A teoria e a acção de um revolucionário exemplar
O cinema São Jorge, em Lisboa, encheu-se, segunda-feira, para o lançamento do II Tomo das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, que reúne textos escritos entre 1947 e 1964. A apresentação esteve a cargo do Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e do director das Edições Avante!, Francisco Melo.
Na mesa da sessão estavam também José Capucho e Manuela Pinto Ângelo, do Secretariado, José Casanova, da Comissão Política, e Rui Mota, do colectivo das Edições Avante!. Antes das intervenções foi transmitido um filme, revelando aspectos fundamentais da vida política de Álvaro Cunhal nos anos a que se refere este segundo volume.
Para além das imagens, elas próprias documentos históricos únicos, o filme conta igualmente com depoimentos de outros destacados militantes e dirigentes do Partido que, com Álvaro Cunhal, combateram a ditadura fascista nessas já longínquas décadas: António Dias Lourenço, Sofia Ferreira, Sérgio Vilarigues, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Aurélio Santos e António Gervásio.
Após o filme – que termina com a voz de Cunhal, dizendo «Aos meus camaradas digo sempre: até sempre!» –, foi a vez dos discursos. Perante uma sala cheia, com largas centenas de pessoas, Francisco Melo salientou os três períodos distintos da vida e actividade políticas de Álvaro Cunhal no período abrangido pelo livro: «um, que vai desde a sua viagem à União Soviética, via Jugoslávia (onde chegou no começo de Dezembro de 1947), até à sua prisão em 25 de Março de 1949; outro, respeitante aos anos de prisão na Cadeia Penitenciária de Lisboa e na Cadeia do Forte de Peniche; e outro, compreendido entre a data da sua evasão, em 3 de Janeiro de 1960, e a publicação de Rumo à Vitória, em Abril de 1964».
Combate ao oportunismo
Relativamente ao primeiro período, Francisco Melo destacou as cartas escritas aos partidos jugoslavo e soviético e os artigos publicados na imprensa comunista internacional. De onde ressalta a denúncia da «política fascista de traição nacional», traduzida nas concessões ao imperialismo norte-americano, que levariam Álvaro Cunhal a prevenir que «não é somente a situação do povo que se agrava é também a independência nacional que nós estamos em vias de perder completamente».
Ainda antes da sua prisão, salientou o editor, Álvaro Cunhal «retoma a sua crítica às concepções da “política de transição”, no texto Algumas observações à autocrítica do camarada Ramiro, isto é Júlio Fogaça». Neste opúsculo, sublinha uma ideia fundamental: «Dum debate contra desvios oportunistas, os resultados positivos derivam não dos desvios, mas do combate que contra estes é conduzido.» E apontava, citou Francisco Melo, a necessidade de combater as concepções oportunistas «na base da fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo» e que esse combate, para ser «conduzido a bom termo», deve ser «realizado a par da defesa intransigente dos princípios orgânicos do Partido como partido leninista».
Do período anterior à prisão, é ainda publicado um artigo sobre O Partido Comunista e as «Eleições Presidenciais, relativo à candidatura do General Norton de Matos. É aqui que adverte que seria um «serviço prestado ao fascismo» os democratas aceitarem concorrer às eleições nas «condições ditadas por Salazar», lembra o editor. Que recordou ainda a rejeição de Cunhal dos «compromissos e conciliações» com o fascismo por parte de sectores da oposição, que visavam marginalizar o Partido.
E alertava para que «nem na longa luta pela democracia e pela independência nacional nem nos presentes e nos próximos combates no terreno das “eleições” presidenciais, o movimento democrático pode dispensar as forças da classe operária e do seu partido – o Partido Comunista Português.»
Quatro mil dias de prisão
O segundo período, revelou Francisco Melo, abre com a célebre defesa no Tribunal Plenário, em Maio de 1950. É aqui que, transformando-se ele próprio em acusador, proclama que se alguém deve ser julgado e condenado «então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar».
Num outro texto, que também se publica, Álvaro Cunhal evoca a atitude dos comunistas portugueses perante os tribunais fascistas: «Ao comunista que é preso apresentam-se três “momentos” principais em que é chamado a dar provas a sua têmpera de revolucionário: a conduta ante a polícia, a conduta ante o tribunal, a conduta na prisão.» Para Francisco Melo, se o primeiro e o segundo estão «eloquentemente evidenciados» na intervenção no tribunal, o terceiro é evidenciado nos vários documentos da Penitenciária e do Forte de Peniche – dos cadernos da Penitenciária, a que se juntam várias folhas soltas de ambas as prisões, às cartas ao pai, à família ou ao director da prisão.
Mas é também da prisão que toma parte activa na vida do Partido. Nas Obras surgem «duas das várias cartas» trocadas com a Direcção do Partido. Numa delas, revela o editor, Álvaro Cunhal procede a uma «importante análise do Projecto de Programa do Partido» aprovado na reunião do Comité Central de Março de 1954.
E considera, prossegue, que o Programa teria de necessariamente incluir «uma exposição dos objectivos últimos do Partido, bem como das soluções políticas, económicas, sociais e estratégicas para os problemas emergentes do derrubamento do poder dos capitalistas e latifundiários e da conquista do poder pelo proletariado». Faltando isso no projecto, Álvaro Cunhal considerou que «este não poderia ser aceite como o programa do PCP», realçou Francisco Melo.
Novas dimensões
Os textos referentes ao terceiro período podem ser agrupados em dois blocos, salientou o director das Edições Avante!. O primeiro destes blocos prende-se com a luta e posterior correcção do desvio de direita no Partido dos anos 1956-1959.
Em Dezembro de 1960, escreve A Tendência Anarco-Liberal na Organização do Trabalho de Direcção, onde acusa os «excessos de democratismo» que «vieram a constituir toda uma tendência igualitarista e anarquizante pequeno-burguesa». Segundo Cunhal, citou Francisco Melo, tal tendência «não apareceu por acaso. Foi produto directo da influência nos quadros da Direcção das oscilações das camadas intelectuais e pequeno-burguesas».
«O combate às tendências oportunistas prosseguirá», afirmou o editor, com a publicação de O Desvio de Direita nos Anos 1956-1959 (Elementos de Estudo). Aqui afirma, entre outras coisas, que o Partido confundiu, neste período, a revolução proletária com a revolução democrática e que deixou de colocar a questão do poder para «tranquilizar os elementos conservadores» da oposição.
Neste terceiro período, Álvaro Cunhal ocupa-se também dos problemas do movimento comunista internacional de então, nomeadamente do conflito sino-soviético, afirmou Francisco Melo.
Do segundo bloco de textos posteriores à fuga da prisão, prosseguiu o editor, «fazem parte os discursos, artigos, entrevistas e conferências de imprensa publicados na imprensa comunista internacional e na imprensa do próprio do Partido».
Concluindo, o director das Edições Avante! salientou que este segundo tomo «revela-nos novas dimensões e peculiaridades da personalidade multifacética de Álvaro Cunhal e confirmam de forma iniludível o seu elevado estatuto de revolucionário, ombreando a nível internacional com os maiores teóricos e homens de acção marxistas-leninistas».
Jerónimo de Sousa
Uma ferramenta preciosa para lutar melhor
Estes materiais «não podem ser lidos como um romance para que se possa dizer mais tarde que já se leram. Será necessário lê-los e relê-los, é necessário estudá-los e compreendê-los», afirmou Jerónimo de Sousa, adaptando ao livro que ali era apresentado uma citação do próprio Álvaro Cunhal (relativa esta aos clássicos do marxismo-leninismo e aos documentos do Partido).
Para o Secretário-geral do PCP, a obra de Álvaro Cunhal «ajuda à compreensão do entendimento do Partido que temos e do Partido que somos». Em muitos textos desde tomo, continuou, «nós compreendemos melhor a história do Partido, fonte de inspiração para as nossas orientações e tarefas. Aprendemos!»
Mas, como também dizia Cunhal, estes materiais, «sendo para conhecer e compreender, não podem criar a ideia de que estudar é tudo e afastarmos os quadros do trabalho corrente para os tornarmos em teóricos petulantes». Pois o marxismo-leninismo, prosseguia, «é uma ciência ligada à vida e às condições de lugar e de tempo, uma ciência que se enriquece com novas experiências e novos conhecimentos, e daí a necessidade que o estudo dos teóricos do marxismo seja acompanhado da nossa realidade».
Continuando a citar o autor e homenageado, Jerónimo de Sousa clarificou: «dar respostas novas às novas situações, aos novos acontecimentos, é ter em conta as mudanças e proceder constantemente à análise das realidades, é encontrar os métodos e formas de organização, de comunicação, de propaganda, de intervenção e luta adequadas às exigências de situações concretas.» Mas, alertou, «que se desiludam os que, em nome da renovação, pensam numa mutação da sua identidade, na abdicação dos seus princípios».
Uma preciosa ferramenta
A obra lançada, realçou o Secretário-geral do Partido, é «mais uma preciosa ferramenta para trabalhar e lutar melhor». Trata-se de uma «ferramenta forjada por um revolucionário, um comunista que, temperado na resistência e na luta, também aprendeu com a classe operária, os trabalhadores e as massas populares, que neles confiou como principais protagonistas e obreiros da transformação social que preconizamos».
O tomo II das Obras Escolhidas, realçou o dirigente comunista, é um «documento de valor histórico onde se sacode o enevoamento, o branqueamento e a usurpação da memória». Mais, mais do que isso, onde se «relembra e releva os combates e a luta de milhares de comunistas, os avanços e os recuos, as vitórias e as derrotas, os acertos e os erros da nossa intervenção colectiva, mas donde emerge sempre mas sempre, como pedra angular da história do PCP, a disponibilidade para prosseguir a luta, intensificá-la e alargá-la».
Lembrando que o lançamento do livro surge no quadro da discussão e preparação do XVIII Congresso, Jerónimo de Sousa destacou que «quem ler o projecto de Teses para o XVIII Congresso lá encontra a matriz insubstituível e sempre renovada deste Partido, da sua natureza, identidade, ideologia, projecto e princípios, lá encontra o Partido que faz boa cara e peito firme ao mau tempo da ofensiva do Governo e da sua política, que não se limita a lutar mas a trazer para a luta todos os que defendem uma vida melhor, uma sociedade mais justa, um mundo onde prevaleça a paz e a democracia, sem abdicar da visão mais avançada da construção do socialismo».
Um Partido que, concluiu, «honra a sua história, as razões da sua fundação e da sua luta passada e presente, que honra a memória e a luta de Álvaro Cunhal e de milhares de comunistas, tentando acertar o passo do sonho com a realidade de pôr fim à exploração de um homem por outro homem».
«O Partido Comunista Português atribuiu-me as seguintes tarefas fundamentais: (...) Criar condições para que doravante a situação política portuguesa possa ser conhecida no estrangeiro e, para isso, solicitar facilidades na imprensa operária de vários países e estabelecer uma base para esse trabalho no futuro.»
Documento entregue ao Partido Comunista da Jugoslávia, 1947
«O PCP considera necessário coordenar a luta contra o regime fascista em Espanha com a luta contra o regime fascista em Portugal, o que até ao momento não aconteceu.»
Carta ao Partido Comunista (bolchevique) da URSS, 1948
«Esta luta é ainda bem desigual. Além de todo o aparelho do Estado, o governo fascista tem um poderoso apoio das potências imperialistas.»
A política fascista de traição nacional..., 1947-48
«Eles [os imperialistas anglo-americanos] querem em Portugal um governo dócil, que faça de Portugal uma colónia. Querem um Portugal estreitamente ligado à Espanha de Franco; para eles, uma Península Ibérica fascista é uma base segura para a formação do bloco ocidental e para a realização dos planos de subjugação da Europa.»
Salazar: fantoche dos anglo-americanos, 1948
«Mostrou-se aos olhos de quase todos os camaradas que perfilharam a chamada “política de transição” que esta era uma política oportunista.»
Algumas observações à autocrítica do camarada Ramiro, 1948
«Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés (...) Tanto no que se disse na imprensa, como no que consta neste processo, procurou exagerar-se a importância que, para o meu Partido, tiveram a prisão do meu camarada Militão e a minha. Mas os comunistas ficaram tranquilos, porque sabem que a Direcção do PC continua no seu posto (...)»
Intervenção realizada perante o tribunal fascista, 1950
«Como aceitar como o programa do Partido um documento que não define insofismavelmente a concepção leninista do Estado e o que ela implica quanto ao desenvolvimento da luta de classes que conduz à ditadura do proletariado como instrumento da liquidação da exploração do homem pelo homem e da abolição das classes?»
Carta à Direcção do Partido, 1954 (?)
«Os fascistas exaltam a dominação nas colónias portuguesas e entregam Portugal ao poder dos estrangeiros. Os comunistas reconhecem os direitos dos povos coloniais à independência e lutam incansavelmente pela libertação de Portugal do jugo do imperialismo.»
Portugal numa viragem, 1961
«Os comunistas portugueses continuarão a cumprir o seu dever internacional, qualquer que sejam as provas a que sejam chamados a prestar.»
Os comunistas portugueses ante os tribunais fascistas, 1962
«Os partidos comunistas têm que saber, em cada caso, definir a etapa da revolução que no seu país há a cumprir, definir os objectivos políticos essenciais dessa etapa, e escolher as formas de actuação revolucionária adequadas.»
A situação no movimento comunista internacional, 1963
«As limitações à democracia interna do Partido não significam que os processos democráticos não possam ser aplicados nas condições de clandestinidade.»
A tendência anarco-liberal na organização do trabalho de direcção, 1960
«A ideia da solução pacífica do problema político português como o caminho para a mudança do regime, tal como foi colocada pelo Partido, está indissoluvelmente ligada à ideia de que o regime fascista em Portugal se está a desintegrar a passos rápidos e irreversivelmente (...) Tal análise considerou duma forma esquemática a influência na política portuguesa da nova correlação de formas mundial, acreditando que essa influência era imediata e decisiva».
O desvio de direita nos anos 1956-1959 (Elementos de Estudo), 1961
«A correcção do desvio de direita abre novas perspectivas de luta ao Partido e ao movimento democrático em geral. Exige, não apenas a discussão no terreno ideológico, mas uma mudança geral no estilo de trabalho do Partido, nas tarefas que se colocam a todas e a cada uma das suas organizações.»
O desvio de direita nos anos 1956-1959 (Elementos de Estudo), 1961
«Se fores preso, camarada, cairá sobre ti uma grande responsabilidade. Terás de continuar defendendo o teu Partido, os teus camaradas, o teu ideal, mas em condições muito diferentes, pois que te encontrarás isolado nas mãos do inimigo, sujeito aos seus insultos e às suas violências.»
Se fores preso, camarada, 1963
Para além das imagens, elas próprias documentos históricos únicos, o filme conta igualmente com depoimentos de outros destacados militantes e dirigentes do Partido que, com Álvaro Cunhal, combateram a ditadura fascista nessas já longínquas décadas: António Dias Lourenço, Sofia Ferreira, Sérgio Vilarigues, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Aurélio Santos e António Gervásio.
Após o filme – que termina com a voz de Cunhal, dizendo «Aos meus camaradas digo sempre: até sempre!» –, foi a vez dos discursos. Perante uma sala cheia, com largas centenas de pessoas, Francisco Melo salientou os três períodos distintos da vida e actividade políticas de Álvaro Cunhal no período abrangido pelo livro: «um, que vai desde a sua viagem à União Soviética, via Jugoslávia (onde chegou no começo de Dezembro de 1947), até à sua prisão em 25 de Março de 1949; outro, respeitante aos anos de prisão na Cadeia Penitenciária de Lisboa e na Cadeia do Forte de Peniche; e outro, compreendido entre a data da sua evasão, em 3 de Janeiro de 1960, e a publicação de Rumo à Vitória, em Abril de 1964».
Combate ao oportunismo
Relativamente ao primeiro período, Francisco Melo destacou as cartas escritas aos partidos jugoslavo e soviético e os artigos publicados na imprensa comunista internacional. De onde ressalta a denúncia da «política fascista de traição nacional», traduzida nas concessões ao imperialismo norte-americano, que levariam Álvaro Cunhal a prevenir que «não é somente a situação do povo que se agrava é também a independência nacional que nós estamos em vias de perder completamente».
Ainda antes da sua prisão, salientou o editor, Álvaro Cunhal «retoma a sua crítica às concepções da “política de transição”, no texto Algumas observações à autocrítica do camarada Ramiro, isto é Júlio Fogaça». Neste opúsculo, sublinha uma ideia fundamental: «Dum debate contra desvios oportunistas, os resultados positivos derivam não dos desvios, mas do combate que contra estes é conduzido.» E apontava, citou Francisco Melo, a necessidade de combater as concepções oportunistas «na base da fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo» e que esse combate, para ser «conduzido a bom termo», deve ser «realizado a par da defesa intransigente dos princípios orgânicos do Partido como partido leninista».
Do período anterior à prisão, é ainda publicado um artigo sobre O Partido Comunista e as «Eleições Presidenciais, relativo à candidatura do General Norton de Matos. É aqui que adverte que seria um «serviço prestado ao fascismo» os democratas aceitarem concorrer às eleições nas «condições ditadas por Salazar», lembra o editor. Que recordou ainda a rejeição de Cunhal dos «compromissos e conciliações» com o fascismo por parte de sectores da oposição, que visavam marginalizar o Partido.
E alertava para que «nem na longa luta pela democracia e pela independência nacional nem nos presentes e nos próximos combates no terreno das “eleições” presidenciais, o movimento democrático pode dispensar as forças da classe operária e do seu partido – o Partido Comunista Português.»
Quatro mil dias de prisão
O segundo período, revelou Francisco Melo, abre com a célebre defesa no Tribunal Plenário, em Maio de 1950. É aqui que, transformando-se ele próprio em acusador, proclama que se alguém deve ser julgado e condenado «então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar».
Num outro texto, que também se publica, Álvaro Cunhal evoca a atitude dos comunistas portugueses perante os tribunais fascistas: «Ao comunista que é preso apresentam-se três “momentos” principais em que é chamado a dar provas a sua têmpera de revolucionário: a conduta ante a polícia, a conduta ante o tribunal, a conduta na prisão.» Para Francisco Melo, se o primeiro e o segundo estão «eloquentemente evidenciados» na intervenção no tribunal, o terceiro é evidenciado nos vários documentos da Penitenciária e do Forte de Peniche – dos cadernos da Penitenciária, a que se juntam várias folhas soltas de ambas as prisões, às cartas ao pai, à família ou ao director da prisão.
Mas é também da prisão que toma parte activa na vida do Partido. Nas Obras surgem «duas das várias cartas» trocadas com a Direcção do Partido. Numa delas, revela o editor, Álvaro Cunhal procede a uma «importante análise do Projecto de Programa do Partido» aprovado na reunião do Comité Central de Março de 1954.
E considera, prossegue, que o Programa teria de necessariamente incluir «uma exposição dos objectivos últimos do Partido, bem como das soluções políticas, económicas, sociais e estratégicas para os problemas emergentes do derrubamento do poder dos capitalistas e latifundiários e da conquista do poder pelo proletariado». Faltando isso no projecto, Álvaro Cunhal considerou que «este não poderia ser aceite como o programa do PCP», realçou Francisco Melo.
Novas dimensões
Os textos referentes ao terceiro período podem ser agrupados em dois blocos, salientou o director das Edições Avante!. O primeiro destes blocos prende-se com a luta e posterior correcção do desvio de direita no Partido dos anos 1956-1959.
Em Dezembro de 1960, escreve A Tendência Anarco-Liberal na Organização do Trabalho de Direcção, onde acusa os «excessos de democratismo» que «vieram a constituir toda uma tendência igualitarista e anarquizante pequeno-burguesa». Segundo Cunhal, citou Francisco Melo, tal tendência «não apareceu por acaso. Foi produto directo da influência nos quadros da Direcção das oscilações das camadas intelectuais e pequeno-burguesas».
«O combate às tendências oportunistas prosseguirá», afirmou o editor, com a publicação de O Desvio de Direita nos Anos 1956-1959 (Elementos de Estudo). Aqui afirma, entre outras coisas, que o Partido confundiu, neste período, a revolução proletária com a revolução democrática e que deixou de colocar a questão do poder para «tranquilizar os elementos conservadores» da oposição.
Neste terceiro período, Álvaro Cunhal ocupa-se também dos problemas do movimento comunista internacional de então, nomeadamente do conflito sino-soviético, afirmou Francisco Melo.
Do segundo bloco de textos posteriores à fuga da prisão, prosseguiu o editor, «fazem parte os discursos, artigos, entrevistas e conferências de imprensa publicados na imprensa comunista internacional e na imprensa do próprio do Partido».
Concluindo, o director das Edições Avante! salientou que este segundo tomo «revela-nos novas dimensões e peculiaridades da personalidade multifacética de Álvaro Cunhal e confirmam de forma iniludível o seu elevado estatuto de revolucionário, ombreando a nível internacional com os maiores teóricos e homens de acção marxistas-leninistas».
Jerónimo de Sousa
Uma ferramenta preciosa para lutar melhor
Estes materiais «não podem ser lidos como um romance para que se possa dizer mais tarde que já se leram. Será necessário lê-los e relê-los, é necessário estudá-los e compreendê-los», afirmou Jerónimo de Sousa, adaptando ao livro que ali era apresentado uma citação do próprio Álvaro Cunhal (relativa esta aos clássicos do marxismo-leninismo e aos documentos do Partido).
Para o Secretário-geral do PCP, a obra de Álvaro Cunhal «ajuda à compreensão do entendimento do Partido que temos e do Partido que somos». Em muitos textos desde tomo, continuou, «nós compreendemos melhor a história do Partido, fonte de inspiração para as nossas orientações e tarefas. Aprendemos!»
Mas, como também dizia Cunhal, estes materiais, «sendo para conhecer e compreender, não podem criar a ideia de que estudar é tudo e afastarmos os quadros do trabalho corrente para os tornarmos em teóricos petulantes». Pois o marxismo-leninismo, prosseguia, «é uma ciência ligada à vida e às condições de lugar e de tempo, uma ciência que se enriquece com novas experiências e novos conhecimentos, e daí a necessidade que o estudo dos teóricos do marxismo seja acompanhado da nossa realidade».
Continuando a citar o autor e homenageado, Jerónimo de Sousa clarificou: «dar respostas novas às novas situações, aos novos acontecimentos, é ter em conta as mudanças e proceder constantemente à análise das realidades, é encontrar os métodos e formas de organização, de comunicação, de propaganda, de intervenção e luta adequadas às exigências de situações concretas.» Mas, alertou, «que se desiludam os que, em nome da renovação, pensam numa mutação da sua identidade, na abdicação dos seus princípios».
Uma preciosa ferramenta
A obra lançada, realçou o Secretário-geral do Partido, é «mais uma preciosa ferramenta para trabalhar e lutar melhor». Trata-se de uma «ferramenta forjada por um revolucionário, um comunista que, temperado na resistência e na luta, também aprendeu com a classe operária, os trabalhadores e as massas populares, que neles confiou como principais protagonistas e obreiros da transformação social que preconizamos».
O tomo II das Obras Escolhidas, realçou o dirigente comunista, é um «documento de valor histórico onde se sacode o enevoamento, o branqueamento e a usurpação da memória». Mais, mais do que isso, onde se «relembra e releva os combates e a luta de milhares de comunistas, os avanços e os recuos, as vitórias e as derrotas, os acertos e os erros da nossa intervenção colectiva, mas donde emerge sempre mas sempre, como pedra angular da história do PCP, a disponibilidade para prosseguir a luta, intensificá-la e alargá-la».
Lembrando que o lançamento do livro surge no quadro da discussão e preparação do XVIII Congresso, Jerónimo de Sousa destacou que «quem ler o projecto de Teses para o XVIII Congresso lá encontra a matriz insubstituível e sempre renovada deste Partido, da sua natureza, identidade, ideologia, projecto e princípios, lá encontra o Partido que faz boa cara e peito firme ao mau tempo da ofensiva do Governo e da sua política, que não se limita a lutar mas a trazer para a luta todos os que defendem uma vida melhor, uma sociedade mais justa, um mundo onde prevaleça a paz e a democracia, sem abdicar da visão mais avançada da construção do socialismo».
Um Partido que, concluiu, «honra a sua história, as razões da sua fundação e da sua luta passada e presente, que honra a memória e a luta de Álvaro Cunhal e de milhares de comunistas, tentando acertar o passo do sonho com a realidade de pôr fim à exploração de um homem por outro homem».
«O Partido Comunista Português atribuiu-me as seguintes tarefas fundamentais: (...) Criar condições para que doravante a situação política portuguesa possa ser conhecida no estrangeiro e, para isso, solicitar facilidades na imprensa operária de vários países e estabelecer uma base para esse trabalho no futuro.»
Documento entregue ao Partido Comunista da Jugoslávia, 1947
«O PCP considera necessário coordenar a luta contra o regime fascista em Espanha com a luta contra o regime fascista em Portugal, o que até ao momento não aconteceu.»
Carta ao Partido Comunista (bolchevique) da URSS, 1948
«Esta luta é ainda bem desigual. Além de todo o aparelho do Estado, o governo fascista tem um poderoso apoio das potências imperialistas.»
A política fascista de traição nacional..., 1947-48
«Eles [os imperialistas anglo-americanos] querem em Portugal um governo dócil, que faça de Portugal uma colónia. Querem um Portugal estreitamente ligado à Espanha de Franco; para eles, uma Península Ibérica fascista é uma base segura para a formação do bloco ocidental e para a realização dos planos de subjugação da Europa.»
Salazar: fantoche dos anglo-americanos, 1948
«Mostrou-se aos olhos de quase todos os camaradas que perfilharam a chamada “política de transição” que esta era uma política oportunista.»
Algumas observações à autocrítica do camarada Ramiro, 1948
«Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés (...) Tanto no que se disse na imprensa, como no que consta neste processo, procurou exagerar-se a importância que, para o meu Partido, tiveram a prisão do meu camarada Militão e a minha. Mas os comunistas ficaram tranquilos, porque sabem que a Direcção do PC continua no seu posto (...)»
Intervenção realizada perante o tribunal fascista, 1950
«Como aceitar como o programa do Partido um documento que não define insofismavelmente a concepção leninista do Estado e o que ela implica quanto ao desenvolvimento da luta de classes que conduz à ditadura do proletariado como instrumento da liquidação da exploração do homem pelo homem e da abolição das classes?»
Carta à Direcção do Partido, 1954 (?)
«Os fascistas exaltam a dominação nas colónias portuguesas e entregam Portugal ao poder dos estrangeiros. Os comunistas reconhecem os direitos dos povos coloniais à independência e lutam incansavelmente pela libertação de Portugal do jugo do imperialismo.»
Portugal numa viragem, 1961
«Os comunistas portugueses continuarão a cumprir o seu dever internacional, qualquer que sejam as provas a que sejam chamados a prestar.»
Os comunistas portugueses ante os tribunais fascistas, 1962
«Os partidos comunistas têm que saber, em cada caso, definir a etapa da revolução que no seu país há a cumprir, definir os objectivos políticos essenciais dessa etapa, e escolher as formas de actuação revolucionária adequadas.»
A situação no movimento comunista internacional, 1963
«As limitações à democracia interna do Partido não significam que os processos democráticos não possam ser aplicados nas condições de clandestinidade.»
A tendência anarco-liberal na organização do trabalho de direcção, 1960
«A ideia da solução pacífica do problema político português como o caminho para a mudança do regime, tal como foi colocada pelo Partido, está indissoluvelmente ligada à ideia de que o regime fascista em Portugal se está a desintegrar a passos rápidos e irreversivelmente (...) Tal análise considerou duma forma esquemática a influência na política portuguesa da nova correlação de formas mundial, acreditando que essa influência era imediata e decisiva».
O desvio de direita nos anos 1956-1959 (Elementos de Estudo), 1961
«A correcção do desvio de direita abre novas perspectivas de luta ao Partido e ao movimento democrático em geral. Exige, não apenas a discussão no terreno ideológico, mas uma mudança geral no estilo de trabalho do Partido, nas tarefas que se colocam a todas e a cada uma das suas organizações.»
O desvio de direita nos anos 1956-1959 (Elementos de Estudo), 1961
«Se fores preso, camarada, cairá sobre ti uma grande responsabilidade. Terás de continuar defendendo o teu Partido, os teus camaradas, o teu ideal, mas em condições muito diferentes, pois que te encontrarás isolado nas mãos do inimigo, sujeito aos seus insultos e às suas violências.»
Se fores preso, camarada, 1963