Massas e massas
Francisco Silva
Este Verão tivemos por cá, na região de Lisboa, a Gimnaestrada, o maior acontecimento desportivo conhecido… Emocionado com a sessão de abertura, com o Primeiro-Ministro do Governo português a assegurar a formalidade (na verdade, já desconfiei um pouco não ter sido o Presidente da República a fazê-lo), decidi que, ao contrário do que é meu hábito, compraria no dia seguinte um jornal, genérico ou desportivo, que me apresentasse, sem ter que o folhear uma referência a tal acontecimento. Como, do que pude ver nas bancadas, nada encontrei a assinalar esse acontecimento, acabei por comprar o número mais recente do JL. «Maus» hábitos…
Se calhar o evento, não obstante a presença de dezenas de milhar de ginastas de dezenas de diferentes países, realizada sob a responsabilidade da Federação Internacional de Ginástica, não tinha a importância suficiente para ser destacada na capa dos jornais. Além do mais até terão evitado fazer campanha a favor do Primeiro Ministro…Especificamente, nos jornais desportivos, a chamada à primeira página - quase exclusiva - da transferência do guarda-redes Ricardo para o Sporting, e não para o Benfica dos seus amores, qual segredo de polichinelo, não poderia deixar de ter prioridade absoluta - as massas de audiência o reclamavam.
E contudo, no DN do dia da abertura da Gimnaestrada a capa referia a toda a largura o primeiro clássico Benfica-Sporting, realizado na Suiça, relativo à final de uma Taça Latina e nada daquela. Poderão dizer que não entendo nada disto, que a minha visão de utente é muito parcial, que até nem sou um utente normal de jornais desportivos - e eu a julgar que gostava de futebol, por isso é que até sou assinante da Sport TV -, que nunca estive como emigrante - por acaso, até trabalhei durante ano e meio na Alemanha -, etc. Outros, como o sr. Lello poderão dizer que tenho é inveja do futebol. E eu só tenho é que aceitar.
Acrescentarão ainda - porque o tema é comunicações e é no interior desse envolvimento que devo manter este texto - que media, ou seja, meios de comunicação de massa, como quaisquer outros, são para ser lidados de acordo com as suas características, neste caso o serem de massas, incluindo o de ter a ver com a realização da massa necessária - pois eles são empresas e como tal devem funcionar, vendendo a sua mercadoria, os conteúdos. E hoje, vender o «futebol» parece e é relativamente fácil de o fazer. Já vender o desporto, ou as «modalidades», como ironicamente se referem ao desporto, não o parecerá ou não será tanto assim.
Portanto, se o «futebol» não é uma modalidade, então o que será ele? Claro que o futebol é uma modalidade desportiva, mas o «futebol» é um subsector do sector das comunicações - as empresas fornecedoras de conteúdo que são as SADs, os agentes do manpower que negoceiam as forças de trabalho, as bolsas de valores. Um subsector com muitas partes e um modelo de negócio assaz intrincado, onde detém interesses fundamentais, entre outras, as indústrias da publicidade e do betão, mas, presumo eu, altamente rentável para os chamados ganhadores. Os perdedores que encontrem o seu caminho ou que se lixem - o que é normal!
A Gimnaestrada, viram, mobilizou, quantos, uma massa de umas dezenas de milhar de ginastas, os quais, só à sua conta, terão pago as massas equivalentes a cerca de 50% do custo deste imenso acontecimento - happening. Custos que foram cuidadosamente controlados, basta ver, por exemplo, que a grande maioria pernoitou em colchões no chão de edifícios escolares cedidos para o efeito. Turismo pé descalço que não contribuiu em quase nada para as necessidades de receitas do sector hoteleiro. E mais. O Estádio Nacional, durante a cerimónia inaugural, estaria vazio se não fossem eles (mas se o Estádio era ali para eles mesmos - digo eu).
Depois, fartaram-se de dar espectáculos à borla por toda a parte - outro exemplo péssimo dado por estas massas que têm massas para pagar a sua própria viagem e sustento. O «futebol», ao menos, dirige-se às massas no seu conjunto, ao Povo, que se endivida para ir ver os seus ídolos jogar, se senta nas praças para ver em conjunto as partidas, por exemplo, quando está em jogo a defesa das cores nacionais. E enquanto os da Gimnaestrada parecem não interessar muito as massas, os problemas de segurança quase não existindo, com o «futebol», sim, as massas emocionam-se mesmo, a ponto da questão da segurança ser fundamental.
Pois é, massas e massas, e massas e massas. Massas de elit (?) e massas populares(?). Olá, parece complicado.