Nota: desconhecemos se existe alguma conexão dos off-shores com o negócio da compra dos submarinos, do edifício dos CTT de Coimbra, dos casos Portucale, Siresp, Casino de Lisboa e das universidades privadas, situações todas elas muito referenciadas na comunicação social). Por tudo isto, a estatística nesta área precisa de ser lida com muita cautela e rigor, tanto quanto o cuidado a ter com o manuseamento dos «esqueletos guardados nos armários» dos responsáveis pela política de direita nos últimos 33 anos, de que o caso BPN é um mero exemplo.
Bom, deixemos os aspectos qualitativos dos off-shores e vejamos os seus aspectos quantitativos.
Com efeito, se, por um lado, os dados disponíveis do BP no âmbito do off-shore da Madeira referem quebras nos depósitos dos emigrantes em 2005 e 2006, aquela entidade reguladora refere, como já atrás referimos, um aumento muito expressivo nos anos seguintes, tendo o valor dos depósitos dos emigrantes naquele paraíso fiscal atingido em 2008 cerca de 2309 milhões de euros, valor que supera os depósitos das sociedades e particulares residentes em Portugal, mas depositados no off-shore em questão.
A amplitude das descidas e subidas de tais depósitos, a fazer lembrar os altos e baixos da montanha russa, não acompanha, naturalmente, a evolução dos rendimentos dos emigrantes, ou seja, a evolução dos respectivos salários não sofre, de um ano para o outro, as oscilações atrás referidas, pelo que, a explicação para os fluxos e refluxos financeiros tem de estar no comportamento dos banqueiros, a par, do interesse pelo beneficio fiscal por parte dos depositantes, circunstância que não pode ocultar o papel dos off-shores nos tráficos da droga, da prostituição e do armamento, no branqueamento de capitais, na camuflagem de negócios escuros ligados à corrupção e na chantagem, como parece ser o caso ligado ao assalto à residência do juiz ligado ao processo «Furacão» que, como se sabe, envolve vários bancos da nossa praça.
A importância da poupança e do investimento
A importância das remessas dos emigrantes e o respectivo aforro no sistema bancário devia constituir um objectivo estratégico do Governo. E porquê? Porque o País precisa de fomentar a poupança e, por via de um sistema financeiro criteriosamente gerido e supervisionado, transformar essa poupança em investimento, sem esquecer as boas práticas no que concerne ao pagamento dos juros, quer eles resultem de depósitos, quer de créditos.
Mas investimento em que sectores?
- na especulação financeira, como aconteceu no «interface financeiro do bloco central», ou seja, na CGD que criminosamente emprestou centenas de milhões de euros a vários jogadores da bolsa interessados no controle do BCP, os quais, para obterem tais empréstimos, deram como garantia acções que hoje se encontram substancialmente desvalorizadas?
- No desperdício de recursos, na construção de casas desabitadas e no negócio, ao serviço das grandes construtoras, exemplarmente tipificado quer na construção da 3.ª auto-estrada a ligar Coimbra ao Porto quer nas auto-estradas já construídas mas sub-utilizadas?
- no consumismo de luxo, na aquisição de bólides de alta cilindrada, de iates e de mansões em condomínios fechados?
O País precisa, conjugadamente, de captar as poupanças investindo-as em sectores geradores de emprego, que potencie o nosso mercado interno, que minimize as importações, que maximize as exportações e que, por via de uma coisa e outra, melhore tanto a nossa balança comercial como a recolha de impostos.
Em que sectores? Em múltiplos sectores. Vejamos, a este propósito, a título de exemplo, um caso clássico, que devia ser do conhecimento de todos: o nosso déficit alimentar.
Em 2007, para termos acesso à comida de que necessitamos tivemos de importar alimentos no valor de:
- 2701 milhões de euros em animais vivos e produtos do reino animal;
- 2115 milhões de euros em produtos do reino vegetal;
- 219 milhões de euros em gorduras e óleos animais, vegetais, etc.;
- 2158 milhões de euros em produtos das indústrias alimentares, bebidas, tabaco, etc..
A dimensão destas compras ao estrangeiro levanta uma questão, que é a seguinte: e se nós, em Portugal, produzíssemos, não a totalidade, porque isso é difícil, mas pelo menos uma parte significativa daquilo que importamos, que significado teria essa produção no mercado de trabalho?
De acordo com os actuais parâmetros de produtividade existente no sector agro-alimentar a substituição, por exemplo, de cerca de metade dessas importações pela produção nacional daria lugar a dezenas de milhar de novos postos de trabalho directos, sem contar com o efeito que isso teria nas várias actividades industriais, de transportes e de serviços, quer a montante, quer a jusante.
O governo não fala deste déficit (cerca de 60% só na área das matérias-primas destinadas à indústria agro-alimentar) embora, à exaustão, fale, porque lhe convém, do déficit energético, sobretudo aquele que tem a ver com a importação de petróleo e com o agravamento da sua cotação.
Sobre o déficit alimentar o PS está caladinho, porque ele sabe bem que o facto de o País não produzir os alimentos necessários de que precisa constitui um libelo acusatório a todos aqueles que apostaram na financeirização da economia, na economia de casino, na economia de serviços de reduzido valor acrescentado e no turismo, de tal forma que, segundo o INE reportado ao último trimestre de 2008, os sectores financeiro e de actividades imobiliárias já pesam mais no produto interno bruto (PIB) de que toda a nossa indústria.
Quanto a isto o PCP tem propostas muito claras bastando, para o efeito ter presente o seu Programa, em cujo capítulo II «Portugal: Uma Democracia Avançada No Limiar Do Século XXI» está expresso que:
«A política financeira deverá subordinar-se e adequar-se às necessidades do financiamento e desenvolvimento da esfera produtiva, e terá como eixos essenciais:
- a defesa do equilíbrio financeiro (interno e externo);
- a gestão integrada dos mecanismos financeiros essenciais (política orçamental e fiscal, política monetária e política cambial);
- a eficiência da administração financeira e dos instrumentos e instituições financeiros;
- o fomento da poupança e sua mobilização para fins produtivos».
Pela sua importância vale a pena insistir com a parte final do texto atrás citado, ou seja, na exigência que cabe ao governo criar as condições para captar as poupanças dos emigrantes, ligando-os ao nosso sistema financeiro, mesmo que isso possa incluir um prémio na atribuição da taxa de juro, ou um bónus no imposto de capital, factores, um e outro, ao serviço da captação das poupanças, que tanta falta fazem ao país, sobretudo num período de escassez de recursos.
Nesta política devia, a CGD, assumir a liderança, na exigência de que tais recursos deviam ser colocadas ao serviço do «financiamento da actividade produtiva e em especial da actividade produtiva que aposte na produção de bens transaccionáveis e na diversificação das exportações, desenvolvida, designadamente, por micro, pequenas e médias empresas».
_____________
Fontes:
Programa do PCP
Banco de Portugal – Boletim Estatístico, Fevereiro de 2009
INE – Estatísticas do Comércio Internacional
INE – Anuários Estatísticos (últimos disponíveis)
Diário Económico de 12/3/2009
Semanário Económico de 28/3/2009
Expresso, de 28/3/2009
Diário de Notícias de 2/4/2009
Estes dois países são, de longe, aqueles que mais contribuem com a transferência das poupanças dos emigrantes, sendo responsáveis por 61% do total das remessas.
Em 3.º lugar estão os EUA com 176 milhões de euros e em 4.º lugar a Alemanha com 157 milhões de euros.
A Espanha, aqui mesmo ao lado, ocupa a 5.ª posição, responsável pelo envio de 148 milhões de euros, valor que supera o Reino Unido e a soma conjunta do Luxemburgo e do Canadá.
A importância da Espanha é, contudo, superior aos dados atrás referidos.
Com efeito, temos de ter presente a actividade transfronteiriça, bem com a actividade laboral pendular (idas e vindas semanais dos trabalhadores) através das quais são processadas transferências directas, sem recurso a terceiros, ou seja, ao sistema financeiro.
A Espanha é, (ou era) pelo atrás exposto, um caso singular que pouco tem (ou tinha) a ver com a evolução das remessas dos emigrantes.
Estas, no seu conjunto, estão em regressão, se tomarmos como ponto de referência o que se passava, por exemplo, há 15 anos, ou até mais recentemente, como seja o ano de 2001.
Em 1993, as remessas totalizaram cerca de 3352 milhões de euros, valor que sobe aos 3737 milhões euros em 2001.
Em 2008 foi o que se viu, apenas 2558 milhões de euros, ou seja uma quebra nominal de 1179 milhões de euros relativamente ao ano atrás referido, valor que sobe a cerca de dois mil milhões de euros se considerarmos, nesse período de sete anos, a taxa de inflação verificada em Portugal.
Qual a explicação para a redução do envio das remessas?
Haverá, seguramente, muitas razões: desemprego, redução do salário real, fixação definitiva nos países de acolhimento, alteração nos padrões de consumo, razões familiares.
Mas haverá também uma outra razão estrutural ligada aos comportamentos das classes dominantes, ou seja, uma menorização por parte do Governo pela importância estratégica das remessas, a que se soma a ganância de lucro por parte dos banqueiros ao negarem um juro rentável às poupanças dos emigrantes, tudo isto a par do efeito concorrencial dos off-shores espalhados por esse mundo fora, cujos mandantes não são, como Lula da Silva expressou na sua metáfora a propósito da crise do capitalismo, «os homens brancos com olhos azuis», mas antes seres que não se pautam por factores biológicos mas sim pela máxima exploração de quem vive do trabalho.
O comportamento do sistema financeiro
- do parasitismo à usura -
Retenhamos, agora, a nossa atenção sobre os primeiros anos do século XXI, não na perspectiva das remessas mas do volume dos depósitos dos emigrantes colocados em Portugal, na banca tradicional, ou seja, excluindo os off-shores.
Numa análise feita a tais poupanças, bem como ao conjunto dos depósitos de todos os residentes, é fácil de concluir que todo esse aforro é mal retribuído pelo sistema financeiro, cujo parasitismo no pagamento dos depósitos e cuja usura na fixação das taxas relativas ao crédito têm, respectivamente, contribuído para a crise da nossa economia, muito antes da crise internacional ter entrado pelas nossa fronteiras.
Com efeito:
- o parasitismo da banca tem tido consequências negativas no investimento;
- a usura da banca tem possibilitado uma elevadíssima concentração de capital que, por sua vez, potencia o poder político dos detentores dessa acumulação.
Vejamos, a propósito do parasitismo da banca, alguns exemplos retirados dos Anuários Estatísticos do INE:
Em 2000, o total dos depósitos dos emigrantes correspondia a cerca de 10695 milhões de euros, pelos quais estes concidadãos receberam, sob a forma de juros, cerca de 283 milhões de euros. Estamos a falar de uma taxa média de remuneração de 2,6%, isto num ano em que a inflação atingiu os 2,9%.
Convém dizer que a estatística disponível não desagrega aquele valor por depósitos à ordem e por depósitos a prazo e, dentro destes, não refere os prazos em que se subdividem.
Mas quando, em termos médios, a inflação supera a taxa média de retribuição dos depósitos, está tudo dito, ou seja, não compensa canalizar a poupança para os bancos quando o aumento do preço dos bens e serviços supera o valor dos juros dos depósitos. Fazer isto é a mesma coisa que entregar o ouro ao bandido.
Em 2001, repete-se, de uma forma agravada, a mesma história.
Nesse ano os emigrantes tinham depositados nos bancos instalados em Portugal 11219 milhões de euros, tendo recebido, sob a forma de juros, 336 milhões de euros, o que correspondia a uma taxa média de 3%, quando no mesmo período a inflação atingiu os 4,4%.
A partir de 2001, ano em que os depósitos atingiram, no presente século, o seu valor mais elevado, assiste-se a uma constante e progressiva regressão.
Em 2002, os depósitos dos emigrantes regridem para os 9639 milhões de euros, tendo os mesmos rendido 239 milhões de euros, a que correspondeu uma taxa média de 2,5%, enquanto que a inflação subiu aos 3,6%.
Em 2003, 2004 e 2005, os depósitos fixaram-se, respectivamente, em 8574, 7595 e 5909 milhões de euros, o que comprova o plano inclinado em que decorrem os depósitos e, reflexamente, as remessas dos emigrantes.
Em 2006, o total dos depósitos dos emigrantes atingiu apenas 5745 milhões de euros, ou seja, menos 49%, no espaço temporal de 5 anos, o que faz com que, no conjunto dos depósitos, incluindo os dos residentes, a parte relativa aos emigrantes não represente mas do que 3,9%, o que constitui a prova provada do desinteresse do Governo pela poupança gerada pelos emigrantes.
Entretanto, relativamente a este último ano, o Banco de Portugal confirma, com uma pequena diferença, aquele valor e numa rubrica denominada «Depósitos e equiparados de emigrantes em outras instituições financeira monetárias» acrescenta que, no off-shore da Madeira, os emigrantes tinham aí depositado 1579 milhões de euros, valor que sobe aos 2020 e 2309 milhões de euros em 2007 e 2008, respectivamente.
Localização geográfica dos depósitos dos emigrantes
Onde, em termos regionais, pára, no sistema bancário, o dinheiro dos emigrantes?
Onde é que ele está? Está, obviamente, em larga escala na terra do Jardim, no concelho do Funchal.
Os últimos dados disponíveis diziam que estavam aí depositados, em nome dos emigrantes, qualquer coisa como 33% do total de depósitos e equiparados dos emigrantes, valor predominantemente explicado pela existência de um off-shore.
Para se ter uma ideia da importância deste valor basta dizer que ele correspondia ao total dos depósitos sediados nos distritos de Portalegre, Évora, Beja, Setúbal, Bragança, Castelo Branco, Santarém, Faro, Coimbra, Guarda e Açores.
Excluindo a situação particular do Funchal, os depósitos mais vultuosos dos emigrantes localizam-se, em termos regionais, no Norte e no Centro, ou seja, em regiões onde se praticam os mais baixos salários, dos baixos salários praticados em Portugal, razão pela qual se explica, em grande parte, a emigração.
Há, com efeito, de acordo com os dados do INE, uma grande concentração de depósitos de emigrantes no Minho, designadamente em Arcos de Valdevez, Viana do Castelo, Melgaço, Monção, Braga e Fafe, concelhos, cada um deles, com mais de 50 milhões de euros em depósitos. Na Beira Interior e no Norte, dentro dos mesmos parâmetros, é de salientar os concelhos de Viseu, Guarda, Sabugal, Porto e Chaves.
Mais a sul, mas a norte do rio Tejo, temos alguns concelhos onde os depósitos superam os 50 milhões de euros, como são os casos de Cantanhede, Leiria, Pombal, Ourém, a que se juntam, os concelhos de Lisboa e de Oeiras.
A sul do rio Tejo não há nenhum concelho onde o volume dos depósitos dos emigrantes supere os 50 milhões de euros, salvo, apenas, uma excepção: o concelho de Loulé.
A importância dos depósitos dos emigrantes nos distritos de Portalegre, Évora e Beja é meramente residual. Não representam mais do que 2% do total, valor similar ao verificado no distrito de Setúbal.
O Algarve também detém uma reduzida importância, na ordem dos 2,9%.
Isto significa que há, no país, e neste aspecto, três realidades distintas:
- uma, envolvendo o Norte e o Centro do continente, onde se situa cerca de metade do total dos depósitos;
- outra, a sul do rio Tejo, com uma expressão muito reduzida de depósitos;
- e, ainda, uma outra relativa à Região Autónoma da Madeira.
O papel dos off-shores
Numa análise feita aos últimos 5 anos verifica-se, nesse período, uma significativa oscilação no valor dos depósitos na Região Autónoma da Madeira
Não dispomos de dados que nos levem a uma explicação detalhada dos altos e baixos dos depósitos num reduzido espaço temporal nem a uma explicação factual daquilo que indicia ser a existência de um sistema de vasos comunicantes entre a banca tradicional e os respectivos interesses nos seus paraísos fiscais.
Mas quando tais movimentos são processados numa região onde existe um off-shore tudo é possível, como todos nós temos aprendido com os negócios, mesmo que desmemorizados, do Dr. Dias Loureiro, conselheiro de Estado, ex-ministro do governo de Cavaco Silva e ex-dirigente do BPN, instituição conhecida como o «banco-laranja», onde pontificavam outros ex-governantes do PSD, bem como dos off-shores ligados a intervenientes de processos sob investigação, designadamente o do Freeport, o do BCP e o do «Furacão».
(Nota: desconhecemos se existe alguma conexão dos off-shores com o negócio da compra dos submarinos, do edifício dos CTT de Coimbra, dos casos Portucale, Siresp, Casino de Lisboa e das universidades privadas, situações todas elas muito referenciadas na comunicação social). Por tudo isto, a estatística nesta área precisa de ser lida com muita cautela e rigor, tanto quanto o cuidado a ter com o manuseamento dos «esqueletos guardados nos armários» dos responsáveis pela política de direita nos últimos 33 anos, de que o caso BPN é um mero exemplo.
Bom, deixemos os aspectos qualitativos dos off-shores e vejamos os seus aspectos quantitativos.
Com efeito, se, por um lado, os dados disponíveis do BP no âmbito do off-shore da Madeira referem quebras nos depósitos dos emigrantes em 2005 e 2006, aquela entidade reguladora refere, como já atrás referimos, um aumento muito expressivo nos anos seguintes, tendo o valor dos depósitos dos emigrantes naquele paraíso fiscal atingido em 2008 cerca de 2309 milhões de euros, valor que supera os depósitos das sociedades e particulares residentes em Portugal, mas depositados no off-shore em questão.
A amplitude das descidas e subidas de tais depósitos, a fazer lembrar os altos e baixos da montanha russa, não acompanha, naturalmente, a evolução dos rendimentos dos emigrantes, ou seja, a evolução dos respectivos salários não sofre, de um ano para o outro, as oscilações atrás referidas, pelo que, a explicação para os fluxos e refluxos financeiros tem de estar no comportamento dos banqueiros, a par, do interesse pelo beneficio fiscal por parte dos depositantes, circunstância que não pode ocultar o papel dos off-shores nos tráficos da droga, da prostituição e do armamento, no branqueamento de capitais, na camuflagem de negócios escuros ligados à corrupção e na chantagem, como parece ser o caso ligado ao assalto à residência do juiz ligado ao processo «Furacão» que, como se sabe, envolve vários bancos da nossa praça.
A importância da poupança e do investimento
A importância das remessas dos emigrantes e o respectivo aforro no sistema bancário devia constituir um objectivo estratégico do Governo. E porquê? Porque o País precisa de fomentar a poupança e, por via de um sistema financeiro criteriosamente gerido e supervisionado, transformar essa poupança em investimento, sem esquecer as boas práticas no que concerne ao pagamento dos juros, quer eles resultem de depósitos, quer de créditos.
Mas investimento em que sectores?
- na especulação financeira, como aconteceu no «interface financeiro do bloco central», ou seja, na CGD que criminosamente emprestou centenas de milhões de euros a vários jogadores da bolsa interessados no controle do BCP, os quais, para obterem tais empréstimos, deram como garantia acções que hoje se encontram substancialmente desvalorizadas?
- No desperdício de recursos, na construção de casas desabitadas e no negócio, ao serviço das grandes construtoras, exemplarmente tipificado quer na construção da 3.ª auto-estrada a ligar Coimbra ao Porto quer nas auto-estradas já construídas mas sub-utilizadas?
- no consumismo de luxo, na aquisição de bólides de alta cilindrada, de iates e de mansões em condomínios fechados?
O País precisa, conjugadamente, de captar as poupanças investindo-as em sectores geradores de emprego, que potencie o nosso mercado interno, que minimize as importações, que maximize as exportações e que, por via de uma coisa e outra, melhore tanto a nossa balança comercial como a recolha de impostos.
Em que sectores? Em múltiplos sectores. Vejamos, a este propósito, a título de exemplo, um caso clássico, que devia ser do conhecimento de todos: o nosso déficit alimentar.
Em 2007, para termos acesso à comida de que necessitamos tivemos de importar alimentos no valor de:
- 2701 milhões de euros em animais vivos e produtos do reino animal;
- 2115 milhões de euros em produtos do reino vegetal;
- 219 milhões de euros em gorduras e óleos animais, vegetais, etc.;
- 2158 milhões de euros em produtos das indústrias alimentares, bebidas, tabaco, etc..
A dimensão destas compras ao estrangeiro levanta uma questão, que é a seguinte: e se nós, em Portugal, produzíssemos, não a totalidade, porque isso é difícil, mas pelo menos uma parte significativa daquilo que importamos, que significado teria essa produção no mercado de trabalho?
De acordo com os actuais parâmetros de produtividade existente no sector agro-alimentar a substituição, por exemplo, de cerca de metade dessas importações pela produção nacional daria lugar a dezenas de milhar de novos postos de trabalho directos, sem contar com o efeito que isso teria nas várias actividades industriais, de transportes e de serviços, quer a montante, quer a jusante.
O governo não fala deste déficit (cerca de 60% só na área das matérias-primas destinadas à indústria agro-alimentar) embora, à exaustão, fale, porque lhe convém, do déficit energético, sobretudo aquele que tem a ver com a importação de petróleo e com o agravamento da sua cotação.
Sobre o déficit alimentar o PS está caladinho, porque ele sabe bem que o facto de o País não produzir os alimentos necessários de que precisa constitui um libelo acusatório a todos aqueles que apostaram na financeirização da economia, na economia de casino, na economia de serviços de reduzido valor acrescentado e no turismo, de tal forma que, segundo o INE reportado ao último trimestre de 2008, os sectores financeiro e de actividades imobiliárias já pesam mais no produto interno bruto (PIB) de que toda a nossa indústria.
Quanto a isto o PCP tem propostas muito claras bastando, para o efeito ter presente o seu Programa, em cujo capítulo II «Portugal: Uma Democracia Avançada No Limiar Do Século XXI» está expresso que:
«A política financeira deverá subordinar-se e adequar-se às necessidades do financiamento e desenvolvimento da esfera produtiva, e terá como eixos essenciais:
- a defesa do equilíbrio financeiro (interno e externo);
- a gestão integrada dos mecanismos financeiros essenciais (política orçamental e fiscal, política monetária e política cambial);
- a eficiência da administração financeira e dos instrumentos e instituições financeiros;
- o fomento da poupança e sua mobilização para fins produtivos».
Pela sua importância vale a pena insistir com a parte final do texto atrás citado, ou seja, na exigência que cabe ao governo criar as condições para captar as poupanças dos emigrantes, ligando-os ao nosso sistema financeiro, mesmo que isso possa incluir um prémio na atribuição da taxa de juro, ou um bónus no imposto de capital, factores, um e outro, ao serviço da captação das poupanças, que tanta falta fazem ao país, sobretudo num período de escassez de recursos.
Nesta política devia, a CGD, assumir a liderança, na exigência de que tais recursos deviam ser colocadas ao serviço do «financiamento da actividade produtiva e em especial da actividade produtiva que aposte na produção de bens transaccionáveis e na diversificação das exportações, desenvolvida, designadamente, por micro, pequenas e médias empresas».
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Fontes:
Programa do PCP
Banco de Portugal – Boletim Estatístico, Fevereiro de 2009
INE – Estatísticas do Comércio Internacional
INE – Anuários Estatísticos (últimos disponíveis)
Diário Económico de 12/3/2009
Semanário Económico de 28/3/2009
Expresso, de 28/3/2009
Diário de Notícias de 2/4/2009