Lançado o Tomo II das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal

A teoria e a acção de um revolucionário exemplar

O cinema São Jorge, em Lisboa, encheu-se, segunda-feira, para o lançamento do II Tomo das Obras Es­co­lhidas de Álvaro Cunhal, que reúne textos escritos entre 1947 e 1964. A apresentação esteve a cargo do Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e do director das Edi­ções Avante!, Francisco Melo.
Na mesa da sessão estavam também José Capucho e Manuela Pinto Ângelo, do Secretariado, José Casanova, da Comissão Política, e Rui Mota, do colectivo das Edi­ções Avante!. Antes das intervenções foi transmitido um filme, revelando aspectos fundamentais da vida política de Álvaro Cunhal nos anos a que se refere este segundo volume.
Para além das imagens, elas próprias documentos históricos únicos, o filme conta igualmente com depoimentos de outros destacados militantes e dirigentes do Partido que, com Álvaro Cunhal, combateram a ditadura fascista nessas já longínquas décadas: António Dias Lourenço, Sofia Ferreira, Sérgio Vilarigues, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Aurélio Santos e António Gervásio.
Após o filme – que termina com a voz de Cunhal, dizendo «Aos meus camaradas digo sempre: até sempre!» –, foi a vez dos discursos. Perante uma sala cheia, com largas centenas de pessoas, Francisco Melo salientou os três períodos distintos da vida e actividade políticas de Álvaro Cunhal no período abrangido pelo livro: «um, que vai desde a sua viagem à União Soviética, via Jugoslávia (onde chegou no começo de Dezembro de 1947), até à sua prisão em 25 de Março de 1949; outro, respeitante aos anos de prisão na Cadeia Penitenciária de Lisboa e na Cadeia do Forte de Peniche; e outro, compreendido entre a data da sua evasão, em 3 de Janeiro de 1960, e a publicação de Rumo à Vi­tória, em Abril de 1964».

Com­bate ao opor­tu­nismo

Relativamente ao primeiro período, Francisco Melo destacou as cartas escritas aos partidos jugoslavo e soviético e os artigos publicados na imprensa comunista internacional. De onde ressalta a denúncia da «política fascista de traição nacional», traduzida nas concessões ao imperialismo norte-americano, que levariam Álvaro Cunhal a prevenir que «não é somente a situação do povo que se agrava é também a independência nacional que nós estamos em vias de perder completamente».
Ainda antes da sua prisão, salientou o editor, Álvaro Cunhal «retoma a sua crítica às concepções da “política de transição”, no texto Al­gumas ob­ser­va­ções à au­to­crí­tica do ca­ma­rada Ra­miro, isto é Júlio Fogaça». Neste opúsculo, sublinha uma ideia fundamental: «Dum debate contra desvios oportunistas, os resultados positivos derivam não dos desvios, mas do combate que contra estes é conduzido.» E apontava, citou Francisco Melo, a necessidade de combater as concepções oportunistas «na base da fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo» e que esse combate, para ser «conduzido a bom termo», deve ser «realizado a par da defesa intransigente dos princípios orgânicos do Partido como partido leninista».
Do período anterior à prisão, é ainda publicado um artigo sobre O Par­tido Co­mu­nista e as «Elei­ções Pre­si­den­ciais, relativo à candidatura do General Norton de Matos. É aqui que adverte que seria um «serviço prestado ao fascismo» os democratas aceitarem concorrer às eleições nas «condições ditadas por Salazar», lembra o editor. Que recordou ainda a rejeição de Cunhal dos «compromissos e conciliações» com o fascismo por parte de sectores da oposição, que visavam marginalizar o Partido.
E alertava para que «nem na longa luta pela democracia e pela independência nacional nem nos presentes e nos próximos combates no terreno das “eleições” presidenciais, o movimento democrático pode dispensar as forças da classe operária e do seu partido – o Partido Comunista Português.»

Quatro mil dias de prisão

O segundo período, revelou Francisco Melo, abre com a célebre defesa no Tribunal Plenário, em Maio de 1950. É aqui que, transformando-se ele próprio em acusador, proclama que se alguém deve ser julgado e condenado «então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar».
Num outro texto, que também se publica, Álvaro Cunhal evoca a atitude dos comunistas portugueses perante os tribunais fascistas: «Ao comunista que é preso apresentam-se três “momentos” principais em que é chamado a dar provas a sua têmpera de revolucionário: a conduta ante a polícia, a conduta ante o tribunal, a conduta na prisão.» Para Francisco Melo, se o primeiro e o segundo estão «eloquentemente evidenciados» na intervenção no tribunal, o terceiro é evidenciado nos vários documentos da Penitenciária e do Forte de Peniche – dos cadernos da Penitenciária, a que se juntam várias folhas soltas de ambas as prisões, às cartas ao pai, à família ou ao director da prisão.
Mas é também da prisão que toma parte activa na vida do Partido. Nas Obras surgem «duas das várias cartas» trocadas com a Direcção do Partido. Numa delas, revela o editor, Álvaro Cunhal procede a uma «importante análise do Projecto de Programa do Partido» aprovado na reunião do Comité Central de Março de 1954.
E considera, prossegue, que o Programa teria de necessariamente incluir «uma exposição dos objectivos últimos do Partido, bem como das soluções políticas, económicas, sociais e estratégicas para os problemas emergentes do derrubamento do poder dos capitalistas e latifundiários e da conquista do poder pelo proletariado». Faltando isso no projecto, Álvaro Cunhal considerou que «este não poderia ser aceite como o programa do PCP», realçou Francisco Melo.

Novas di­men­sões

Os textos referentes ao terceiro período podem ser agrupados em dois blocos, salientou o director das Edi­ções Avante!. O primeiro destes blocos prende-se com a luta e posterior correcção do desvio de direita no Partido dos anos 1956-1959.
Em Dezembro de 1960, escreve A Ten­dência Anarco-Li­beral na Or­ga­ni­zação do Tra­balho de Di­recção, onde acusa os «excessos de democratismo» que «vieram a constituir toda uma tendência igualitarista e anarquizante pequeno-burguesa». Segundo Cunhal, citou Francisco Melo, tal tendência «não apareceu por acaso. Foi produto directo da influência nos quadros da Direcção das oscilações das camadas intelectuais e pequeno-burguesas».
«O combate às tendências oportunistas prosseguirá», afirmou o editor, com a publicação de O Desvio de Di­reita nos Anos 1956-1959 (Ele­mentos de Es­tudo). Aqui afirma, entre outras coisas, que o Partido confundiu, neste período, a revolução proletária com a revolução democrática e que deixou de colocar a questão do poder para «tranquilizar os elementos conservadores» da oposição.
Neste terceiro período, Álvaro Cunhal ocupa-se também dos problemas do movimento comunista internacional de então, nomeadamente do conflito sino-soviético, afirmou Francisco Melo.
Do segundo bloco de textos posteriores à fuga da prisão, prosseguiu o editor, «fazem parte os discursos, artigos, entrevistas e conferências de imprensa publicados na imprensa comunista internacional e na imprensa do próprio do Partido».
Concluindo, o director das Edi­ções Avante! salientou que este segundo tomo «revela-nos novas dimensões e peculiaridades da personalidade multifacética de Álvaro Cunhal e confirmam de forma iniludível o seu elevado estatuto de revolucionário, ombreando a nível internacional com os maiores teóricos e homens de acção marxistas-leninistas».

Je­ró­nimo de Sousa
Uma fer­ra­menta pre­ciosa para lutar me­lhor

Estes materiais «não podem ser lidos como um romance para que se possa dizer mais tarde que já se leram. Será necessário lê-los e relê-los, é necessário estudá-los e compreendê-los», afirmou Jerónimo de Sousa, adaptando ao livro que ali era apresentado uma citação do próprio Álvaro Cunhal (relativa esta aos clássicos do marxismo-leninismo e aos documentos do Partido).
Para o Secretário-geral do PCP, a obra de Álvaro Cunhal «ajuda à compreensão do entendimento do Partido que temos e do Partido que somos». Em muitos textos desde tomo, continuou, «nós compreendemos melhor a história do Partido, fonte de inspiração para as nossas orientações e tarefas. Aprendemos!»
Mas, como também dizia Cunhal, estes materiais, «sendo para conhecer e compreender, não podem criar a ideia de que estudar é tudo e afastarmos os quadros do trabalho corrente para os tornarmos em teóricos petulantes». Pois o marxismo-leninismo, prosseguia, «é uma ciência ligada à vida e às condições de lugar e de tempo, uma ciência que se enriquece com novas experiências e novos conhecimentos, e daí a necessidade que o estudo dos teóricos do marxismo seja acompanhado da nossa realidade».
Continuando a citar o autor e homenageado, Jerónimo de Sousa clarificou: «dar respostas novas às novas situações, aos novos acontecimentos, é ter em conta as mudanças e proceder constantemente à análise das realidades, é encontrar os métodos e formas de organização, de comunicação, de propaganda, de intervenção e luta adequadas às exigências de situações concretas.» Mas, alertou, «que se desiludam os que, em nome da renovação, pensam numa mutação da sua identidade, na abdicação dos seus princípios».

Uma pre­ciosa fer­ra­menta

A obra lançada, realçou o Secretário-geral do Partido, é «mais uma preciosa ferramenta para trabalhar e lutar melhor». Trata-se de uma «ferramenta forjada por um revolucionário, um comunista que, temperado na resistência e na luta, também aprendeu com a classe operária, os trabalhadores e as massas populares, que neles confiou como principais protagonistas e obreiros da transformação social que preconizamos».
O tomo II das Obras Es­co­lhidas, realçou o dirigente comunista, é um «documento de valor histórico onde se sacode o enevoamento, o branqueamento e a usurpação da memória». Mais, mais do que isso, onde se «relembra e releva os combates e a luta de milhares de comunistas, os avanços e os recuos, as vitórias e as derrotas, os acertos e os erros da nossa intervenção colectiva, mas donde emerge sempre mas sempre, como pedra angular da história do PCP, a disponibilidade para prosseguir a luta, intensificá-la e alargá-la».
Lembrando que o lançamento do livro surge no quadro da discussão e preparação do XVIII Congresso, Jerónimo de Sousa destacou que «quem ler o projecto de Teses para o XVIII Congresso lá encontra a matriz insubstituível e sempre renovada deste Partido, da sua natureza, identidade, ideologia, projecto e princípios, lá encontra o Partido que faz boa cara e peito firme ao mau tempo da ofensiva do Governo e da sua política, que não se limita a lutar mas a trazer para a luta todos os que defendem uma vida melhor, uma sociedade mais justa, um mundo onde prevaleça a paz e a democracia, sem abdicar da visão mais avançada da construção do socialismo».
Um Partido que, concluiu, «honra a sua história, as razões da sua fundação e da sua luta passada e presente, que honra a memória e a luta de Álvaro Cunhal e de milhares de comunistas, tentando acertar o passo do sonho com a realidade de pôr fim à exploração de um homem por outro homem».

«O Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês atri­buiu-me as se­guintes ta­refas fun­da­men­tais: (...) Criar con­di­ções para que do­ra­vante a si­tu­ação po­lí­tica por­tu­guesa possa ser co­nhe­cida no es­tran­geiro e, para isso, so­li­citar fa­ci­li­dades na im­prensa ope­rária de vá­rios países e es­ta­be­lecer uma base para esse tra­balho no fu­turo.»
Do­cu­mento en­tregue ao Par­tido Co­mu­nista da Ju­gos­lávia, 1947

«O PCP con­si­dera ne­ces­sário co­or­denar a luta contra o re­gime fas­cista em Es­panha com a luta contra o re­gime fas­cista em Por­tugal, o que até ao mo­mento não acon­teceu.»
Carta ao Par­tido Co­mu­nista (bol­che­vique) da URSS, 1948

«Esta luta é ainda bem de­si­gual. Além de todo o apa­relho do Es­tado, o go­verno fas­cista tem um po­de­roso apoio das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas.»
A po­lí­tica fas­cista de traição na­ci­onal..., 1947-48

«Eles [os im­pe­ri­a­listas anglo-ame­ri­canos] querem em Por­tugal um go­verno dócil, que faça de Por­tugal uma co­lónia. Querem um Por­tugal es­trei­ta­mente li­gado à Es­panha de Franco; para eles, uma Pe­nín­sula Ibé­rica fas­cista é uma base se­gura para a for­mação do bloco oci­dental e para a re­a­li­zação dos planos de sub­ju­gação da Eu­ropa.»
Sa­lazar: fan­toche dos anglo-ame­ri­canos, 1948

«Mos­trou-se aos olhos de quase todos os ca­ma­radas que per­fi­lharam a cha­mada “po­lí­tica de tran­sição” que esta era uma po­lí­tica opor­tu­nista.»
Al­gumas ob­ser­va­ções à au­to­crí­tica do ca­ma­rada Ra­miro, 1948

«De­pois de me terem assim es­pan­cado longo tempo, dei­xaram-me cair, imo­bi­li­zaram-me no solo, des­cal­çaram-me sa­patos e meias e deram-me vi­o­lentas pan­cadas nas plantas dos pés (...) Tanto no que se disse na im­prensa, como no que consta neste pro­cesso, pro­curou exa­gerar-se a im­por­tância que, para o meu Par­tido, ti­veram a prisão do meu ca­ma­rada Mi­litão e a minha. Mas os co­mu­nistas fi­caram tran­quilos, porque sabem que a Di­recção do PC con­tinua no seu posto (...)»
In­ter­venção re­a­li­zada pe­rante o tri­bunal fas­cista, 1950

«Como aceitar como o pro­grama do Par­tido um do­cu­mento que não de­fine in­so­fis­ma­vel­mente a con­cepção le­ni­nista do Es­tado e o que ela im­plica quanto ao de­sen­vol­vi­mento da luta de classes que conduz à di­ta­dura do pro­le­ta­riado como ins­tru­mento da li­qui­dação da ex­plo­ração do homem pelo homem e da abo­lição das classes?»
Carta à Di­recção do Par­tido, 1954 (?)

«Os fas­cistas exaltam a do­mi­nação nas co­ló­nias por­tu­guesas e en­tregam Por­tugal ao poder dos es­tran­geiros. Os co­mu­nistas re­co­nhecem os di­reitos dos povos co­lo­niais à in­de­pen­dência e lutam in­can­sa­vel­mente pela li­ber­tação de Por­tugal do jugo do im­pe­ri­a­lismo.»
Por­tugal numa vi­ragem, 1961

«Os co­mu­nistas por­tu­gueses con­ti­nu­arão a cum­prir o seu dever in­ter­na­ci­onal, qual­quer que sejam as provas a que sejam cha­mados a prestar.»
Os co­mu­nistas por­tu­gueses ante os tri­bu­nais fas­cistas, 1962

«Os par­tidos co­mu­nistas têm que saber, em cada caso, de­finir a etapa da re­vo­lução que no seu país há a cum­prir, de­finir os ob­jec­tivos po­lí­ticos es­sen­ciais dessa etapa, e es­co­lher as formas de ac­tu­ação re­vo­lu­ci­o­nária ade­quadas.»
A si­tu­ação no mo­vi­mento co­mu­nista in­ter­na­ci­onal, 1963

«As li­mi­ta­ções à de­mo­cracia in­terna do Par­tido não sig­ni­ficam que os pro­cessos de­mo­crá­ticos não possam ser apli­cados nas con­di­ções de clan­des­ti­ni­dade.»
A ten­dência anarco-li­beral na or­ga­ni­zação do tra­balho de di­recção, 1960

«A ideia da so­lução pa­cí­fica do pro­blema po­lí­tico por­tu­guês como o ca­minho para a mu­dança do re­gime, tal como foi co­lo­cada pelo Par­tido, está in­dis­so­lu­vel­mente li­gada à ideia de que o re­gime fas­cista em Por­tugal se está a de­sin­te­grar a passos rá­pidos e ir­re­ver­si­vel­mente (...) Tal aná­lise con­si­derou duma forma es­que­má­tica a in­fluência na po­lí­tica por­tu­guesa da nova cor­re­lação de formas mun­dial, acre­di­tando que essa in­fluência era ime­diata e de­ci­siva».
O desvio de di­reita nos anos 1956-1959 (Ele­mentos de Es­tudo), 1961

«A cor­recção do desvio de di­reita abre novas pers­pec­tivas de luta ao Par­tido e ao mo­vi­mento de­mo­crá­tico em geral. Exige, não apenas a dis­cussão no ter­reno ide­o­ló­gico, mas uma mu­dança geral no es­tilo de tra­balho do Par­tido, nas ta­refas que se co­locam a todas e a cada uma das suas or­ga­ni­za­ções.»
O desvio de di­reita nos anos 1956-1959 (Ele­mentos de Es­tudo), 1961

«Se fores preso, ca­ma­rada, cairá sobre ti uma grande res­pon­sa­bi­li­dade. Terás de con­ti­nuar de­fen­dendo o teu Par­tido, os teus ca­ma­radas, o teu ideal, mas em con­di­ções muito di­fe­rentes, pois que te en­con­trarás iso­lado nas mãos do ini­migo, su­jeito aos seus in­sultos e às suas vi­o­lên­cias.»
Se fores preso, ca­ma­rada, 1963