Os jovens alheados

Correia da Fonseca
No seu discurso perante a Assembleia da República reunida para comemorar Abril, o presidente Cavaco Silva mostrou-se um homem preocupado com o distanciamento das camadas mais jovens da população relativamente à política. Que o presidente seja um homem preocupado é normal, não só por essa ser uma dimensão do exercício do seu cargo mas também porque, provavelmente, ser de algum modo preocupado com os outros fará parte da sua forma de estar no mundo, no País e na política. Que pareça não atinar com explicações para a indiferença dos jovens já tem qualquer coisa de surpreendente em quem tem à sua volta um punhadão de assessores escolhidos a dedo e especialistas em várias matérias, eventualmente em todas as que interessem ao assessorado para a adequada compreensão do País a que preside. De qualquer modo, é sabido que o presidente projecta reunir-se em tempos próximos com dirigentes de associações juvenis, supõe-se que políticas mas não só, decerto para ser esclarecido mas também para avaliar que providências podem ser tomadas para estancar a queda do interesse juvenil pela política. Poder-se-á talvez pensar que com esta simpática iniciativa pode Cavaco Silva ir bater a porta errada, pois é de crer que a indiferença e mesmo o fastio dos jovens pela política são sobretudo característicos dos que não estão inclinados a trocar os mitos ou os vícios do individualismo pela integração numa
actividade comum, isto é, numa associação. Mas é claro que mesmo aí pode o presidente recolher informações úteis, tudo dependendo de quem estiver por detrás das portas a que bater.

Uma sociedade politófoba

De qualquer modo, porém, talvez o senhor presidente possa avançar na compreensão do fenómeno que o preocupa se decidir atentar em como e onde qualquer jovem adquire a convicção de que a política não interessa nada, de que todos os políticos são, que todos eles só querem embolsar dinheiros e mordomias, enricar à custa dos contribuintes. Exemplifiquemos de uma forma talvez demasiado esquemática: vai um jovem pela rua e passa por ele um «topo de gama» espectacular. É altamente improvável que o jovem pense que o proprietário do carro seja um industrial em cuja fábrica os trabalhadores ganham mal e por vezes recebem tarde, um sujeito que graças a informações especiais ganhou uns bons dinheiros em especulações bolsistas ou um construtor civil acabadinho de requerer declaração de insolvência: o que mais provavelmente pensará é que um ministro ou pelo menos um deputado acabou de passar por ele. Mas pensará mais: pensará que, ministro ou deputado, o passante é um incompetente e um mentiroso seja ele de que partido ou governo for (pois «eles são todos iguais e andam todos ao mesmo») e nunca, mas nunca, lhe passará pela cabeça que, deputado ou ministro, arrecada bem menos dinheiro ao fim do ano que o patrão da empresa onde ele próprio, o jovem, trabalha e onde despende «tanta força por pouco dinheiro», como cantou o Sérgio. Isto, bem entendido, se for jovem que trabalhe, o que nem sempre é o caso sem que a diferença contribua decisivamente para o maior ou menor alheamento da política. De qualquer modo, o jovem obedecerá ao ditame não escrito mas generalizadamente acatado que manda ter aversão e desprezo pela política e todos os seus agentes enquanto, paralelamente, torna imperioso que se admire e venere o grande empresariarismo e os seus heróis. E, chegados aqui, convém que para maior e mais nítido esclarecimento registemos de onde mais eficazmente jorram estes mandamentos: da televisão, pois claro. Quanto à política e aos seus protagonistas, o epicentro da repugnância situa-se no «Contra-Informação» (sempre me espantou que haja cidadãos que, olhando regularmente as caricaturas do «Contra», ainda tenham força anímica para se deslocarem a uma assembleia de voto a fim de votarem naqueles fantoches); a deificação dos empresários é feita em programas que lhes descrevem o «sucesso» e nos convidam a prestar-lhes culto. Sabendo-se que as ideias que as gentes têm ou não têm nas cabecinhas dependem em larguíssima parte do que nelas é injectado pela TV, talvez seja útil que o senhor presidente investigue por esse lado os motivos da despolitização dos jovens portugueses. Juntando-lhe o individualismo que se respira nesta sociedade e que a televisão também reforça, confrontando esta realidade com o facto de a política ser uma actividade que implica trabalho em conjunto, terá encontrado talvez a pista certa.


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