O pretexto ideológico para acabar com as pensões mínimas
O complemento solidário para idosos (CSI) foi instituído pelo Decreto-Lei 232/2005 de 29 de Dezembro tendo, salvo um artigo, entrado em vigor em 1/1/2006.
A partir dessa data até ao momento presente, foram publicados sobre o mesmo tema cerca de uma dúzia de diplomas, sob a forma de Portarias, Decretos-Lei e Regulamentares, cuja exuberância legislativa evidencia uma génese não só demagógica como de clivagem, ou seja, o de retirar benefícios a cerca de um milhão e duzentos mil reformados pobres que beneficiam das pensões mínimas para os redistribuir por pouco mais de uma centena de milhar de reformados tão pobres quanto os anteriores, ou seja, os actuais beneficiários do CSI.
No fundo, o PS mais não fez com esta prestação social daquilo que a política de direita havia feito com o abono de família, acabando não só com o princípio da universalidade desta prestação social, como retirando direitos a determinados extractos da classe média baixa e da classe média, para distribuir por outros com menores rendimentos, quando o que devia ter sido feito era ir à raiz do problema, ou seja, implementar uma mais justa política de distribuição da riqueza criada, em vez de estigmatizar quem, por salários mais elevados do que a média nacional, contribui, por via dos seus descontos, para a sustentabilidade da Segurança Social.
Aliás, a origem do complemento social para idosos, denominado de «prestação extraordinária» pelo próprio Governo, é tão contraditória quanto o conteúdo do preâmbulo do já referido Decreto-Lei 232/2005.
Com efeito, o Governo começa por afirmar: «Os indicadores de pobreza relativos a Portugal evidenciam a necessidade de correcção das intoleráveis assimetrias de rendimento existentes entre os Portugueses...».
Depois desta constatação tudo indicava que o Governo iria, pela via fiscal, atacar as desigualdades sociais, formalmente designadas de «assimetrias no rendimento», agravando os impostos dos mais ricos, obrigando as empresas, sobretudo as do sistema financeiro, a pagar integralmente o IRC, recuperando as dívidas dos empresários caloteiros e criando um imposto sobre as transacções em bolsa, por forma a, quer por via do reforço orçamental quer pela via da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, resolver o problema da pobreza na população com menores recursos, designadamente as crianças, os jovens, os deficientes e os idosos.
Mas não. O que o PS fez, importa repetir para que ninguém se esqueça, foi o de secar as pensões mínimas de um milhão de reformados, pensões essas que, actualmente, estão balizadas, no regime geral, entre um mínimo de 243,32 euros para quem tenha tido um período contributivo inferior a 15 anos, até um máximo de 374,36 euros para quem tenha tido um período contributivo de 31 e mais anos de desconto, valores que descem para os 224,62 euros e 187,18 euros nos casos, respectivamente, do regime especial das actividades agrícolas e da pensão social.
Estas pensões, dada a magreza do seu valor, sempre tiveram, salvo alguns interregnos, um tratamento diferenciado, ou seja, foram actualizadas em percentagens que lhes garantiram, embora modestamente, um aumento real. Com o retrocesso imposto pelo Governo de José Sócrates ao sistema público de Segurança Social, o que irá acontecer, caso não haja uma ruptura com as políticas de direita, é que estas pensões irão sofrer uma erosão no seu poder de compra, dado que as actualizações das pensões estão indexadas à evolução da economia. E, para o universo em questão, caso a economia não cresça a valores superiores a 2%, não haverá não só aumento real do poder de compra como haverá perda do seu valor aquisitivo, em função daquilo que for o aumento de preços de bens e serviços entre o primeiro e o último dia de cada ano.
Um porco por um chouriço
São, pois, estes, os reformados mais pobres, os verdadeiros financiadores do complemento solidário para idosos, de resto confirmado pelo próprio PS ao afirmar, em letra de forma, que, e passamos a citar:
«De facto, uma avaliação rigorosa permite perceber que a estratégia prosseguida até aqui, assente no aumento generalizado do valor das pensões mínimas, tratando de igual forma o que é diferente (abre-se aqui um parêntesis para dizer que o PS devia pagar direitos de autor a Bagão Félix), se revela uma estratégia financeiramente insustentável...».
Pois claro: «...uma estratégia financeiramente insustentável...». Esta é a frase chave que norteou o PS na constituição do complemento solidário para idosos.
Basta ler este naco de prosa para se perceber que estamos a falar de uma clivagem no âmbito dos pensionistas com as mais baixas prestações sociais, embora, a este propósito, haja alguns comentadores que não só aceitam esta malfeitoria do PS como a equiparam a uma acção tipo «Robin dos Bosques».
Invocar esta mítica e literária figura no benefício de uma minoria de pobres à custa do prejuízo de mais de um milhão de reformados com as mais baixas pensões é um perfeito disparate. Se há alguma similitude a ser invocada, então a mais apropriada é aquela que envolve um ladrão que, para justificar o roubo de um porco, devolve, a título de compensação, um chouriço.
Este último exemplo tipifica o PS na sua plenitude governativa: um Governo que balanceia entre essa exemplar «ópera-bufa» que nos é dada pela propaganda do «Magalhães», pejado de erros ortográficos, até ao ataque à algibeira contribuintes, pagantes da socialização dos prejuízos do BPN, sem esquecer, a título de mero exemplo, na área da justiça, as medidas selectivas – para amigos e conhecidos – para tornar mais benignas, na área penal, eventuais sentenças no processo da Casa Pia, e em casos similares, e – também para amigos e conhecidos – idênticas medidas selectivas para dificultar e obstaculizar as investigações na grande corrupção económica e nos crimes que alguma comunicação social adocica de «colarinho branco».
Mas voltemos ao complemento solidário para idosos.
Para que serve esta «prestação extraordinária»?
Serve para garantir que nenhum reformado tenha (em 2008) um conjunto de recursos anual inferior a 4800 euros. (Nota: desconhece-se a verba a atribuir em 2009, a qual, aliás, já devia ter sido anunciada).
Repare-se que atrás dissemos «recursos» em vez do valor da pensão.
Duas malfeitorias e um embuste
O que se passa é que, para a quantificação dos já referidos 4800 euros entra, para além do valor da reforma, mais o seguinte: rendimentos de trabalho dependente; rendimentos empresariais e profissionais; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; incrementos patrimoniais; valor de realização de bens móveis e imóveis; prestações sociais que não sejam de atribuição única; valor da comparticipação de Segurança Social, sempre que os elementos do agregado familiar do requerente se encontrem institucionalizados ou utilizem equipamentos sociais geridos por entidades públicas, privadas ou do sector da economia social; uma percentagem do valor do património mobiliário e imobiliário; transferências monetárias ou bancárias de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, a favor dos elementos do agregado familiar requerente.
Como se vê, para quantificar os 4800 euros anuais há que incluir tudo o atrás referido.
Mas não só. Há que incluir, e esta é a parte mais gravosa, mais duas malfeitorias e um embuste.
1ª. malfeitoria: Há que incluir os rendimentos dos agregados fiscais dos filhos do(a) reformado(a) no que concerne a:
– rendimentos de trabalho dependente; rendimentos empresariais e profissionais; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; incrementos patrimoniais; valor de realização de bens móveis e imóveis; pensões.
Como uma grande parte dos reformados não quer ver a vida dos seus filhos envolvida neste assunto, então preferem não requerer o complemento a que teriam direito, perdendo, em termos médios, cerca de 80 euros mensais, parte dos quais teriam de ser suportados pelos próprios filhos, em função dos seus rendimentos.
2ª. malfeitoria: no caso de um casal de reformados não se aplica, a cada um, os já referidos 4800 euros, ou seja, 9600 euros por ano no conjunto familiar. Aqui, o Governo, como se estivesse num período de saldos, impõe à outra parte um desconto de 1200 euros, ou seja, em vez do casal receber um subsídio por forma a, anualmente, os dois totalizarem um rendimento equivalente a 9600 euros, este valor regride para os 8400 euros. Estamos perante uma penalização de 25% só pelo facto do agregado familiar passar de uma pessoa isolada para um casal. (Nota: isto é tão absurdo que, provavelmente, haverá leitores que considerem haver aqui um qualquer erro, levando-os a exclamar: Isto não é possível! Não, não há nenhum erro. Para confirmar esta malfeitoria, basta consultar o Artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 3/2006 de 6 de Fevereiro.
O embuste: o Governo tem repetidamente afirmado que nenhum reformado pode ter um rendimento inferior a 400 euros por mês, tendo em conta que este valor foi considerado por José Sócrates como o valor equivalente ao limiar da pobreza, reportado a 2008.
Só que o primeiro-ministro omite, propositadamente, que os reformados não recebem 12 mensalidades, mas sim 14. Ou seja: se, como diz José Sócrates, ninguém pode receber menos de 400 euros mensais, então esse valor a multiplicar por 14 mensalidades daria 5600 euros e não os já referidos 4800 euros.
Trata-se, pois, de mais um embuste para iludir a opinião pública.
Aliás, a origem do complemento social para idosos, denominado de «prestação extraordinária» pelo próprio Governo, é tão contraditória quanto o conteúdo do preâmbulo do já referido Decreto-Lei 232/2005.
Com efeito, o Governo começa por afirmar: «Os indicadores de pobreza relativos a Portugal evidenciam a necessidade de correcção das intoleráveis assimetrias de rendimento existentes entre os Portugueses...».
Depois desta constatação tudo indicava que o Governo iria, pela via fiscal, atacar as desigualdades sociais, formalmente designadas de «assimetrias no rendimento», agravando os impostos dos mais ricos, obrigando as empresas, sobretudo as do sistema financeiro, a pagar integralmente o IRC, recuperando as dívidas dos empresários caloteiros e criando um imposto sobre as transacções em bolsa, por forma a, quer por via do reforço orçamental quer pela via da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, resolver o problema da pobreza na população com menores recursos, designadamente as crianças, os jovens, os deficientes e os idosos.
Mas não. O que o PS fez, importa repetir para que ninguém se esqueça, foi o de secar as pensões mínimas de um milhão de reformados, pensões essas que, actualmente, estão balizadas, no regime geral, entre um mínimo de 243,32 euros para quem tenha tido um período contributivo inferior a 15 anos, até um máximo de 374,36 euros para quem tenha tido um período contributivo de 31 e mais anos de desconto, valores que descem para os 224,62 euros e 187,18 euros nos casos, respectivamente, do regime especial das actividades agrícolas e da pensão social.
Estas pensões, dada a magreza do seu valor, sempre tiveram, salvo alguns interregnos, um tratamento diferenciado, ou seja, foram actualizadas em percentagens que lhes garantiram, embora modestamente, um aumento real. Com o retrocesso imposto pelo Governo de José Sócrates ao sistema público de Segurança Social, o que irá acontecer, caso não haja uma ruptura com as políticas de direita, é que estas pensões irão sofrer uma erosão no seu poder de compra, dado que as actualizações das pensões estão indexadas à evolução da economia. E, para o universo em questão, caso a economia não cresça a valores superiores a 2%, não haverá não só aumento real do poder de compra como haverá perda do seu valor aquisitivo, em função daquilo que for o aumento de preços de bens e serviços entre o primeiro e o último dia de cada ano.
Um porco por um chouriço
São, pois, estes, os reformados mais pobres, os verdadeiros financiadores do complemento solidário para idosos, de resto confirmado pelo próprio PS ao afirmar, em letra de forma, que, e passamos a citar:
«De facto, uma avaliação rigorosa permite perceber que a estratégia prosseguida até aqui, assente no aumento generalizado do valor das pensões mínimas, tratando de igual forma o que é diferente (abre-se aqui um parêntesis para dizer que o PS devia pagar direitos de autor a Bagão Félix), se revela uma estratégia financeiramente insustentável...».
Pois claro: «...uma estratégia financeiramente insustentável...». Esta é a frase chave que norteou o PS na constituição do complemento solidário para idosos.
Basta ler este naco de prosa para se perceber que estamos a falar de uma clivagem no âmbito dos pensionistas com as mais baixas prestações sociais, embora, a este propósito, haja alguns comentadores que não só aceitam esta malfeitoria do PS como a equiparam a uma acção tipo «Robin dos Bosques».
Invocar esta mítica e literária figura no benefício de uma minoria de pobres à custa do prejuízo de mais de um milhão de reformados com as mais baixas pensões é um perfeito disparate. Se há alguma similitude a ser invocada, então a mais apropriada é aquela que envolve um ladrão que, para justificar o roubo de um porco, devolve, a título de compensação, um chouriço.
Este último exemplo tipifica o PS na sua plenitude governativa: um Governo que balanceia entre essa exemplar «ópera-bufa» que nos é dada pela propaganda do «Magalhães», pejado de erros ortográficos, até ao ataque à algibeira contribuintes, pagantes da socialização dos prejuízos do BPN, sem esquecer, a título de mero exemplo, na área da justiça, as medidas selectivas – para amigos e conhecidos – para tornar mais benignas, na área penal, eventuais sentenças no processo da Casa Pia, e em casos similares, e – também para amigos e conhecidos – idênticas medidas selectivas para dificultar e obstaculizar as investigações na grande corrupção económica e nos crimes que alguma comunicação social adocica de «colarinho branco».
Mas voltemos ao complemento solidário para idosos.
Para que serve esta «prestação extraordinária»?
Serve para garantir que nenhum reformado tenha (em 2008) um conjunto de recursos anual inferior a 4800 euros. (Nota: desconhece-se a verba a atribuir em 2009, a qual, aliás, já devia ter sido anunciada).
Repare-se que atrás dissemos «recursos» em vez do valor da pensão.
Duas malfeitorias e um embuste
O que se passa é que, para a quantificação dos já referidos 4800 euros entra, para além do valor da reforma, mais o seguinte: rendimentos de trabalho dependente; rendimentos empresariais e profissionais; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; incrementos patrimoniais; valor de realização de bens móveis e imóveis; prestações sociais que não sejam de atribuição única; valor da comparticipação de Segurança Social, sempre que os elementos do agregado familiar do requerente se encontrem institucionalizados ou utilizem equipamentos sociais geridos por entidades públicas, privadas ou do sector da economia social; uma percentagem do valor do património mobiliário e imobiliário; transferências monetárias ou bancárias de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, a favor dos elementos do agregado familiar requerente.
Como se vê, para quantificar os 4800 euros anuais há que incluir tudo o atrás referido.
Mas não só. Há que incluir, e esta é a parte mais gravosa, mais duas malfeitorias e um embuste.
1ª. malfeitoria: Há que incluir os rendimentos dos agregados fiscais dos filhos do(a) reformado(a) no que concerne a:
– rendimentos de trabalho dependente; rendimentos empresariais e profissionais; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; incrementos patrimoniais; valor de realização de bens móveis e imóveis; pensões.
Como uma grande parte dos reformados não quer ver a vida dos seus filhos envolvida neste assunto, então preferem não requerer o complemento a que teriam direito, perdendo, em termos médios, cerca de 80 euros mensais, parte dos quais teriam de ser suportados pelos próprios filhos, em função dos seus rendimentos.
2ª. malfeitoria: no caso de um casal de reformados não se aplica, a cada um, os já referidos 4800 euros, ou seja, 9600 euros por ano no conjunto familiar. Aqui, o Governo, como se estivesse num período de saldos, impõe à outra parte um desconto de 1200 euros, ou seja, em vez do casal receber um subsídio por forma a, anualmente, os dois totalizarem um rendimento equivalente a 9600 euros, este valor regride para os 8400 euros. Estamos perante uma penalização de 25% só pelo facto do agregado familiar passar de uma pessoa isolada para um casal. (Nota: isto é tão absurdo que, provavelmente, haverá leitores que considerem haver aqui um qualquer erro, levando-os a exclamar: Isto não é possível! Não, não há nenhum erro. Para confirmar esta malfeitoria, basta consultar o Artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 3/2006 de 6 de Fevereiro.
O embuste: o Governo tem repetidamente afirmado que nenhum reformado pode ter um rendimento inferior a 400 euros por mês, tendo em conta que este valor foi considerado por José Sócrates como o valor equivalente ao limiar da pobreza, reportado a 2008.
Só que o primeiro-ministro omite, propositadamente, que os reformados não recebem 12 mensalidades, mas sim 14. Ou seja: se, como diz José Sócrates, ninguém pode receber menos de 400 euros mensais, então esse valor a multiplicar por 14 mensalidades daria 5600 euros e não os já referidos 4800 euros.
Trata-se, pois, de mais um embuste para iludir a opinião pública.