Tribunas públicas sectoriais reafirmam determinação da CGTP-IN

Rejeitar o Código, preservar os direitos

Na semana em que, no parlamento, o Governo entregou a sua proposta de lei de revisão do Código do Trabalho e José Sócrates falou sobre «o estado da nação», a CGTP-IN mobilizou dirigentes e activistas dos principais sectores de actividade para mostrar, mais uma vez, que o executivo da maioria absoluta mandou às urtigas as promessas e compromissos do PS na oposição e colocou-se abertamente do lado do poder económico e do patronato. Contra esta mexida na lei laboral, pela mudança de rumo na governação do País e pela defesa dos direitos que a caducidade das convenções colectivas pretende liquidar, os representantes dos trabalhadores asseguraram que a luta vai continuar, quer no período de discussão pública da proposta do Governo, quer em acções já agendadas para Setembro, quer resistindo dia a dia nas empresas.
Que o «estado da nação» não é «obra do acaso» e que a crise não tem como causa principal os impactos exteriores, salientou o secretário-geral da CGTP-IN, ao intervir, na quinta-feira, perante as centenas de dirigentes e delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores que participaram na tribuna pública dos sectores industriais. No Jardim das Francesinhas, ao lado do Palácio de São Bento (onde, àquela hora, decorria o debate que marcou a semana parlamentar), Manuel Carvalho da Silva lembrou que o actual estado da economia e da vida dos portugueses «decorre de opções e práticas políticas» bem concretas.
Tal como noutras iniciativas semelhantes - terça-feira, dos transportes, comunicações e telecomunicações; quarta-feira, dos serviços (incluindo a Banca); sexta-feira, da Administração Pública (ver pág. 13) -, a CGTP-IN lembrou as declarações de responsáveis do PS, na oposição, criticando o Código do Trabalho de Bagão Félix e do PSD/CDS-PP, aprovado no Governo de Durão Barroso, e as promessas e compromissos eleitorais sobre a revogação das normas mais gravosas e fortemente contestadas por muitos milhares de trabalhadores. Uma vez no poder, José Sócrates, Vieira da Silva e o PS estão a fazer o contrário.
Com esta revisão do Código aprofundam ainda mais o «estado de necessidade dos trabalhadores», que o actual ministro do Trabalho tinha detectado nos seus discursos enquanto deputado na oposição. Em vez da bandeira do emprego, que o secretário-geral do PS agitou na campanha eleitoral, «o que nos faz agora transportar é o aumento do desemprego». Carvalho da Silva considerou ainda que, caso os deputados da maioria venham realmente a decidir que a discussão pública da proposta de lei do Governo deva ser feita durante Julho e Agosto, isso virá comprovar «a fragilidade da vida democrática».
O dirigente apontou ainda a necessidade de «desmontar o ataque à contratação colectiva», refutando o argumento de que esta estaria «velha». Recordou que, enquanto o edifício contratual, na generalidade dos países europeus, tem origem nos anos logo após a 2.ª Guerra, já em Portugal a contratação colectiva apenas começa a surgir no final dos anos 60, numa luta travada ainda durante o fascismo e que marcou o processo de constituição da Intersindical, em 1970. O problema, acusou Carvalho da Silva, é que a contratação colectiva é sempre mais favorável aos trabalhadores do que a lei geral. Como tal, é um obstáculo à concretização do objectivo principal desta revisão do Código do Trabalho, que consiste em pôr os trabalhadores a trabalhar mais e o patronato a pagar-lhes menos.

Se faltar regulação...

O que vier a faltar na regulamentação laboral, caso vinguem os objectivos do Governo e do patronato na revisão do Código do Trabalho, será acrescentado na luta que os trabalhadores e as suas organizações vão desenvolver nas empresas, avisou João Silva, da Comissão Executiva da CGTP-IN e coordenador da Fiequimetal, ao abrir a tribuna pública de dia 10. Sublinhou que os direitos consagrados nos contratos e acordos colectivos de trabalho se mantêm, no fundamental, em vigor, graças à luta desenvolvida pelos trabalhadores.
A fundamentar a acusação de que o Governo se colocou ao lado do poder económico e do patronato, referiu que não houve intervenção oficial perante inúmeros casos de boicote de negociações e de desrespeito da contratação colectiva, mas o executivo «foi lesto» em tentar restringir o direito à greve, decretando serviços mínimos à medida das empresas, e não hesitou em mandar as forças policiais contrata trabalhadores em luta. O coordenador da federação intersindical da metalurgia, química, farmacêutica, indústrias eléctricas, energia e sector mineiro enfatizou o «recado» que dali dirigiram ao primeiro-ministro: a nossa indústria não precisa de despedimentos e horários de sol a sol, precisa é de uma nova política de desenvolvimento.


Palavras para quê?...

«Os participantes na Tribuna Pública têm presente o compromisso eleitoral, assumido pelo Sr. primeiro-ministro, de proceder à revogação das normas do Código do Trabalho prejudiciais para os trabalhadores e não esquecem a declaração proferida por Vieira da Silva, actual ministro do Trabalho, quando, como deputado à AR, se referiu especificamente à vigência e sobrevigência da contratação colectiva no Código de Bagão Félix, dizendo que tais normas, “constituem um ataque à autonomia de negociação colectiva, um atestado de menoridade à liberdade sindical e um sinal claro das reais intenções da proposta de lei”.
«Já como ministro do Trabalho, em 2005, declarou que “o regime de caducidade fez com que certos negociadores se vissem tentados a bloquear a negociação, certos de que, com o decurso do tempo, não só estarão a aumentar a pressão sobre a contraparte, como, em última análise, poderão vir a atingir o mencionado vazio contratual”.
Sabemos agora o que valem tais compromissos e declarações, depois de conhecermos os seus objectivos para alteração do Código do Trabalho e verificarmos a sua actuação ao longo dos últimos três anos, invariavelmente do lado da parte mais forte na relação de trabalho: o patronato.»
(...)
«O resultado desta política está à vista: os trabalhadores estão pior, as desigualdades e as injustiças não param de aumentar e Portugal está cada vez mais na cauda da União Europeia, em nome da qual o Governo continua a justificar as suas políticas anti-sociais e os retrocessos da nossa indústria.
A conclusão que podemos tirar é que o primeiro-ministro e o ministro do Trabalho enganaram os trabalhadores.»

(Da resolução aprovada na tribuna pública de dia 10 e entregue na residência oficial do primeiro-ministro)



Boicotes e caducidade
para dar mais aos patrões


Muito fortemente contestado, nas tribunas sectoriais, foi o objectivo da caducidade da contratação colectiva, inscrito na proposta governamental. Os sindicatos e federações dos diferentes sectores responsabilizaram as associações patronais pelo arrastamento das negociações, acusando-as de procurarem que os contratos colectivos deixem de valer para reduzirem os direitos dos trabalhadores. Em cartas ao primeiro-ministro, foram apontados vários exemplos, nomeadamente:
- no sector automóvel, ao fim de sete anos de negociações, foi alcançado um texto de acordo, mas o patronato, argumentando com o Código do Trabalho, voltou atrás e apresentou uma nova proposta, onde não inclui uma única matéria do contrato em vigor, nem sequer um único parágrafo dos acordos alcançados; e propõe 127 disposições que subvertem o próprio Código do Trabalho;
- no sector mineiro, contra o compromisso que as próprias empresas assumiram, os representantes patronais romperam as negociações na mesma reunião em que foram acordadas mais de 20 cláusulas, e o Ministério do Trabalho deu cobertura à ilegítima pretensão de caducidade avançada pela associação patronal.
- na indústria farmacêutica, nas petrolíferas e nas instaladoras eléctricas, a aprovação do Código do Trabalho, em 2003, faz-se reflectir no arrastamento das negociações;
- na indústria gráfica, a associação patronal recusa desde o ano 2000 qualquer actualização dos salários mínimos e desencadeou em 2006 um processo de caducidade;
- a associação patronal da imprensa diária boicotou a revisão do contrato colectivo durante quatro anos, situação desbloqueada em 2007; em 2008, sete meses depois de apresentada a proposta sindical, ainda não há resposta patronal;
- em claro boicote à negociação com os sindicatos estão, desde 2003, as associações patronais dos mármores e granitos e dos produtos de cimentos; em ambos os casos, o Ministério do Trabalho limitou-se a ir passando os processos da fase de conciliação para a de mediação e, sem ouvir a parte sindical, recomendou a arbitragem voluntária;
- o Ministério também não assumiu o seu dever de promoção da contratação colectiva na indústria de cerâmica, cuja associação patronal boicota as negociações desde 2004;
- as situações de discriminação salarial na Cimpor (punindo quem recusa «aderir» a um «acordo» que os sindicatos da CGTP-IN não subscreveram) motivaram pedidos de intervenção da Inspecção do Trabalho, por seis vezes, desde Janeiro de 2006, os quais não tiveram qualquer resposta;
- as sete novas convenções colectivas negociadas pela federação sindical dos têxteis, vestuário, calçado e curtumes nos anos de 2005 e 2006, que têm sido elogiadas por membros do Governo e deputados, não estão sujeitas a caducidade, por vontade livre dos representantes dos trabalhadores e das empresas, mas a proposta de revisão do Código prevê que a caducidade seja imposta também nestes casos;
- nestes sectores, a adaptabilidade dos horários está regulada nas convenções colectivas, para responder aos picos de produção, pelo que o «banco de horas» proposto pelo Governo só viria fazer com que o trabalho suplementar passasse a ser pago como singelo, reduzindo a remuneração dos trabalhadores, que se mantém muito baixa;
- na limpeza industrial, onde os salários são igualmente nivelados pelo mínimo nacional, não há revisão do acordo colectivo desde 2004
- no sector financeiro, as propostas do Governo provocariam perdas remuneratórias que poderão baixar para metade os actuais rendimentos dos trabalhadores, e ficaria legalizado o trabalho extraordinário não pago, além da precariedade de emprego em postos de trabalho que correspondem a funções permanentes, a par das novas ameaças que traria a ampla mobilidade geográfica.


Resistir é o caminho

Os trabalhadores da limpeza de aviões na TAP mantêm uma série de greves, durante dois dias por mês, por melhores salários e trabalho com direitos e contra a precariedade. Na Esegur, o anúncio de uma greve levou o patronato a iniciar negociações. No comércio e serviços, registam-se resultados positivos na negociação colectiva desde 2004 e, já este ano, foram assinadas 500 convenções colectivas, abrangendo 18 mil trabalhadores, prosseguindo negociações que abarcam 128 mil.
Pela luta dos trabalhadores, mantêm-se em vigor os direitos consagrados em vários contratos colectivos, como a metalurgia e metalomecânica, a indústria automóvel, a fabricação de material eléctrico e electrónico, a indústria química.
Salientando a capacidade dos trabalhadores para defenderem os seus direitos e projectá-los para as gerações futuras e a importância das lutas desenvolvidas nos últimos três anos, João Silva salientou dia 10 que «o acordo firmado entre o Governo e o patronato ainda não é lei e estamos cá para que não se torne lei».

Setembro em força

Nas tribunas públicas foi expressa a determinação de, logo após o período de férias, retomar e intensificar o esclarecimento e a mobilização dos trabalhadores contra esta revisão das leis laborais, pela defesa dos direitos conquistados e por melhores salários. Algumas iniciativas concretas foram já anunciadas.
Na segunda quinzena de Setembro, a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações vai realizar uma acção geral de luta no sector, promovendo plenários, concentrações e manifestações, greves e outras acções. Os moldes concretos das acções a desenvolver serão decididos no início daquele mês.
A Fiequimetal adiantou que vai levar a cabo, em Setembro, envolvendo os trabalhadores de vários sectores industriais, uma campanha por aumentos salariais significativos, que permitam recuperar o poder de compra perdido.