Sócrates e a «casa de orates»

Jorge Messias
Comece por recordar-se aos mais distraídos que a expressão «casa de orates» significa literalmente «manicómio». Orates vem do catalão e é sinónimo de «louco». Posto isto, olhemos para Portugal, nesta ponta final do consulado de Sócrates.
A indústria e a agricultura estão praticamente paralisadas. Importam-se do estrangeiro quase todos os bens que se consomem. O Estado corta nas verbas sociais mas abre as torneiras doiradas às grandes fortunas. Reina o caos na Educação e na Saúde. Aumentam as falências e o desemprego. Dia a dia, sobem os preços e encarece o custo da vida. No Portugal de Sócrates cavou-se um fosso profundo entre ricos e pobres. Passeiam-se à solta os banqueiros fraudulentos e os políticos corruptos. «Diálogo» significa para este governo «conversa de surdos».
No meio de tudo isto, Sócrates conserva a sua máscara optimista e opaca e o seu sorriso estanhado. Grita vitória e sente-se bem entre as ruínas. Aparentemente imperturbável ele, que nada mais fez ao país senão destruí-lo, proclama contra ventos e marés que os pobres, os humilhados, os desempregados e os falidos lhe voltarão a dar os seus votos e a manter de pé o poder de um PS esfrangalhado e caído em descrédito. As alucinações de que padece isolam-no do nosso povo.
Os ministros são vendedores de sonhos. Os banqueiros, piratas de casaca. A banca, uma mão-cheia de mentiras. O dinheiro tudo paga, desde as sondagens e as estatísticas aos favores dos governantes. Os amigos de Sócrates são trapezistas protegidos por redes ocultas mas reais. Informação entende-se como propaganda, acção política, como demagogia. Três décadas decorridas sobre o 25 de Abril, Portugal é na verdade uma nação delirante onde as realidades se inventam e imperam a mentira, o roubo e o delírio colectivo dos mandantes.
É uma «casa de orates».

Uma Igreja embuçada

É claro que por parte do poder estes delírios têm objectivos certos e fazem parte de um plano friamente concebido. A anarquia reinante é enganadora. Veja-se, por exemplo, o caso das fraudes bancárias. À sombra dos escândalos financeiros e das piruetas irresponsáveis dos ministros, os tecnocratas do grande capital canalizam para os seus cofres enormes massas de dinheiro e promovem - com o pretexto da crise – a falência das pequenas e médias empresas que constituem um estorvo inútil para as transnacionais e abrem caminho à construção de um novo mundo onde os únicos valores consentidos são o lucro, a cruz e o cifrão.
Nas desordens domésticas, a igreja católica apresenta-se como um actor embuçado. Tem ambições ocultas de lucro e de dinheiro. Mas também – e, sobretudo – quer reconquistar na sociedade o ascendente de que já dispôs na área social. Promove as sopas dos pobres e cria as dependências que serão preciosas quando avançar com reivindicações. Dispõe de uma rede financeira fabulosa, de um verdadeiro «estado dentro do estado». São seus objectivos imediatos recuperar os seus antigos monopólios da Saúde e da Educação. É uma notável disciplinadora, como é sabido. Do caos, irá emergir como tábua de salvação.
No sector da Saúde, um exemplo simples desta estratégia eclesiástica será o caso dos hospitais públicos empresariais que, por si só e no seu enunciado, propõem uma autêntica charada. Na prática, ao Estado cumpre construir e pagar um hospital, conceder-lhe benefícios fiscais e, depois, entregá-lo a uma misericórdia, a uma ong ou a uma ipss. Aparentemente, o hospital em causa conservar-se-á público e laico. Na
realidade, entrou no circuito das instituições caritativas da igreja.
Outro caso exemplar é o da Educação. Professores e alunos mantêm um «braço-de-ferro» com o poder político. Não dá para se entender a casmurrice de Sócrates. Mas do fundo da desordem voluntariamente alimentada, surge a força coesa dos movimentos e obras laicais da igreja católica. É um universo que que reúne milhares de escolas, creches, misericórdias, fundações e institutos que funcionam na área do ensino. A igreja nem precisa, neste caso, de se mexer. Basta-lhe deixar correr o tempo. O sector virá a cair-lhe nas mãos.
Estrategicamente, a igreja mantém-se na sombra e dá tempo ao tempo. É como se não fosse um grande patrão nessa área. Só há poucos dias se manifestou vagamente, admitindo a possibilidade de vir a intermediar o conflito. Seria dramático que assim fosse. Equivaleria a permitir passivamente a entrada em campo de um poderoso «cavalo de Tróia» servido por mestres na arte de «dividir para reinar».
Cuidado com a Conferência Episcopal!...


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