Sinistrados do trabalho recusam política de redução de direitos

O drama que engorda as seguradoras

A cada cinco segundos ocorre um acidente de trabalho na União Europeia. A cada duas horas, morre na UE um trabalhador vítima de acidente de trabalho. Em Portugal, a frequência e a gravidade dos acidentes de trabalho são, em quase todos os sectores de actividade, dos mais elevados da UE. Aos sinistrados são reconhecidos direitos legais, mas estes são negados, no dia-a-dia, pelas poderosas companhias de seguros, pelas práticas patronais, pela falta de uma eficaz inspecção do trabalho e até foram diminuídos por alterações introduzidas pelo actual Governo, que «é muito pouco sensível aos problemas dos sinistrados do trabalho», como diz o presidente da ANDST.
A Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho (ANSDT), fundada em 1976, presta informação e aconselhamento, sobretudo nas áreas jurídica (para uma justa reparação dos danos) e médica, bem como apoio psicossocial. A associação procura levar a voz das vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais junto do poder político, para que sejam cumpridos os direitos constitucionalmente consagrados e para defender leis mais justas.
A ANSDT tem a sua sede no Porto e delegações em Lisboa e Coimbra. Conta com cerca de 14 mil sócios. Luís Machado, um dos fundadores e seu actual presidente, considera que o Governo do PS e de José Sócrates, «bem como os anteriores, é muito pouco sensível aos problemas dos sinistrados do trabalho». «Não respeita a legislação, nem a faz respeitar», e «promete, cria expectativas e depois não cumpre». Lembra que, «há cerca de dois anos, o ministro Vieira da Silva disse que seriam criados 800 novos postos de trabalho especificamente para deficientes sinistrados, mas, que saibamos, não foi criado nem um, pelo contrário, hoje há mais sinistrados desempregados»; e «também anunciou que seriam criados 10 centros de formação profissional, preferencialmente destinados a pessoas com deficiência, mas não foi feito rigorosamente nada».
O que este Governo faz, acusa o dirigente, «é reduzir alguns direitos dos sinistrados no trabalho», «mostra preocupação pelos interesses económicos das companhias de seguros, mas demonstra muito pouco sentido de justiça social para com os trabalhadores sinistrados» e «terá sido o primeiro Governo a impor a redução das prestações em dinheiro a grandes deficientes».
Por outro lado, «continua apenas a olhar para o trabalhador sinistrado como mera força de trabalho, propondo apenas a reparação da perda de capacidade de trabalho e não de outros danos que são reparados em Direito Civil». Por exemplo, «se, num restaurante explodir uma botija de gás e ficarem feridos um cliente e um trabalhador, este tem direito a uma indemnização por dano físico, pela redução da capacidade de trabalho, e não tem direito a mais nada; o cliente tem direito a indemnização por incapacidade para o trabalho, por danos físicos, por danos morais, por danos de desprazer, por danos estéticos», o que «quer dizer que a vida de uma pessoa vale menos quando está a trabalhar».
Este Governo «avança ainda com a redução, nalguns casos, dos coeficientes na Tabela Nacional de Incapacidades, contrariamente àquilo que existia desde 1993». Luís Machado nota que «baixando os coeficientes de incapacidade, baixam as pensões e aumentam os lucros das companhias de seguros».
Refere ainda que «um decreto-lei do mês passado, sobre os seguros das pessoas com deficiência, veio estabelecer que o prémio a pagar à seguradora seja agravado, contrariando a Constituição, o direito à igualdade, o direito a não ser discriminado em função da deficiência».
Perante tais posições do Governo, «não são poucas as situações» em que há uma tentativa de desresponsabilização das companhias de seguros pela reparação total dos danos dos acidentes. «No grupo de ajuda mútua da ANDST temos uma jovem que sofreu a amputação da mão direita e a perda total de funções na mão esquerda. A companhia de seguros entendeu que aquela senhora podia fazer tudo, portanto, não tinha direito a uma prestação para assistência de terceira pessoa. A associação contestou as posições da companhia e do Tribunal de Trabalho e conseguiu ganhar o recurso. Quantos milhares de trabalhadores sinistrados existem em situações idênticas, que não têm conhecimentos, que não são devidamente acompanhados e dos quais as companhias de seguros procuram desresponsabilizar-se?» - questiona o dirigente.
Na associação, «as pessoas encontram apoio, não apenas pelos conhecimentos do regime jurídico e pela capacidade técnica que nós adquirimos, mas porque encontram alguém que as ouve e que as orienta», o que «é muito importante, porque o sinistrado ou doente tem uma enorme fragilidade - económica, social e emocional».
Luís Machado salienta que «foram milhares de casos que a associação acompanhou e foram milhares os que ganhou às companhias de seguros», e «centenas de milhares de euros tiveram que ser pagos aos sinistrados» pelas companhias. Por outro lado, «surgem cada vez mais trabalhadores com doenças profissionais e temos feito imensos requerimentos ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais»; se «a maior parte é diagnosticada como doença profissional», já a incapacidade «é residual ou não existe», pelo que «nós contrariamos essas decisões no Tribunal de Trabalho e em 90 por cento dos casos ganhamos».

Um caso com nome

António Camilo, hoje com 54 anos, sofreu o seu primeiro acidente de trabalho no Seixal, há quase 10 anos. Caiu de uma elevada altura e fracturou as duas pernas e o braço direito. Após um longo e doloroso processo de tratamentos, cirurgias, recuperação e reabilitação, regressou ao trabalho em 2002. Em Penafiel, em 2006, sofreu um segundo acidente, de que resultou uma fractura craniana, com paralisia facial. Esteve em coma, num estado de saúde bastante precário, mas conseguiu recuperar. Desde então, não trabalha e vive de uma muito baixa pensão, relativa ao primeiro acidente de trabalho, porque foi suspenso o subsídio de doença provisório, relativo ao segundo acidente. Este subsídio, solicitado através da ANDST, permitia atenuar a debilitada situação económica deste sinistrado, com elevadas despesas de medicação. O grande problema reside no facto de, no plano jurídico, ainda não estarem atribuídas à companhia de seguros as responsabilidades que esta negou, num processo que decorre no Tribunal de Trabalho de Matosinhos.
Conta que a associação «surgiu na minha vida depois do primeiro acidente e tenho tido muita ajuda, a partir do momento que a contactei, nunca me largaram» e «foi através dela que consegui um subsídio, também me estão a ajudar a nível jurídico e psicológico, não só a mim como também à minha esposa, abalada com tudo o que se passou». «O médico do seguro passou uma carta em como eu necessitava de uma terceira pessoa e a minha mulher esteve em casa a dar-me apoio e ficou desempregada. Recebeu uma indemnização (que nem sabemos se era o que devia receber, na altura não estava em condições de saber de nada) e nunca mais trabalhou. Demos essa carta à companhia, para começar a pagar, tal como as facturas dos medicamentos e do transporte para a fisioterapia, enfim, de todas as despesas que eu tive. Em 2007 devolveram tudo, dizendo que não pagavam nada. A fisioterapia foi a única coisa que pagaram.»
Ora, «isto aconteceu-me em Setembro de 2006, e ainda não há resolução nenhuma, está tudo entregue ao tribunal». A nível económico, «foi um descalabro» e, para despesas mensais normais, «os meus filhos é que me valeram». «De um momento para o outro, acontece um acidente e o grande problema é não ter o apoio que devia, uma pessoa fica totalmente desamparada», reconhece António Camilo, que acredita que «algumas pessoas são capazes de chegar à loucura, o desespero leva a isso», pois «é uma situação muito difícil, muito desgastante».


Números e definições

- É considerado acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Em 2003 ocorreram cerca de 233 286 acidentes de trabalho no nosso país e 181 tiveram vítimas mortais. O sector com maior incidência de acidentes continua a ser a indústria transformadora, seguida da construção, mas foi nesta que ocorreram mais acidentes mortais.
- O conceito de doença profissional aplica-se somente aos casos de doença cuja origem laboral é certificada pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais. O conceito de problema de saúde relacionado com o trabalho revela-se mais amplo, incluindo todos os casos de doença em que o factor laboral desempenhou algum papel. Tal como nos acidentes de trabalho, em 2003 o sector da indústria transformadora foi o que apresentou maior número de doenças profissionais, seguido pela construção e a indústria extractiva.
- O trabalhador que sofre um acidente laboral tem direito a que lhe seja assegurado o regresso ao posto de trabalho, sempre que possível. No entanto, menos de 20 por cento das duas mil maiores empresas portuguesas disponibilizam programas de tratamento e reabilitação para vítimas de acidentes de trabalho.
- O cumprimento das obrigações, no âmbito da saúde, higiene e segurança no trabalho e da reparação de danos, é feito num clima de conflito. Calcula-se que metade das questões juslaborais accionadas nos tribunais nacionais estão relacionadas com acidentes de trabalho.
- Portugal é praticamente o único país europeu em que a reparação dos danos dos acidentes de trabalho está entregue à iniciativa privada. As seguradoras, perante um acidente laboral, procuram, antes de mais, desresponsabilizar-se. Os sinistrados, dados os seus fracos recursos económicos, têm muita dificuldade em contratar advogados ou médicos que os ajudem a garantir os seus direitos e estão em grande desvantagem, quando confrontados com o poder económico das companhias de seguros.
- Em 2003, no topo das doenças profissionais incapacitantes encontravam-se as doenças respiratórias, destacando-se a silicose, das mais frequentes em Portugal, que pode levar à morte e que está sobretudo registada nas indústrias extractivas (como as pedreiras), na construção civil e na metalomecânica.


A marca da exploração

Joaquim Ventura, responsável na Organização Regional do Porto do PCP pelas questões da deficiência, afirma que «a sinistralidade laboral está profundamente associada à exploração dos trabalhadores». Se Portugal apresenta um dos mais altos índices de acidentes no trabalho na UE, «tal facto não está dissociado de ser o país da União onde é maior o fosso entre ricos e pobres».
Entre outros factores que propiciam os acidentes, refere:
- a precariedade laboral, que atinge números escandalosos;
- os salários baixos e os horários de trabalho prolongados;
- o aparelho produtivo envelhecido e com fraca componente tecnológica;
- o incumprimento, por parte do patronato, das normas de higiene e segurança;
- e a ausência de uma efectiva inspecção do trabalho, por falta de vontade política e insuficiência de meios humanos e materiais.
O Partido «não se conforma com a inevitabilidade dos acidentes de trabalho, continuando a sua luta por políticas que promovam a dignidade de quem trabalha» e, no presente caso, «em defesa dos interesses dos sinistrados, levantando bem alto as suas reivindicações e apresentando propostas». Joaquim Ventura observa que «os outros partidos dizem-se preocupados, mas nada fazem, e é no PCP que os sinistrados têm encontrado apoio, empenho e dedicação à sua causa», o que «é reconhecido».
Lembra que, «contra o estrangulamento financeiro das associações de deficientes, o Partido apresentou na AR um projecto de lei que consagrava a inscrição anual no Orçamento de Estado dos subsídios a atribuir às associações; apresentou a proposta, aprovada, de criação do Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho, que obriga a AR a fazer como que um observatório sobre a realidade portuguesa e as respostas do Governo; o deputado Jorge Machado denunciou os números macabros das vítimas de acidente no trabalho e chamou a atenção para um abaixo-assinado, com mais de cinco mil subscritores, a reivindicar a antecipação para os 55 anos da idade de reforma dos trabalhadores das pedreiras; foi apresentado um projecto de Lei do Partido para fazer justiça a estes homens». No Parlamento Europeu, «através da camarada Ilda Figueiredo, foram colocadas questões sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, apoios a familiares e a pessoas com deficiência profunda, aplicação do Plano de Acção Europeu». Acrescenta ainda que «esta acção do Partido desenvolve-se também junto dos trabalhadores, nas autarquias, em todo o lado».
Critica as alterações que o Governo pretende introduzir no Código do Trabalho, porque «não há combate à sinistralidade, quando se procura aumentar a carga horária diária e semanal, para níveis que nos fariam regredir ao século XIX», uma vez que, «como está demonstrado, o cansaço reduz a concentração e gera condições favoráveis à ocorrência do sinistro».


Apoio psicossocial

A necessidade de prestar apoio psicológico e social aos trabalhadores vitimados tem sido uma preocupação de sempre da ANDST. A contratação, em 2007, de uma técnica de Serviço Social e de uma Psicóloga permitiu oferecer apoio psicossocial ao sinistrado (e ao seu agregado familiar), para que possa alcançar um equilíbrio psíquico que lhe devolva a autonomia e permita a participação activa na sociedade.
Edite Teixeira, do serviço de Psicologia Clínica da associação, dá conta de que «o trabalhador sinistrado chega aqui com um grande sofrimento, que é completamente ignorado por parte das companhias de seguros». «De um momento para o outro, as suas expectativas e projectos ficaram completamente anulados» e «precisa de ser compreendido e orientado, para decidir que rumo há-de dar à sua nova vida e para voltar a ganhar esperanças no futuro».
Reconhece que «pessoas que estão no limite das suas capacidades, passam a ter aqui mais alternativas para poderem resolver os seus problemas, mas continuam a ser pessoas que passaram por um processo traumático que as vai perseguir para o resto da vida». «Em quase todos os casos», estas pessoas «sentem-se enganadas, porque as companhias de seguros apresentam propostas irrisórias, indecentes e desumanas e, como as vítimas não sabem os seus direitos e estão muito confusas, desorientadas e em sofrimento, muitas vezes aceitam», originando «situações muito complicadas».
E «há sempre consequências a nível económico e social», já que «quem tem um acidente de trabalho fica numa situação de grande precariedade, a nível financeiro». A psicóloga especifica que o sinistrado tnha os seus compromissos, a sua vida e, de um momento para o outro, fica sem nada». «Mesmo em relação aos medicamentos, quase sempre são os sinistrados que pagam as despesas e só depois é que as companhias assumem o reembolso e, nalguns casos, só quando o processo jurídico fica resolvido», acrescenta, sublinhando que «a assistente social tem um papel preponderante, na articulação com a Segurança Social, para tentar remediar a situação económica, através de apoios, enquanto o processo não está concluído».


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