Manifestação em Lisboa exige respeito
pelos direitos do povo palestiniano

O massacre não pode ficar impune

Gustavo Carneiro
Por agora, as bombas deixaram de cair sobre a Faixa de Gaza e as lagartas dos carros de combate israelitas abandonaram o território. Umas e outras deixaram atrás de si um impressionante rasto de destruição, que cresce à medida que são removidos os escombros – mais de 1300 mortos, entre os quais 417 crianças e 107 mulheres; mais de 5 mil feridos; importantes infra-estruturas sociais básicas foram completamente arrasadas. Determinados em impedir que o massacre fique impune e conscientes de que a trégua é frágil e que a paz só será possível quando os palestinianos virem os seus direitos reconhecidos, centenas de pessoas manifestaram-se, no sábado, em Lisboa, por uma Palestina livre e independente.
Solidariedade é uma palavra bonita. Significa «laço», «ligação», «sentimento de simpatia». Ideologicamente, significa mais ainda, remetendo para uma comunhão que não conhece fronteiras de território, raça, credo ou religião. A união dos que sofrem a opressão e a exploração capitalista e imperialista e as combatem.
Foi essa solidariedade que desceu às ruas de Lisboa na tarde de sábado, dia 24. Respondendo ao apelo de dezenas de organizações políticas e sociais, mais de duas mil pessoas concentraram-se no Largo Camões demonstrando a sua solidariedade para com o povo da Palestina, no rescaldo de mais um massacre israelita, desta feita na Faixa de Gaza.
Na véspera, para a comunicação social dominante, a acção não existia. E se isso eventualmente conseguiu afastar alguns indivíduos e organizações de convicções menos seguras e intenções menos sinceras, as ausências não se fizeram notar. Ali estiveram jovens, trabalhadores, reformados e muitos outros a exigir o fim dos massacres; a responsabilização dos culpados pelos crimes de guerra e contra a humanidade; o levantamento do bloqueio a Gaza; o fim da ocupação da Palestina; e a criação do Estado da Palestina independente e viável – condições essenciais para a construção de uma paz justa e duradoura na região.
Pouco passava das três da tarde quando, do pequeno palco montado na praça, começaram as intervenções, a cargo de representantes das cinco organizações promotoras da manifestação – Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses/Intersindical Nacional (CGTP-IN); Movimento Democrático de Mulheres (MDM), Movimento pelos Direitos do Povo Palestiniano e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) e Secção Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque (TMI). A estas juntaram-se muitas outras, entre as quais o PCP, que esteve representado pelo Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, e Ângelo Alves, da Comissão Política, entre outros dirigentes.

O mundo tem que agir!

Depois dos discursos (ver textos nestas páginas), os manifestantes desceram a Rua do Alecrim, em direcção ao Cais do Sodré, empunhando cartazes e faixas contendo as principais reclamações e exigências: «Por uma Palestina livre e independente», lia-se no pano do CPPC. Já a CGTP-IN trazia a seguinte mensagem: «Fim do genocídio e do bloqueio em Gaza – Palestina, pátria livre e soberana.» «Paz e liberdade, fim à agressão» era a aspiração trazida do Barreiro.
Vários militantes comunistas seguravam cartazes exigindo «fim à ocupação, fim ao genocídio» enquanto que alguns manifestantes mostravam cartazes feitos por si próprios. Um grupo de jovens palestinianos a residir em Portugal levantavam bem alto bandeiras palestinianas, fotografias do presidente Yasser Arafat, assassinado em 2004, e imagens da destruição e da morte em Gaza, com a assinatura da origem do bárbaro autor: «feito por Israel.»
As palavras de ordem acompanhavam o espírito das frases impressas: «Palestina vencerá», «Estado sionista, Estado terrorista», «O mundo tem que agir se o crime persistir», «Genocídio sionista é crime terrorista» ou ainda «Resistência não é terrorismo». A meio da Rua do Alecrim, uma bandeira palestiniana subiu aos céus de Lisboa, erguida por balões – o sonho continua vivo, parecia significar.
O desfile terminou na Praça do Município, junto aos paços do concelho. Ainda houve tempo para reafirmar as causas que estiveram na base da convocação da manifestação – a continuação da luta contra a ocupação israelita e pela constituição de um Estado da Palestina livre e independente, nas fronteiras anteriores a Junho de 1967, com a capital em Jerusalém Este.

Um grito de profunda solidariedade

No Largo Camões, dando início à acção de solidariedade com o povo da Palestina, Luís Vicente, vice-presidente do CPPC, saudou o «heróico» povo palestiniano, «que nunca se vergou, que nunca desistiu de lutar pelos seus direitos, que nunca se calou perante a opressão e perante as bombas». A este povo enviou «um forte grito de profunda solidariedade».
As bombas «deixaram temporariamente de cair», realçou Luís Vicente, mas «não há paz no Médio Oriente». O CPPC, garantiu o seu vice-presidente, não confunde assassinos com vítimas nem ocupantes com ocupados. Tal como não confunde «um dos mais bem armados exércitos do mundo ao serviço de um governo terrorista e dos seus cúmplices internacionais com a resistência de um povo à opressão a que é submetido na sua própria terra».
Para o dirigente do CPPC, «aquilo a que assistimos há 60 anos no Médio Oriente não é uma guerra. É um cerco, um massacre que configura um genocídio». «Cumprindo planos antigos, o governo terrorista de Israel concretizou a ameaça de fazer da Faixa de Gaza a maior prisão a céu aberto do mundo», assinalou Luís Vicente, acrescentando: «mas desenganem-se os que pensam que calam a resistência.» Os palestinianos «já mostraram que não aceitam a paz dos submissos».
Graciete Cruz, da Comissão Executiva da CGTP-IN, reafirmou o empenhamento da central sindical na luta pela emancipação social de quem trabalha: em Portugal e por todo o mundo. E valorizou, em seguida, a acção solidária da Intersindical para com os trabalhadores e os povos vítimas de embargos e bloqueios imperialistas e em luta pela afirmação ou salvaguarda da sua independência.
«Estamos aqui porque não pactuamos com a mentira, a omissão, a parcialidade, a desinformação», sublinhou a sindicalista, acrescentando: «porque temos memória, porque interpretamos as verdadeiras motivações e objectivos dos autores do massacre, da ocupação e do bloqueio sobre o povo palestiniano».
Mas a CGTP-IN esteve também presente, realçou, porque «não é possível tolerar a reiterada impunidade de Israel e a cumplicidade da União Europeia e de instâncias internacionais». Para Graciete Cruz, «é imperioso, mais que nunca, reforçar e dar expressão concreta à solidariedade com a população da Faixa de Gaza e com a justa luta de todo o povo palestiniano».

Foi Israel que rompeu a trégua

Em nome do MDM, Regina Marques, manifestou o desejo de que o actual «cessar-fogo» corresponda ao calar das armas, mas também à «abertura das fronteiras para a livre circulação das pessoas para o trabalho, para as escolas, para os hospitais». E revelou que em defesa da paz pedem ajuda internacional muitas organizações da região – da Organização das Mulheres da Palestina a 21 organizações de mulheres de Israel, de 45 organizações de mulheres muçulmanas à Liga das Mulheres do Líbano e à direcção das Mulheres Árabes da Federação Mundial Democrática de Mulheres.
A dirigente do MDM salientou ainda a necessidade de resolver o «mais antigo problema humanitário do mundo», os refugiados palestinianos, e apelou à acção. Uma acção «sem esmorecimentos nem credulidade excessiva, para que o cessar-fogo anunciado por Israel não seja mais uma figura de retórica».
Amador Clemente, em nome do MPPM, destacou estar-se perante uma campanha que apregoa e difunde «toda a argumentação de Israel», escondendo a «verdadeira essência do conflito»: em 1948, Israel «espezinhou a resolução 181 da ONU, da partilha em dois estados, um judeu outro árabe»; nesse mesmo ano, proclamou-se o Estado de Israel em 78 por cento do território, à custa da expulsão de centenas de milhares de palestinianos; em 1967, Israel «ocupou os restantes territórios – Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Faixa de Gaza e outros territórios árabes».
Sobre a mais recente agressão, Amador Clemente recordou que quem quebrou a trégua foi Israel, que desencadeou uma acção militar entre os dias 4 e 5 de Novembro em Gaza, para além de ter agravado o bloqueio. E, concluindo, afirmou: «As bombas deixaram de cair, mas o cessar-fogo é frágil.»
Do TMI, Manuel Monteiro denunciou o silêncio do Presidente da República, Cavaco Silva, e as «declarações cínicas» do Governo, que colocavam «carrascos e vítimas em pé de igualdade».

Um filme antigo

No dia 27 de Dezembro de 2008, Israel lança a operação Chumbo Fundido na Faixa de Gaza, a maior desde 1967. Só no primeiro dia, morreram 300 palestinianos.
O ataque foi anunciado como sendo uma «resposta» ao lançamento, pelo Hamas, de foguetes contra localidades do Sul de Israel. Mas já a 4 de Novembro, Israel assassinara vários dirigentes do movimento palestiniano em Gaza e, durante os seis meses de trégua, o bloqueio ao território não foi levantado. O jornal israelita Haaretz revelou que esta operação militar vinha a ser preparada desde há seis meses.

A 3 de Janeiro, começa a ofensiva terrestre. Apoiados por fogo de helicópteros, os primeiros carros de combate israelitas atravessam a fronteira e entram em Gaza. Nos dias seguintes, várias cidades da Faixa de Gaza são violentamente atacadas. Escolas, hospitais, mesquitas e instalações das Nações Unidas são arrasadas. A própria ajuda humanitária foi destruída por ataques israelitas.

No dia 18, Israel suspende os ataques contra a Faixa de Gaza e inicia a retirada das tropas terrestres. O saldo é dramático: pelo menos 1312 pessoas foram mortas, incluindo 417 crianças e 108 mulheres.
Mais de 5300 pessoas ficaram gravemente feridas, incluindo 411 em risco de vida. 100 mil pessoas ficaram sem abrigo e 400 mil sem água.

À medida que o tempo passa e que os escombros vão sendo removidos, o número de mortos e feridos registados vai crescendo e novos factos vão surgindo. Tudo aponta para que Israel tenha utilizado fósforo branco nos bombardeamentos.