O que está a dar

Anabela Fino
«O que está a dar», segundo o inefável ex-ministro Correia de Campos (CC) – que revela crescente apetência para o comentário político desde que foi forçado a deixar a pasta da Saúde –, é «embaraçar o governo». A fazer fé nas suas palavras, do CDS ao BE, passando pelo PCP, todos estarão empenhados em colocar grãos de areia, pedrinhas ou pedregulhos, consoante a respectiva capacidade, na maravilhosa engrenagem do poder capitaneada pelo governo Sócrates.
A ajudar à festa, diz CC, estaria agora «um novo movimento emergente» que agita o «poeta e declamador» Alegre «como bandeira». Desconte-se o exagero da imagem (não há imaginação capaz de pôr Alegre a flutuar ao vento dos novos tempos) e registe-se a bicada sub-reptícia na essência oratória do dito.
Mas adiante. O que preocupa CC é que as forças políticas, à excepção do PS, obviamente, andam de «papéis trocados», que é como quem diz sem uma linha de orientação coerente: a direita com críticas de esquerda e a esquerda com conservadorismos de direita. E tudo isto porquê? Porque de um espectro ao outro das oposições uma única preocupação domina a frenética actividade partidária, a saber, «embaraçar quem governa».
E tanto assim será que em vez de alternativas se pretenderá «ampliar o desagrado»; em vez de querer ganhar eleições se quererá «apenas que o PS as perca»; em vez de se lutar por uma maioria se lutará «apenas para que o PS a perca, absoluta».
Ora, garante CC, nada disto faz sentido, sobretudo tendo em consideração que as políticas seguidas pelo Governo são a quinta essência da perfeição, seja na defesa da escola pública ou do Serviço Nacional de Saúde, seja na consolidação das contas públicas ou na melhoria das condições de vida dos portugueses. Veja-se o caso do PCP, por exemplo, que no crivo apurado de CC «defende o imobilismo, a ineficiência paga por impostos, a protecção de interesses instalados», enquanto «sonha destruir as leis desenhadas [pelo PS, quem mais?] para garantir segurança de trabalho». O mesmíssimo PCP que «defende a paz no mundo e promove a guerra das manifestações», que «critica o Governo pelo preço dos medicamentos» mas se revela «o maior e melhor apoiante da associação de farmácias»(?).
A coerência do discurso é, como se verifica, avassaladora. Um pouco mais de página no Diário Económico e ficava convencida que isto de ser ex de qualquer coisa – do governo, dos partidos, da política – é um bico de obra a exigir muita terapia e caldos de galinha. A menos que... tanto papel de embrulho seja para esconder o susto de ver de tão boa saúde o «morto» tantas vezes enterrado, cada vez mais equipado para a luta, na certeza de que o velório – a que sem dúvida todos iremos assistir um destes dias – será de outro defunto. O tal, que por mais que esperneie, tem a morte anunciada no imparável caminho da luta dos povos pela sua libertação.


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