Um teste para Obama

Correia da Fonseca
Nas duas primeiras semanas do mandato de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, a televisão trouxe-nos imagens ditas emblemáticas do novo rumo que, diz-se, será tomado pela grande potência americana. Foi a decisão formal de encerrar os cárceres de Guantánamo, foi a alteração legislativa destinada a proteger e garantir o acesso à IVG em todos os Estados norte-americanos, foram outras decisões que com razão ou sem ela me pareceram menores. Vimos nos ecrãs dos nossos televisores os momentos em que Obama assinou os diplomas, por sinal com a mão esquerda, o que aos olhos optimistas poderá ter parecido prometedor, e uma boa parte da população mundial ficou muito provavelmente à espera do resto. Infelizmente, a parte do resto que devia seguir-se, o plano destinado a tentar o saneamento económico-financeiro dos Estados Unidos, foi travado pela recusa do Senado em aprová-lo. Não vi que a TV nos tivesse dado grandes explicações para a recusa, mas sei que um dos motivos para ela, porventura o maior de todos eles, foi a questão dos impostos. É que, lá como cá, a direita bate-se pela descida dos impostos que, sendo proporcionais aos rendimentos e ganhos, são consequentemente pagos sobretudo pelos que mais podem, e Obama terá até a intenção de agravá-los para que possa acorrer aos mais alarmantes flagelos sociais que a crise desencadeia, designadamente o desemprego de dimensões caudalosas, e à criminosa penúria de protecção contra a doença que é triste tradição nos Estados Unidos. Está, pois, em curso, pelo menos no momento em que escrevo, uma batalha legislativa de resultado incerto, sendo de recear que, para não sair derrotado dela, o presidente se veja obrigado a abdicar de projectos que precisamente caracterizariam no plano interno a anunciada viragem. Quanto à politica externa, que obviamente interessa de uma forma prioritária o resto do mundo, pouco se viu. Foi dado relevo ao facto de Obama ter telefonado primeiro a um líder palestiniano e só depois ao presidente de Israel, falou-se um pouco de uma revisão do projecto de colocar mísseis norte-americanos praticamente a dois passos da fronteira russa na Europa, mas é claro que isto é pouco mais que um punhado de água chilra. Resta esperar, na expectativa inevitavelmente céptica de que valerá a pena fazê-lo.

Talvez mandar pouco

Por mim, que não sou politólogo, nem analista, nem nada dessas coisas chiques e difíceis que estão muito na moda, que sou apenas cidadão de um mundo em risco de ser vítima de uma das muitas formas de destruição possíveis e já detectáveis à vista desarmada mas lúcida, acho que um seguro teste à capacidade de Barack Obama para mudar os Estados Unidos seria mandar reabrir, ou talvez mesmo reiniciar, o processo do 11 de Setembro, ver ao certo o que está lá dentro e extrair dos resultados dessa diligência as consequências que se imponham. É que, como decerto não foi esquecido pelos atentos, a imputação da autoria do atentado a Bin Laden e à Al Qaeda ficou longe de ser convincente, circunstância agravada pelo facto histórico de ter sido ao abrigo dessa imputação que George W. Bush fez explodir as intervenções no Iraque e no Afeganistão. É sabido que sem a tragédia do 11 de Setembro a cupidez norte-americana pelo petróleo do Médio Oriente não podia facilmente ser servida por meios militares, e é claro que isto significa que o crime, podendo não apontar os seus autores ou mandatários, aponta contudo para quem julgou ir beneficiar com ele. Complementarmente, acontece que muitos autores (*) tornaram públicas as maiores dúvidas e suspeitas quanto à efectiva autoria do duplo atentado (contra as Torres Gémeas do World Trade Center de Nova Iorque e contra o Pentágono, como bem se sabe), o que configura uma espécie de mistério policiesco cujo esclarecimento seria fundamental para os Estados Unidos e para o mundo. Ora, neste quadro, a dúvida que emerge é a de se saber se o presidente Obama tem a vontade e os poderes bastantes para ordenar uma reinvestigação de que pode resultar o desmascaramento do que há de mais sinistro nos poderes fácticos norte-americanos. Trata-se de um efectivo teste às suas reais possibilidades, uma eventual confirmação da suspeita de que na verdade Obama manda pouco ou pelo menos não manda o bastante. E é claro que, perante isso, é frívolo o encantamento perante a sua simpatia e o seu tão falado carisma.

(*) Editados entre nós estão, entre outros, os depoimentos de Thierry de Meyssan («O Pentagate», ed. Frenesi), Oswald De Winter («Desmantelar a América», Publ. Europa-América) e Noam Chomsky («Nova Iorque 11 de Setembro», Editorial Caminho). Na Internet há abundante material acerca do assunto, com eventual destaque para o site www.efroyable-imposture.net.


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