Um combate vivo e actual
Convidado a participar num Encontro Internacional promovido pela União de Resistentes Antifascista Portugueses, URAP, e pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, Michel Vanderborght, presidente da Federação Internacional de Resistentes, FIR, destaca em entrevista ao concedida ao Avante! a actualidade da luta antifascista face à reabilitação e branqueamento do nazi-fascismo.
«A ausência de esperança no futuro é pasto fértil para o populismo e o fascismo»
Avante!: O que é a FIR?
Michel Vanderborght: A FIR é uma organização fundada depois da Segunda Grande Guerra Mundial por membros da resistência ao nazi-fascismo e sobreviventes dos campos de concentração. Nos primeiros anos após a guerra, éramos uma organização muito forte, com cerca de 20 milhões de aderentes.
Hoje, como é evidente, a situação não é a mesma. Os membros fundadores da FIR, aqueles que enfrentaram o nazismo, que passaram pelas suas prisões e campos de concentração, os militares e resistentes estão a desaparecer.
Por outro lado, a nossa organização também está a mudar, deixou de ser fundamentalmente uma organização de veteranos da guerra. No congresso realizado há sete anos, em Berlim, decidimos dar ainda mais força à intervenção contra o fascismo, por isso, apesar de termos mantido o nome de Federação Internacional de Resistentes, acrescentámos-lhe Organização Antifascista.
Esta orientação tem-nos feito colher bons resultados. Na medida em que aceitamos no nosso seio as jovens gerações e os activistas antifascistas, garantimos a continuidade da FIR, o reforço e actualidade da sua intervenção.
Nesse contexto, a FIR entende que a resistência antifascista passa, simultaneamente, pela acção contemporânea e pelo esclarecimento dos factos históricos e da luta que anteriores gerações travaram...
É importante fazer compreender aos mais jovens que o fim da Segunda Grande Guerra assinalou a derrota militar do nazi-fascismo, mas quer a história decorrida na segunda metade do século XX, quer os acontecimentos mais recentes, demonstram que às ideias e projectos políticos de instauração de ditaduras, de poderes absolutos e opressores, é necessário contrapor os valores da democracia, da liberdade, da igualdade.
È a partir desta apreciação que consideramos que a tarefa a que a FIR se propôs não só não se esgotou, como renova a sua actualidade atraindo para o combate as gerações do pós-guerra.
Tem insistido na atracção das jovens gerações. Qual é o papel que lhes cabe?
O mundo mudou muito, mas mantêm-se paradoxos inaceitáveis, como produzir combustível a partir de cereais e, paralelamente, permitir que milhões de pessoas morram de fome.
Os conflitos proliferam porque as grandes potências querem apossar-se dos recursos energéticos. Não digo que os regimes que os levam a cabo sejam todos fascistas, mas a sua prática reveste-se de desumanidade, de crimes, de uma autoridade quase ditatorial e de um cariz antidemocrático.
Confiamos muito nos jovens antifascistas e essa confiança resulta, por exemplo em Portugal, na sua atracção e enquadramento prático.
Lembrou que o mundo mudou muito. Qual a influência do desaparecimento do campo socialista nesse processo?
As consequências do desaparecimento da URSS são sentidas pelos comunistas, pelos democratas e antifascistas. No Encontro Internacional que decorreu em Setúbal aflorámos o assunto e penso ser consensual que as derrotas do campo socialista reanimaram a oposição ao projecto socialista, chegando-se ao extremo de, nos dias de hoje, ser clara a orientação de equiparar comunismo e nazismo.
Foram cometidos muitos erros, é evidente, mas não podemos permitir que se coloquem no mesmo patamar realidades incomparáveis. É absurdo.
Sabemos bem que quem o faz pretende não apenas denegrir os ideais do progresso e da justiça social, mas também revitalizar os ideais fascistas e neonazis.
Esta campanha anticomunista torna o mundo mais inseguro para os povos e para os resistentes antifascistas?
Sim, e os exemplos sucedem-se não apenas nos EUA, na América Latina ou em África, mas igualmente na Europa.
Quando em países como a Checoslováquia se criminaliza a juventude comunista, o KSCM, por propor alternativas ao regime político, económico e social vigente, percebemos a orientação desta «nova ordem mundial» e a complexidade da batalha ideológica que enfrentamos.
É necessário ampliar a discussão, o esclarecimento e fazer por atrair sectores que se manifestam contra este processo de globalização, que propõem alternativas, mesmo os que provêm do campo da social-democracia e do chamado altermundialismo.
Combater o revisionismo histórico
Decorreu recentemente um encontro de jovens no Campo de Concentração de Buchenwald, na Alemanha. Acha que a iniciativa da FIR conseguiu ligar os jovens à luta antifascista e prepará-los para combater o branqueamento da história?
Uma coisa é segura, ali estiveram mais de 1200 jovens com antigos combatentes, veteranos de guerra, resistentes antifascistas, e isso só por si é já um sucesso.
Para que esta iniciativa fosse possível, foram precisos dois anos de trabalho, no decurso dos quais visitámos dezenas de escolas. Inicialmente contávamos com 400 jovens, mas as nossas expectativas foram superadas e eu acredito que a maioria dos que estiveram em Buchenwald tornaram-se «embaixadores da resistência antifascista».
Deixa-me referir o exemplo que eu conheço melhor. Na Bélgica temos conseguido levar muitos jovens a visitar os campos de concentração e as prisões onde estiveram encerrados milhares de camaradas e amigos, e nas quais muitos perderam a vida a lutar contra o nazi-fascismo.
Todos os anos envolvemos entre quatro a cinco mil pessoas nestas visitas. Pode-se dizer que é pouco, que ainda não chega para travar o branqueamento do fascismo e promover a verdade histórica, o empenho na defesa da liberdade e da democracia. Mas se considerarmos que muitos dos que participam tornam-se activistas da FIR e de outras organizações; que passam a ter uma militância antifascista começando por esclarecer os que lhe estão próximos, tomamos consciência do alcance deste tipo de iniciativas.
Em alguns países do Leste da Europa assistimos a fortes campanhas de revisionismo histórico...
É verdade, mas deixa-me desde já frisar que não é apenas nos países do Leste europeu. A semana passada, na Bélgica, houve quem negasse abertamente a existência de campos de concentração.
Na Estónia, quando se colocou a questão da retirada do monumento aos resistentes antifascistas da Segunda Grande Guerra, a FIR interviu a favor dos democratas, dos patriotas do Báltico que combateram pela liberdade, pelos respectivos territórios então ocupados pela Alemanha hitleriana. O internacionalismo não tem fronteiras e estas batalhas competem a todos nós.
Acresce que se tivermos em conta as discussões ocorridas no Parlamento Europeu a respeito do branqueamento da história, da criminalização do comunismo e do socialismo, da negação dos crimes cometidos pelo nazi-fascismo, é caso para ficarmos extremamente preocupados, inclusive quanto ao rumo da UE.
Esteve em Portugal durante dois dias. Participou num Encontro Internacional com deputados do Parlamento Europeu, visitou o Forte de Peniche onde funcionou um cárcere fascista, contactou com antifascistas, com membros da organização antifascista portuguesa, a URAP. Que mensagem gostaria de deixar ao povo português?
Primeiro, gostava de sublinhar que fiquei agradavelmente surpreendido com os camaradas e amigos que conheci. Falo não apenas dos membros da URAP, mas também de gente não filiada cujo apego à liberdade, à democracia conquistada com o 25 de Abril de 1974, me deixou a impressão de que o regresso de um regime fascista em Portugal não será possível.
Tocou-me a espontaneidade e o entusiasmo com que vocês dizem e repetem «25 de Abril sempre, Fascismo nunca mais!», e pareceu-me que jovens e menos jovens o fazem com uma grande determinação.
Esta é a minha convicção, mas deixa-me destacar que a situação é muito complexa e não podemos tomar as conquistas por garantidas. Quando aumentam o desemprego, a pobreza e a fome, aumenta o desespero, e, estamos cientes, que a ausência de esperança no futuro é pasto fértil para o populismo e o fascismo, por isso o caminho é lutar e trazer à luta antifascista sempre mais gente.
Michel Vanderborght: A FIR é uma organização fundada depois da Segunda Grande Guerra Mundial por membros da resistência ao nazi-fascismo e sobreviventes dos campos de concentração. Nos primeiros anos após a guerra, éramos uma organização muito forte, com cerca de 20 milhões de aderentes.
Hoje, como é evidente, a situação não é a mesma. Os membros fundadores da FIR, aqueles que enfrentaram o nazismo, que passaram pelas suas prisões e campos de concentração, os militares e resistentes estão a desaparecer.
Por outro lado, a nossa organização também está a mudar, deixou de ser fundamentalmente uma organização de veteranos da guerra. No congresso realizado há sete anos, em Berlim, decidimos dar ainda mais força à intervenção contra o fascismo, por isso, apesar de termos mantido o nome de Federação Internacional de Resistentes, acrescentámos-lhe Organização Antifascista.
Esta orientação tem-nos feito colher bons resultados. Na medida em que aceitamos no nosso seio as jovens gerações e os activistas antifascistas, garantimos a continuidade da FIR, o reforço e actualidade da sua intervenção.
Nesse contexto, a FIR entende que a resistência antifascista passa, simultaneamente, pela acção contemporânea e pelo esclarecimento dos factos históricos e da luta que anteriores gerações travaram...
É importante fazer compreender aos mais jovens que o fim da Segunda Grande Guerra assinalou a derrota militar do nazi-fascismo, mas quer a história decorrida na segunda metade do século XX, quer os acontecimentos mais recentes, demonstram que às ideias e projectos políticos de instauração de ditaduras, de poderes absolutos e opressores, é necessário contrapor os valores da democracia, da liberdade, da igualdade.
È a partir desta apreciação que consideramos que a tarefa a que a FIR se propôs não só não se esgotou, como renova a sua actualidade atraindo para o combate as gerações do pós-guerra.
Tem insistido na atracção das jovens gerações. Qual é o papel que lhes cabe?
O mundo mudou muito, mas mantêm-se paradoxos inaceitáveis, como produzir combustível a partir de cereais e, paralelamente, permitir que milhões de pessoas morram de fome.
Os conflitos proliferam porque as grandes potências querem apossar-se dos recursos energéticos. Não digo que os regimes que os levam a cabo sejam todos fascistas, mas a sua prática reveste-se de desumanidade, de crimes, de uma autoridade quase ditatorial e de um cariz antidemocrático.
Confiamos muito nos jovens antifascistas e essa confiança resulta, por exemplo em Portugal, na sua atracção e enquadramento prático.
Lembrou que o mundo mudou muito. Qual a influência do desaparecimento do campo socialista nesse processo?
As consequências do desaparecimento da URSS são sentidas pelos comunistas, pelos democratas e antifascistas. No Encontro Internacional que decorreu em Setúbal aflorámos o assunto e penso ser consensual que as derrotas do campo socialista reanimaram a oposição ao projecto socialista, chegando-se ao extremo de, nos dias de hoje, ser clara a orientação de equiparar comunismo e nazismo.
Foram cometidos muitos erros, é evidente, mas não podemos permitir que se coloquem no mesmo patamar realidades incomparáveis. É absurdo.
Sabemos bem que quem o faz pretende não apenas denegrir os ideais do progresso e da justiça social, mas também revitalizar os ideais fascistas e neonazis.
Esta campanha anticomunista torna o mundo mais inseguro para os povos e para os resistentes antifascistas?
Sim, e os exemplos sucedem-se não apenas nos EUA, na América Latina ou em África, mas igualmente na Europa.
Quando em países como a Checoslováquia se criminaliza a juventude comunista, o KSCM, por propor alternativas ao regime político, económico e social vigente, percebemos a orientação desta «nova ordem mundial» e a complexidade da batalha ideológica que enfrentamos.
É necessário ampliar a discussão, o esclarecimento e fazer por atrair sectores que se manifestam contra este processo de globalização, que propõem alternativas, mesmo os que provêm do campo da social-democracia e do chamado altermundialismo.
Combater o revisionismo histórico
Decorreu recentemente um encontro de jovens no Campo de Concentração de Buchenwald, na Alemanha. Acha que a iniciativa da FIR conseguiu ligar os jovens à luta antifascista e prepará-los para combater o branqueamento da história?
Uma coisa é segura, ali estiveram mais de 1200 jovens com antigos combatentes, veteranos de guerra, resistentes antifascistas, e isso só por si é já um sucesso.
Para que esta iniciativa fosse possível, foram precisos dois anos de trabalho, no decurso dos quais visitámos dezenas de escolas. Inicialmente contávamos com 400 jovens, mas as nossas expectativas foram superadas e eu acredito que a maioria dos que estiveram em Buchenwald tornaram-se «embaixadores da resistência antifascista».
Deixa-me referir o exemplo que eu conheço melhor. Na Bélgica temos conseguido levar muitos jovens a visitar os campos de concentração e as prisões onde estiveram encerrados milhares de camaradas e amigos, e nas quais muitos perderam a vida a lutar contra o nazi-fascismo.
Todos os anos envolvemos entre quatro a cinco mil pessoas nestas visitas. Pode-se dizer que é pouco, que ainda não chega para travar o branqueamento do fascismo e promover a verdade histórica, o empenho na defesa da liberdade e da democracia. Mas se considerarmos que muitos dos que participam tornam-se activistas da FIR e de outras organizações; que passam a ter uma militância antifascista começando por esclarecer os que lhe estão próximos, tomamos consciência do alcance deste tipo de iniciativas.
Em alguns países do Leste da Europa assistimos a fortes campanhas de revisionismo histórico...
É verdade, mas deixa-me desde já frisar que não é apenas nos países do Leste europeu. A semana passada, na Bélgica, houve quem negasse abertamente a existência de campos de concentração.
Na Estónia, quando se colocou a questão da retirada do monumento aos resistentes antifascistas da Segunda Grande Guerra, a FIR interviu a favor dos democratas, dos patriotas do Báltico que combateram pela liberdade, pelos respectivos territórios então ocupados pela Alemanha hitleriana. O internacionalismo não tem fronteiras e estas batalhas competem a todos nós.
Acresce que se tivermos em conta as discussões ocorridas no Parlamento Europeu a respeito do branqueamento da história, da criminalização do comunismo e do socialismo, da negação dos crimes cometidos pelo nazi-fascismo, é caso para ficarmos extremamente preocupados, inclusive quanto ao rumo da UE.
Esteve em Portugal durante dois dias. Participou num Encontro Internacional com deputados do Parlamento Europeu, visitou o Forte de Peniche onde funcionou um cárcere fascista, contactou com antifascistas, com membros da organização antifascista portuguesa, a URAP. Que mensagem gostaria de deixar ao povo português?
Primeiro, gostava de sublinhar que fiquei agradavelmente surpreendido com os camaradas e amigos que conheci. Falo não apenas dos membros da URAP, mas também de gente não filiada cujo apego à liberdade, à democracia conquistada com o 25 de Abril de 1974, me deixou a impressão de que o regresso de um regime fascista em Portugal não será possível.
Tocou-me a espontaneidade e o entusiasmo com que vocês dizem e repetem «25 de Abril sempre, Fascismo nunca mais!», e pareceu-me que jovens e menos jovens o fazem com uma grande determinação.
Esta é a minha convicção, mas deixa-me destacar que a situação é muito complexa e não podemos tomar as conquistas por garantidas. Quando aumentam o desemprego, a pobreza e a fome, aumenta o desespero, e, estamos cientes, que a ausência de esperança no futuro é pasto fértil para o populismo e o fascismo, por isso o caminho é lutar e trazer à luta antifascista sempre mais gente.